Política

ONG de ex-jogador do Flamengo garante R$ 41,6 milhões de orçamento secreto

Marina Ramos/Câmara dos Deputados
O montante é considerado descomunal por especialistas em gestão esportiva  |   Bnews - Divulgação Marina Ramos/Câmara dos Deputados

Publicado em 09/01/2022, às 10h03   Redação BNews


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Ex-jogador do Flamengo, o hoje empresário Leonardo da Silva Moura, o Léo Moura, se tornou campeão de recursos recebidos da Secretaria Especial do Esporte do governo federal com uma entidade que promove treinamento de futebol para crianças e adolescentes. Nos últimos dois anos o instituto recebeu R$ 41,6 milhões por indicação de políticos aliados do Planalto.

Segundo reportagem do Estadão, 36,5% do valor foi enviado via orçamento secreto, prática usada pelo presidente Jair Bolsonaro para destinar bilhões de reais de dinheiro público a um grupo de parlamentares sem critérios claros, em troca de apoio no Congresso. Os padrinhos dos pagamentos à ONG são, principalmente, o deputado bolsonarista Luiz Lima (PSL-RJ) e Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-presidente do Senado.

De acordo com Estadão, entre 2020 e 2021, a quantia destinada ao Instituto é quase o dobro do enviado à Confederação Brasileira do Desporto Escolar (CBD), que ficou em segunda posição, com R$ 27,5 milhões. Também supera o que foi enviado a confederações de esportes olímpicos, como a Confederação de Desportos Aquáticos (R$ 9,1 milhões), Ginástica (R$ 8,4 milhões), Vôlei (R$ 8,4 milhões) e Boxe (R$ 7,1 milhões).

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Destinar R$ 41,6 milhões para uma ONG é considerado descomunal por especialistas em gestão esportiva. O Ministério da Cidadania, ao qual a Secretaria Especial do Esporte está vinculada, diz que os recursos foram indicações de parlamentares, com execução obrigatória, ou seja, sem que o governo pudesse escolher para quem enviar.

À reportagem, tanto Alcolumbre quanto Luiz Lima defenderam a importância do projeto e negaram irregularidades. Ambos exploram eleitoralmente a iniciativa ao terem suas imagens expostas em banners e em eventos de divulgação das atividades realizadas.

O instituto realiza um projeto de escolinhas de futebol chamado Passaporte para Vitória, que atende, segundo a entidade, 6,6 mil jovens de 5 a 15 anos no Rio e no Amapá – o plano é expandir para 30 mil. As inscrições são feitas por ordem de chegada, sem critério social.

O dinheiro é usado para manter o espaço, pagamento de funcionários, além da compra de chuteiras, caneleiras, uniformes e até um tipo de paraquedas especial usado em treinamentos para dar resistência a atletas, a R$ 80 a unidade – na internet é possível encontrar item semelhante por R$ 54. Ao todo, 1,6 mil paraquedas custaram R$ 128 mil.

Dados apresentados pela reportagem mostra que o Amapá recebeu ano passado 20 escolinhas com os repasses de Alcolumbre, que destinou R$ 15 milhões à entidade via emenda de relator – base do orçamento secreto. Só na capital, Macapá, funcionam quatro unidades. Léo Moura esteve na cidade quando as atividades começaram, em julho, e posou para fotos ao lado do senador, que divulgou as imagens em seu Facebook.

Os repasses para o instituto, no entanto, começaram antes, por meio de emendas do deputado Luiz Lima, ex-nadador olímpico e ex-secretário nacional do Esporte no governo de Michel Temer. Lima enviou, em 2020, R$ 5,2 milhões para bancar 15 núcleos no Rio, cada um com capacidade para atender até 300 crianças. A foto e o nome do deputado aparecem em banner do Passaporte Para Vitória numa rede social.

A reportagem esteve em duas das unidades na última quinta-feira, uma em Teresópolis (RJ) e outra em Macapá. Na primeira, as atividades estão suspensas desde novembro e os responsáveis afirmaram que ainda esperam liberação de recursos para retomar as aulas.

No local há apenas um campinho de futebol com menos da metade das dimensões oficiais, sem marcações e grama só nas laterais. Segundo vizinhos que não quiseram se identificar, duas balizas sem rede, também fora do padrão, e um contêiner foram as únicas benfeitorias trazidas pelo projeto ao campo, que já existia.

Já em Macapá, por sua vez, um pequeno grupo de crianças participou das atividades na manhã de quinta num campo de grama sintética, bem conservado, com grades novas e iluminação, na orla do bairro Santa Inês, próximo ao centro.

Ano passado a ONG terminou utilizando apenas R$ 5 milhões das verbas federais que efetivamente já caíram em sua conta. Mas novas verbas devem chegar em breve. Em 23 de dezembro, o presidente do Instituto Léo Moura, Adolfo Luiz Costa, enviou ofício ao relator-geral do Orçamento, senador Márcio Bittar (PSL-AC), pedindo a liberação de mais R$ 7,032 milhões. Segundo Léo Moura, o dinheiro adicional, que ainda não foi liberado por questões burocráticas, também foi intermediado por Alcolumbre para o Amapá.

Os R$ 41,6 milhões em repasses ao Instituto Léo Moura representam 11% dos R$ 374,7 milhões destinados pela Secretaria Nacional de Esportes desde 2019 para projetos esportivos. A cifra supera o investimento que 24 Estados e o Distrito Federal fizeram, individualmente, no esporte, em 2020. Apenas Bahia e São Paulo aplicaram mais recursos, segundo dados obtidos pela ONG Contas Abertas a pedido do Estadão.

Para o ex-ministro do Esporte Ricardo Leyser, a concentração de recursos na ONG faz parte do contexto da extinção do Ministério do Esporte e do enfraquecimento das políticas públicas de esporte e lazer.

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