Política

Especialista explica porque entendimento do STJ sobre rol taxativo da ANS não vincula outros tribunais

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Na prática, significa que as operadoras de saúde não estão obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista.  |   Bnews - Divulgação Arquivo/Agência Brasil

Publicado em 30/06/2022, às 14h14 - Atualizado às 14h15   Rafael Albuquerque


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Em julgamento recente, a Segunda Seção do Superior Tribunal de Justiça (STJ) entendeu ser taxativo, em regra, o rol de procedimentos e eventos estabelecido pela Agência Nacional de Saúde (ANS). Na prática, significa que as operadoras de saúde não estão obrigadas a cobrir tratamentos não previstos na lista.

O colegiado fixou, porém, parâmetros para que, em situações excepcionais, os planos custeiem procedimentos não previstos na lista, a exemplo de terapias com recomendação médica, sem substituto terapêutico no rol, e que tenham comprovação de órgãos técnicos e aprovação de instituições que regulam o setor.

Diante da novidade jurídica, o Tribunal de Justiça de São Paulo (TJ-SP) abriu precedente ao negar recurso de um plano de saúde e manteve a obrigação de cobertura de tratamento de terapia ABA a criança autista. O procedimento consiste na aplicação da psicologia comportamental para o tratamento de pessoas com diagnóstico do transtorno do espectro autista.

No referido caso, o colegiado decidiu não aplicar o entendimento do Superior Tribunal de Justiça (STJ) de que o rol é taxativo, pois o acórdão ainda não foi publicado.

No entendimento da Corte, o rol da ANS trata-se de uma lista de procedimentos mínimos obrigatórios, sendo que em caso de pedido médico justificado, eventual procedimento que estiver fora do rol deverá ser coberto.

O advogado René Viana, que é especialista no assunto e preside a Comissão Especial de Direito Médico e da Saúde da OAB-BA, explicou ao BNews que as decisões de qualquer Tribunal brasileiro, como a do TJ-SP, "podem servir de baliza para a realização de julgamentos, sendo importante, naturalmente, que guardem similaridade nas matérias e que tenham transitado em julgado, ou seja, tenham se tornado definitivas".

Questionado sobre as decisões TJ-SP e do STJ, que são díspares, Viana salientou: "Os atos processuais são, por natureza, formais. As decisões judiciais, enquanto atos processuais, via de regra precisam necessariamente estarem revestidas da formalidade e da publicidade necessárias, sobretudo precisam transitar em julgado (se tornarem definitivas), para que produzam efeitos, salvo quando se tratar de decisão interlocutória (mais conhecida como liminar) que verse sobre questão de urgência. Em que pese a vasta cobertura da imprensa acerca do julgamento realizado pelo STJ sobre a interpretação do Rol de Procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar, a decisão em questão ainda não se tornou definitiva, podendo ser desafiada por recurso".

O advogado explicou como funciona o procedimento e afirmou que a referida decisão do STJ não obriga aos demais Tribunais ao seu seguimento. "Após a publicação do acórdão, serão abertos prazos para as partes litigantes no processo para interposição de recursos. Somente após o trânsito em julgado o acórdão poderá ser tomado como orientação jurisprudencial. Todavia, em que pese seja uma baliza acerca do tema, a decisão do Superior Tribunal de Justiça no EREsp 1.886.929 não obriga aos demais Tribunais ao seu seguimento, visto que aos magistrados é assegurado o exercício do livre convencimento na sua atuação profissional", destacou.

René Viana também detalhou em que consiste a decisão do STJ acerca d rol taxativo: "Na forma decidida até o momento, o Rol de procedimentos da Agência Nacional de Saúde Suplementar deve ser interpretado como taxativo mitigado, que significa, em regra, que os procedimentos não presentes na lista em questão não geram obrigatoriedade de cobertura para as operadoras se existente, para a cura do paciente, outro procedimento eficaz, efetivo e seguro já incorporado ao rol".

Mas a regra comporta exceções: "A primeira delas é se houver contratação específica pelo beneficiário do plano de cobertura de tratamentos e procedimentos extra rol. A segunda decorre da não existência de substituto terapêutico ou se já esgotados os
procedimentos do rol da ANS, circunstância em que poderá haver, a título excepcional, a cobertura do tratamento indicado pelo médico ou odontólogo assistente, desde que (i) não tenha sido indeferido expressamente, pela ANS, a incorporação do procedimento ao rol da saúde suplementar; (ii) haja comprovação da eficácia do tratamento à luz da medicina baseada em evidências; (iii) haja recomendações de órgãos técnicos de renome nacionais (como Conitec e Natjus) e estrangeiros; e (iv) seja realizado, quando possível, o diálogo interinstitucional do magistrado com entes ou pessoas com expertise técnica na área da saúde, incluída a Comissão de Atualização do Rol de Procedimentos e Eventos em Saúde Suplementar, sem deslocamento da competência do julgamento do feito para a Justiça Federal, ante a ilegitimidade passiva ad causam da ANS".

Questionado pela reportagem, Viana afirmou que pouca coisa mudará na relação entre operadoras e beneficiários uma vez que as empresas, em regra, já negavam autorização para procedimentos ausentes no rol taxativo.

"Na prática, a relação direta entre operadoras e beneficiários não mudará, porque as operadoras habitualmente já negavam autorização e custeio de procedimentos ausentes do Rol de procedimentos da ANS. Da forma como posta, o julgado do EREsp 1.886.929 exigirá dos pacientes e dos advogados maior clareza e robustez na formulação e fundamentação dos seu pedidos, fornecendo elementos técnicos, pautados no direito à saúde baseado em evidências, que proporcionem ao magistrado a segurança necessária para decidir", destacou.

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