Salvador
Publicado em 14/07/2022, às 06h10 Daniel Brito
Há pouco mais de um mês, o prefeito de Salvador, Bruno Reis (União Brasil), reunia a imprensa no Palácio Tomé de Souza para anunciar que a partir do dia seguinte, 4 de junho, a tarifa de ônibus na capital baiana ia ficar mais cara. Antes em R$ 4,40, o valor subiu R$ 0,50 e passou a ser de R$ 4,90.
O reajuste, no entanto, já era esperado, pois no final de março, o chefe do executivo municipal havia dito que a tarifa iria subir para o valor mencionado, mas que nos dois meses seguintes, não seria sentido pela população.
Isso porque a prefeitura iria arcar com a diferença até que um projeto de lei federal, que repassaria R$ 5 bilhões às cidades brasileiras para subsdiar as gratuidades de idosos, fosse aprovado pelo Congresso e sancionado pelo presidente Jair Bolsonaro (PL). Porém, por falta de consenso, a matéria não foi votada no Senado e o aumento chegou ao bolso dos soteropolitanos.
Tempos depois, o subsídio foi incluído na chamada PEC 'Kamikaze', mas foi reduzido para R$ 2,5 bilhões.
Mais caro até do que em São Paulo
Faz pouco mais de um mês que os soteropolitanos pagam R$ 4,90 para andar de ônibus. A tarifa, além de ser a maior da região Nordeste, é mais cara até mesmo do que a de São Paulo, maior cidade da América Latina e com um custo de vida mais elevado. Por lá, o transporte custa R$ 4,40, valor que se pagava até o dia 2 de junho em Salvador.
No entanto, a diferença na qualidade do serviço é notória. Um dos exemplos é que a cidade possui ônibus do tipo articulado, os populares "sanfonados", ou seja, com uma divisória no meio que lembra uma sanfona. Eles têm 18 ou 23 metros de comprimento, oferecendo maior capacidade para transportar passageiros, enquanto o tamanho máximo da frota de Salvador é de apenas 13 metros. Desde 2012, a capital baiana não possui ônibus articulados.
E quem notou essas grandes diferenças foi justamente uma soteropolitana que hoje mora por lá. Iana da Hora vive na cidade há dois anos, onde foi cursar Relações Internacionais na Universidade de São Paulo (USP).
"A estrutura e a qualidade dos ônibus é bastante superior à de Salvador, em tudo. Limpeza, variedade de roteiros, quantidade de veículos nas ruas, tamanho. Me sinto muito mais bem servida do que era em Salvador", conta ela ao BNews.
Segundo Iana, que morava no bairro da Boca do Rio, outro detalhe que também faz a diferença é a existência de entradas USB para carregador de celular nos bancos próximos às janelas, o que facilita a vida em uma situação de emergência. A estudante também se sente mais segura andando de ônibus e diz que não ouve falar de casos de assalto à mão armada com a mesma frequência que ocorrem em Salvador. "Ainda não conheci ninguém que tenha sido assaltado dentro do ônibus aqui", diz.
"São mais limpos, não têm aquelas baratinhas andando na janela. Outra coisa que eu acho interessante, na questão de acessibilidade, é que boa parte dos ônibus é 'inclinável' quando as pessoas sobem e descem deles. Eu tenho uma avó com problema de joelho que sempre sofria muito com a altura dos degraus dos ônibus em Salvador. Aqui o piso fica bem perto do chão quando o motorista para, então é bem mais acessível para pessoas com dificuldades de locomoção", acrescenta.
Os ônibus aos quais Iana se refere são os do tipo piso baixo, onde a distância entre o solo e o piso do veículo é reduzida, o que facilita o embarque e o desembarque dos passageiros. A capital baiana também não possui nenhum veículo desse tipo em sua frota.
Existe a expectativa de que alguns ônibus do sistema BRT, previsto para começar a operar no mês de setembro na cidade, tenham essa configuração. No entanto, para a frota comum, que atende a maior parte da cidade, ainda não há perspectivas.
Diferenças e semelhanças
No entanto, para que a frota de São Paulo tenha ônibus que atendam uma população com pouco mais de 12 milhões de habitantes, é necessário investimento. Por lá, o transporte é subsidiado pela prefeitura da cidade, ou seja, o executivo municipal injeta recursos para que a qualidade do serviço, principalmente na frota, seja nivelada por cima.
Na capital paulista, as cifras chegam à casa dos bilhões de reais. Em 2022, o valor do subsídio autorizado foi de R$ 3,5 bilhões, de acordo com dados da São Paulo Transporte S/A (SPTrans), empresa que administra o transporte público por ônibus da cidade.
Esse não é o caso de Salvador, onde a prefeitura alegou diversas vezes não ter capacidade financeira de oferecer um subsídio regular. Porém, nos últimos tempos, devido à crise que o sistema enfrentou, culminando inclusive na saída de uma das concessionárias, a Salvador Norte (CSN), o município precisou empenhar recursos de forma emergencial para que o modal não entrasse em colapso, especialmente durante a intervenção na empresa entre junho de 2020 e março de 2021.
Quanto à tarifa, na capital baiana, existe uma outra diferença: por aqui, o valor de R$ 4,90 também se aplica à integração com o metrô, ou seja, não é cobrado nenhum valor a mais pelo segundo modal. Não é o caso de São Paulo. Lá, a tarifa de ônibus com integração aos sistemas de metrô e trem metropolitano é de R$ 7,65, ou seja, é cobrado um valor a mais para acessar um modal diferente na primeira vez.
Em uma cidade bastante extensa, especialmente para quem trabalha ou estuda, dificilmente alguém se locomove utilizando apenas ônibus e depende também dos outros transportes, especialmente dos trens e metrô, para percorrer longas distâncias. Por isso, o valor pago acaba sendo maior do que a tarifa padrão de R$ 4,40.
Apesar disso, a tarifa é unificada, ou seja, caso uma pessoa use apenas um metrô ou apenas um trem metropolitano, pagará os mesmos R$ 4,40. Em Salvador, a tarifa única do metrô é mais barata que a dos ônibus e custa R$ 4,10. Apesar da decisão da prefeitura em junho, o governo do Estado decidiu não aumentá-la.
Só que o mesmo não aconteceu com os ônibus metropolitanos, que tiveram um reajuste. O chamado anel 1, por exemplo, que liga Salvador às cidades de Simões Filho e Lauro de Freitas, passou a custar R$ 4,80.
Embora tenha anunciado no final do ano passado que em 2022 a tarifa poderia ser de R$ 5,10, a prefeitura de São Paulo recuou da decisão em junho e disse que não aumentará mais o valor nesse ano. A decisão partiu tanto do prefeito da capital, Ricardo Nunes (MDB), quanto do governador do estado, Rodrigo Garcia (PSDB).
No caso de Salvador, o prefeito Bruno Reis chegou a anunciar que caso o subsídio federal chegue aos cofres municipais, o reajuste de R$ 4,90 pode ser revisto.
Por que R$ 4,90?
O BNews procurou a Secretaria Municipal de Mobilidade (Semob) para comentar os fatores que levam Salvador a ter uma tarifa de ônibus mais cara do que outras capitais do país, especialmente São Paulo. Através de nota, a pasta disse que a definição dos valores envolve estudos técnicos que contemplam etapas como a previsão de demanda de passageiros transportados, avaliação dos investimentos necessários à produção da oferta projetada, projeção dos custos operacionais com base na oferta programada e o cálculo da tarifa de remuneração das concessionárias.
"São levados em consideração neste processo os dados de receitas tarifárias arrecadadas, provenientes exclusivamente dos valores pagos pelos usuários do serviço, de investimentos necessários (em frota, garagens, equipamentos e tecnologia embarcada), de custos operacionais e despesas administrativas (pessoal de operação, combustível, lubrificantes, rodagem, peças e acessórios, manutenção de equipamentos, despesas administrativas, regulação e fiscalização) e de tributos incidentes", afirmou a Semob.
Conforme o órgão municipal, os contratos de concessão do transporte preveem uma revisão tarifária a cada quatro anos e uma nova deverá ocorrer até o final de 2022, para vigorar entre os anos de 2023 e 2026, sendo que todas as etapas dos estudos técnicos para isso já estão em curso.
Sobre o valor em comparação com o transporte de São Paulo, a pasta ressaltou que "não se pode perder de vista que este é subsidiado por aquele Município, com o aporte de recursos da ordem de R$3,5 bilhões por ano, o que não acontece em Salvador, onde o transporte é remunerado pela tarifa paga pelo usuário".
"Além disso, as regras da integração tarifária vigentes em São Paulo podem fazer com que o valor da tarifa publica ultrapasse a casa dos R$9,00, o que não ocorre em Salvador, onde a população conta com o benefício do bilhete único para a integração, pagando uma única tarifa e podendo fazer uso de até 2 integrações, incluindo o metrô, para o seu deslocamento", acrescentou.
Por fim, a Semob disse que outro elemento que pressiona os custos do transporte público em Salvador é a diferença de valor repassado para o sistema com a integração, onde cerca de 40% é direcionado para os ônibus, enquanto 60% vai para o metrô.
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