Salvador

Dores da chuva: a rotina de famílias que passaram a morar em escola no Lobato após saírem de casa por risco de deslizamento

Vagner Souza/BNews
De acordo com a Sempre, ao todo 125 pessoas passaram a morar provisoriamente em escolas da cidade desde o início do tempo chuvoso  |   Bnews - Divulgação Vagner Souza/BNews

Publicado em 20/04/2021, às 08h50   Diego Vieira



Fechada desde o ano passado em razão da pandemia da covid-19, a Escola Municipal Professora Eufrosina Miranda, localizada no bairro do Lobato, em Salvador, virou a casa provisória de diversas famílias que tiveram os seus imóveis comprometidos de alguma forma por causa da chuva que tem atingido a capital baiana desde a última semana. As salas de aula, que antes eram ocupadas por alunos e carteiras, hoje estão tomadas por colchões e travesseiros das mais de 40 pessoas que estão abrigadas na instituição de ensino. 

Desempregada e com dois filhos, Rosineide Mota, de 33 anos, é uma das pessoas que precisou sair às pressas de casa após o acionamento da sirene de alerta instalada pela Defesa Civil. A residência dela, que fica na comunidade conhecida como Baixa das Pedreiras, no Lobato, foi tomada pela água da chuva e pelo barro de uma encosta que deslizou no último dia 9 de abril. A quantidade de água foi tão grande que até uma das paredes do imóvel caiu.

“Toda vez que chove é isso. A Codesal disse que no momento eu não posso voltar. A gente está sendo bem assistido aqui [no abrigo], mas nada melhor do que estarmos em casa, no nosso lar, só a gente mesmo”, desabafou Rosineide enquanto um dos filhos dormia em um colchão.

No mesmo dia em que parte da encosta próxima de sua casa cedeu, alguns bairros de Salvador registraram em 24h mais da metade do volume de chuva previsto para todo o mês de abril. De acordo com o Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet), a média histórica de chuvas para abril, na capital baiana, é de 295,7 mm. Em Periperi, por exemplo, que, assim como o Lobato, fica na região do Subúrbio Ferroviário, choveu 150,2 mm em um único dia.

Ter que deixar a casa onde mora por causa desse alto índice de água acumulada em poucas horas não é uma novidade para Rosineide. Ela conta que toda vez que uma chuva forte cai na cidade a cena se repete e só sobra tempo de pegar documentos e algumas peças de roupas e correr para o abrigo mais próximo.

 "É muito difícil passar por tudo isso. Lá onde eu moro foi o único lugar que eu achei um meio para ter um teto junto com os meus filhos, mas toda vez que chove a gente tem que sair para ir para um abrigo. Se tivesse um lugar mais seguro para a gente viver seria muito melhor pra não acontecer essa situação que acontece comigo e com outras pessoas. Quando começou a chover e eu vi a sirene tocar eu disse: ‘meu Deus, eu vou ter que sair da minha casa de novo? ’”, lamenta.

A poucos passos da sala onde Rosineide está morando provisoriamente com os filhos, dona Margareth Moreira, de 43 anos, confeccionava uma flor feita com folhas de EVA. A produção artesanal, segundo ela, é uma forma de passar o tempo dentro do abrigo e esquecer um pouco os problemas. 

As paredes do imóvel onde ela mora com o marido estão rachadas e até a geladeira ficou danificada por causa das goteiras formadas no telhado. Além disso, um barranco que fica aos fundos da residência tem tirado o sono do casal. 

“Toda vez que chove eu fico com o coração apertado. No ano retrasado eu também tive que sair de cada por causa da chuva. Toda vez que chove forte o pessoal da Codesal bate lá na porta e pede para a gente sair. É uma tristeza muito grande. Eu não consigo nem dormir direito. Essas noites que eu to aqui na escola que to conseguindo dormir, mas em casa eu não durmo”, afirmou Margareht, antes de se interrompida pelo choro de um bebê.

O menino de apenas oito meses é neto de Maria de Fátima, de 55 anos, que também teve a casa comprometida, e por isso, divide uma das salas da escola com Margareth. Enquanto tentava distrair a criança, Maria conversou com a reportagem e contou que a situação da casa dela é semelhante ao da colega de “quarto”.

“Minha casa ta rachando. O barranco já tomou o fundo todo e ta molhando tudo. Colchão eu não tenho mais porque está todo encharcado. Meu sonho é ter minha casinha num lugar seguro. Viver assim é horrível. Quem é que quer viver assim?”, questiona a ex-empregada doméstica que atualmente vive com R$ 245 proveniente do programa Bolsa Família para cuidar do neto.

Quem também está impedido de voltar para casa é o jovem Paulo Souza, de 18 anos, que assim como Rosineide, Margareth e Maria de Fátima, buscou abrigo na escola. “Molhou tudo na minha casa. A sirene tocou e o pessoal passou lá chamando de porta em porta e a gente veio para cá buscar abrigo. A Codesal foi lá na casa e disse que não dá pra a gente voltar enquanto a chuva não parar”, relatou Paulo ao lado da esposa e do filho.

De acordo como Sarah Ribeiro, coordenadora do abrigo, enquanto aguardam um retorno sobre a solicitação do auxílio moradia fornecido pela prefeitura, através da Secretaria Municipal de Promoção Social, Combate à Pobreza, Esporte e Lazer (Sempre), todos os desabrigados devem permanecer na escola por tempo indeterminado. No local, eles recebem colchão, travesseiro e um kit de higiene. Além disso, seis refeições são servidas diariamente.

“No primeiro momento a gente acolhe essas famílias com uma entrevista para fazermos um cadastro de admissão. Após isso, elas são direcionadas para o quarto onde vão ficar e recebem um kit com colchão, travesseiro e materiais de higiene necessários para eles durante esse período de chuva ou até que a gente consiga o auxílio que é feito através da Sempre”, explica a coordenadora.

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De acordo com a Sempre, o bairro do Lobato é o que tem, atualmente, o maior número de pessoas desabrigadas por causa do mau tempo. Além das 49 que estão na Escola Professora Eufrosina, outras 76 estão em sete abrigos espalhados pela cidade: Onze estão na Escola Municipal Professor Antonio Carvalho Guedes, no bairro Capelinha de São Caetano; 13 na Escola Municipal Coração de Jesus, também no Lobato; Três estão abrigados na Escola Municipal Novo Marotinho, situada no bairro Sete de Abril; Seis na Escola Municipal Antônio Carlos Magalhães, em São Caetano; 24 estão morando provisoriamente na Escola Santa Terezinha, que fica no Alto da Terezinha; e 19 estão na Escola Municipal do Calabetão.

Ainda segundo a secretaria, durante a Operação Chuva do ano passado, a secretaria concedeu auxílio emergencial a 721 famílias – 480 desses benefícios no valor de um salário mínimo, 206 de dois salários mínimos e 35 foram de três salários mínimos. Já o auxílio moradia beneficiou 3.351 famílias, sendo 3.148 por evacuação temporária e 203 por realocação ou demolição do imóvel.

O auxílio moradia é destinado às famílias de baixa renda vítimas de situações de risco e desastre. Já o auxílio emergência é um apoio financeiro cujo valor pode variar em até três salários mínimos e é concedido às pessoas que sofrem perdas decorrentes dos desastres, para restabelecimento das condições mínimas de sobrevivência através da reposição de bens.

O que diz a Defesa Civil

De acordo com a Defesa Civil de Salvador (Codesal), em apenas uma semana de chuva, houve cerca de 2.645 solicitações de vistorias pelo telefone 199.  As principais demandas referiam-se a ameças de deslizamento - 663, deslizamentos de terra - 406, e ameaças de desabamento - 372.

Nesse intervalo, foram registrados acumulados de chuvas que chegaram, por exemplo, a 364,6mm na região da Base Naval de Aratu. Outras localidades que registraram altos índices de chuva foram Mirantes de Periperi - 340,2mm; Praia Grande – 336,8mm e São Tomé de Paripe – 332,8mm. No período, choveu mais do que o esperado para todo o mês de abril.

Ainda segundo a Codesal, entre quarta (21) e quinta (22), a chuva pode intensificar e aumentar os riscos de acidentes pela capital baiana. O Instituto Nacional de Meteorologia (Inmet) informou que pode haver variação de temperatura, com máxima de 28°C e mínima 23°C.

A normal climatológica, que é a média histórica, para o mês de abril é de 295,7, sendo que entre 01 a 17 de abril, a estação pluviométrica do Inmet, em Ondina, registrou 183,6mm, mais da metade esperado para todo o mês.

"As médias climatológicas, que permitem identificar os períodos mais chuvosos ou secos, são valores calculados a partir de um cumulativo de dados apurados em 30 anos, observados, no caso de Salvador, a partir do pluviômetro de Ondina, do Inmet, o único que tem mais de três décadas em funcionamento na capital”, explica o meteorologista da Codesal, Giuliano Carlos Nascimento.

Classificação Indicativa: Livre

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