Política

Emendas do Orçamento privilegiam estados de aliados de Bolsonaro

Agência Brasil
Rodovias, adutoras e barragens ganharam recursos após pressão de integrantes do centrão  |   Bnews - Divulgação Agência Brasil

Publicado em 30/03/2021, às 06h23   Folhapress


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A ampliação na verba para obras patrocinadas por congressistas no Orçamento de 2021 privilegiou projetos em estados de aliados do presidente Jair Bolsonaro (sem partido).

A manobra, que tirou dinheiro de despesas obrigatórias, como Previdência, gerou um impasse jurídico e o Ministério da Economia considera o projeto de Orçamento, aprovado pelo Congresso na semana passada, inviável.

Rodovias, adutoras e barragens ganharam recursos no Orçamento após pressão de integrantes do centrão por mais emendas parlamentares. O centrão é um grupo de partidos que se aproximou de Bolsonaro após a liberação de cargos de indicação política e dinheiro para mais emendas.

Estados de políticos próximos de Bolsonaro, como Paraíba, Rio Grande do Norte, Amapá e Piauí estão entre os mais beneficiados pela verba extra. A comparação é com base na proporção entre o dinheiro recebido e o tamanho da bancada no Congresso.

Integrantes do PP, PL e Republicanos —núcleo duro da nova base de apoio de Bolsonaro no Congresso— são políticos desses estados, como o líder do PL na Câmara, Wellington Roberto (PB); o líder do Republicanos na Câmara, Hugo Motta (PB); o presidente do PP, senador Ciro Nogueira (PI); o ex-presidente do Senado, Davi Alcolumbre (DEM-AP); além do ministro Rogério Marinho (Desenvolvimento Regional), ex-deputado e que pediu a ampliação de recursos para obras em 2021.

Essas emendas foram distribuídas pelo relator do Orçamento, senador Márcio Bittar (MDB-AC), após negociações com lideranças no Congresso. Como não havia um critério fixo, a alocação do dinheiro seguiu um formato político, segundo pessoas que participaram das tratativas.

Bittar cortou R$ 26,5 bilhões da verba de despesas obrigatórias, como aposentadorias, pensões, benefícios previdenciários, abono salarial e seguro-desemprego. Ele usou cerca de R$ 26 bilhões para bancar as chamadas emendas de relator, incluídas por ele mesmo no Orçamento.

Assim, o Congresso ampliou de aproximadamente R$ 22 bilhões para R$ 48,8 bilhões a fatia do Orçamento aplicada com base em critérios de parlamentares. Esse volume deverá ser recorde.

No Orçamento de 2020, as emendas parlamentares somaram inicialmente cerca de R$ 50,5 bilhões, em valor corrigido pela inflação. No entanto, após o presidente Bolsonaro se aproximar do centrão e com a chegada do coronavírus no Brasil, o Congresso encerrou o embate com o governo envolvendo o controle de parte do Orçamento. A fatia do Congresso caiu para aproximadamente R$ 38 bilhões.

Para este ano, a maioria desses recursos foi colocada em ações sem carimbo para estados específicos.

No entanto, cerca de R$ 1,5 bilhão já foram endereçados nas negociações políticas a projetos já selecionados, como adequações rodoviárias e projetos de irrigação no Piauí.

Estados como Espírito Santo, Rondônia e o Distrito Federal, por exemplo, não receberam recursos das emendas de relator. Das unidades da federação beneficiadas, São Paulo —governado por João Doria (PSDB), adversário de Bolsonaro— ficou no fim da lista.

No Orçamento de 2020, o Congresso também usou esse mecanismo de emendas de relator para agradar líderes partidários. Mas, de um total de R$ 30 bilhões, foram alocados R$ 600 milhões para obras de estados escolhidos.

A estratégia, portanto, ganhou força neste ano.

Emenda parlamentar é a forma de um congressista colocar sua digital numa verba para projetos na base eleitoral. Isso gera ganhos políticos para deputados e senadores, de olho nas eleições de 2022. Esse capital eleitoral também atrai o governo, pois o desenrolar das obras pode tornar mais positiva a avaliação de Bolsonaro.

O presidente tem buscado melhorar sua imagem no Nordeste, regiões onde perdeu para o PT na eleição de 2018. Para isso, ele conta com um aliado, o ministro Marinho. A pasta de Desenvolvimento Regional tem como tarefa realizar obras hídricas, de saneamento e de habitação, por exemplo.

Marinho —que segundo integrantes do governo tem intenção de concorrer a um cargo político em 2022— também foi beneficiado pelas alterações de última hora no Orçamento. O Ministério de Desenvolvimento Regional foi o que mais recebeu emendas (livres, sem especificar o estado, ou já direcionadas a uma determinada obra).

O Ministério da Economia, no entanto, não participou das discussões finais. Quando o projeto já havia sido aprovado pelo Congresso, a equipe econômica soltou um alerta a Bolsonaro: o Orçamento é inexequível.

O governo já tinha diagnosticado a dificuldade em tirar verba de custeio da máquina pública para cumprir com as despesas obrigatórias. Com o corte de R$ 26,5 bilhões feito por Bittar, o time do ministro Paulo Guedes (Economia) diz que serviços públicos podem ser interrompidos ao longo do ano se o Orçamento de 2021 não for ajustado.

Há cerca de duas semanas, em sessão conjunta do Congresso, foram derrubados vetos a trechos da Lei de Diretrizes Orçamentárias de 2021, que fornece a base para a elaboração do Orçamento do ano.

Um dos dispositivos permitiu ampliar o volume de recursos indicados pelos parlamentares para serem aplicados em obras nas suas bases eleitorais.

O artigo cria marcadores de despesas para emendas indicadas por comissões da Câmara e do Senado, além das indicadas pelo relator, Bittar.

Ao vetar o dispositivo, o governo havia argumentado que a medida aumenta a rigidez do Orçamento e contraria a Constituição. O veto, porém, foi rejeitado pelos parlamentares.

Congressistas têm direito a diversos tipos de emendas. Há as individuais, por exemplo, que são distribuídas a cada parlamentar e precisam ser necessariamente executadas. O mesmo vale para as bancadas de cada estado no Legislativo.

Essas emendas têm critérios e valor já calculado. Portanto, dificilmente fazem parte de negociações políticas —quando o governo libera mais verba em troca de apoio no Congresso.

Para continuar as tratativas com o governo, deputados e senadores ampliaram nos últimos anos o uso das emendas de relator, pois esse grupo não tem requisitos estabelecidos.

O Ministério da Economia, porém, questiona esses mecanismos, pois deixam o Orçamento mais apertado.

Classificação Indicativa: Livre

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