Salvador

Concessionária do ferry-boat acumula mais de mil multas por problemas no serviço

Carol Garcia/GOVBA
Levantamento feito pela Agerba a pedido da reportagem do BNews escancara piora na qualidade do serviço prestado nos últimos tempos  |   Bnews - Divulgação Carol Garcia/GOVBA
Daniel Brito

por Daniel Brito

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Publicado em 10/11/2022, às 05h30


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Andar de ferry-boat está ficando cada vez mais complicado. Nos últimos meses, cresceram as queixas de passageiros com problemas para realizar a travessia que liga o terminal de São Joaquim, em Salvador, ao de Bom Despacho, na Ilha de Itaparica.

O que, antes, se restringia a ocasiões especiais, como feriados - principalmente prolongados - passou a fazer parte da rotina de quem vai de um ponto a outro diariamente.

Entre os martírios enfrentados por quem transita entre a capital baiana e Itaparica, estão as longas filas para o embarque e os atrasos nas saídas das embarcações. Inclusive, o problema mais recente foi registrado no último fim de semana, mais especificamente no domingo (6), quando a embarcação Rio Paraguaçu deixou de operar para passar por uma manutenção corretiva.

Por causa da ausência do ferry, grandes filas se formaram em ambos os terminais por três dias seguidos, até pelo menos a última terça-feira (8). Segundo a Internacional Travessias Salvador (ITS), concessionária que administra o serviço, o reparo foi realizado e a embarcação passou por testes para ser novamente colocada em utilização. 

Ainda de acordo com a empresa, a suspensão das lanchinhas que fazem a travessia Salvador-Mar Grande também contribuiu para a demora. A justificativa, no entanto, não foi suficiente para que a concessionária deixasse de ser notificada pela Agência Estadual de Regulação de Serviços Públicos de Energia, Transportes e Comunicações da Bahia (Agerba) devido aos atrasos e longas filas.

O agravamento dos problemas no sistema não é tão recente. Só no mês de outubro, a reportagem noticiou ao menos quatro casos de reclamações de passageiros sobre a qualidade do serviço prestado pela Internacional, quase todos eles em dias consecutivos: 7, 8, 9 e 14 do mês passado. Na maioria das situações, a demora é causada pela falta de embarcações.

Já na noite desta quarta-feira (9), foi a vez de passageiros do ferry-boat Maria Bethânia viverem momentos de grande tensão. Uma fumaça densa saiu da embarcação enquanto ela chegava ao terminal de Bom Despacho. O momento foi registrado por pessoas em terra, que também se assustaram, temendo que algo mais grave ocorresse.  

De acordo com a ITS, porém, a fumaça, que tinha origem no problema em um dos motores - e que não compromete o segundo motor - não representava perigo para a embarcação nem para os usuários. 

Fiscalização do serviço

Responsável pela fiscalização periódica do sistema ferry-boat, a Agerba emitiu, entre janeiro de 2014 e setembro deste ano, 1.005 multas - oficialmente denominadas autos de infração - à Internacional Travessias, de acordo com dados obtidos com exclusividade pelo BNews.

Os dados de outubro, porém, ainda não puderam ser contabilizados, segundo a agência reguladora. Em 2021, esse número foi de 408, representando, portanto, 41% do total das infrações registradas em um período de pouco mais de oito anos. 

De acordo com o órgão, em todo o período, foram constatados como razões para as multas o descumprimento de horário de saídas dos ferries, má prestação de serviços/condições das embarcações, cobrança de tarifa superior à autorizada, descumprimento de notificações ou regras da própria Agerba, entre outras.

Conforme a agência reguladora, os processos relacionados a infrações cometidas passam por análise administrativa pela Comissão Superior de Julgamento de Recursos de Infração (CSJRI), responsável por analisar individualmente cada processo, que passa por duas instâncias de julgamento.

Inicialmente, a Internacional Travessias assumiu as operações da travessia Salvador-Itaparica em março de 2013 através de um contrato emergencial. O motivo foi justamente a má prestação de serviço realizada pela TWB, antiga empresa detentora da concessão.

Devido à situação, considerada, à época, insustentável o governo da Bahia decretou, em setembro de 2012, intervenção no sistema, afastando a TWB. Com isso, foram seis meses de operação feita diretamente pela Agerba. O período de atuação emergencial da Internacional Travessias teve fim em março de 2014, quando por meio de edital, a concessionária foi declarada vencedora e assumiu a operação definitiva do ferry-boat.

Melhorias no serviço

O BNews analisou os pontos do edital que embasou o contrato firmado entre o governo do Estado e a Internacional Travessias Salvador. A Concorrência Pública 01/2014 previa que a concessionária que assumisse a operação da travessia deveria realizar, por exemplo, investimentos na reforma dos terminais de São Joaquim e de Bom Despacho, e na realização de docagens, procedimento no qual as embarcações são retiradas do mar e enviadas para um local seco, a fim de receberem manutenção.

Além disso, outro requisito mínimo de investimentos a cargo de quem fosse assumir o ferry-boat era a realização de alterações na frota, "visando ajustes de oferta à demanda de serviço, através de inovações tecnológicas e adequações das especificações técnicas das embarcações, ou por renovação e ampliação da mesma".

Por sua vez, sobre a reforma dos terminais, o edital previa a elaboração de projeto e execução das instalações das edificações, "compreendendo reforma dos sanitários, salões de embarque, instalações elétricas e hidráulicas, pintura geral, recuperação das estruturas e demais serviços necessários, atendendo as normas de acessibilidade aos idosos e portadores de necessidades especiais, orçado em 15 milhões de reais".

No edital, também estava prevista a "implantação, operação e manutenção de sistemas de modernização tecnológica e gerencial da oferta e da demanda do serviço, de bilhetagem e billing online/real time e comunicação com os usuários, compartilhado com a Agerba, com custo mensal estimado em R$85.000,00".

Em 2014, foram adquiridos pelo governo do Estado os ferries Dorival Caymmi e Zumbi dos Palmares, ambos com fabricação na Grécia. As embarcações adquiridas tinham maior capacidade para transportar passageiros (1.400 pedestres e 138 veículos / 174 veículos e 1.700 passageiros, respectivamente) e chegaram com a expectativa de desafogar a grande demanda do sistema, custando R$ 54,9 milhões, de acordo com informações divulgadas à época pela gestão estadual.

Queixas de usuários

A urbanista Juliana Silva, embora não seja passageira frequente do ferry-boat, faz queixas sobre a situação das embarcações e também dos horários de saída dos ferries. Ela, que utiliza o sistema em períodos festivos e em alguns finais de semana para chegar à casa dos pais na localidade de Cacha Pregos, em Itaparica, reclama das condições dos banheiros instalados nas embarcações. 

"São sujos, não são agradáveis de utilizar, não há estabilidade e você fica balançando. Muitas vezes não tem nem papel higiênico. Às vezes, as descargas estão quebradas", conta. Outro problema relatado por ela é a falta de divulgação nas mudanças de horário.

"Não existe divulgação. Recentemente, usuários que estavam acostumados com o horário anterior ficaram aguardando muito mais tempo do que o necessário, se atrasando para seus compromissos porque não houve ampla divulgação. As pessoas não têm a obrigação de acessar o site o tempo todo para saberem disso", opina.

Baiana de Santo Antônio de Jesus, a jornalista Laila Nery hoje mora em São Paulo, mas também enfrentava dificuldades para usar o ferry de Salvador, onde morava, até Mutuípe, onde moram seus pais. "Eu precisava tirar um dia inteiro para fazer essa viagem. Já cheguei a ficar cinco horas na fila", recorda.

Recentemente, no início do mês de agosto, as tarifas do sistema ferry-boat sofreram um reajuste de 8,7%. Com isso, os valores de pedestres aumentaram de R$5,60 para R$ 6,10 e, no caso dos veículos pequenos, de R$50,60 para R$55,00, de segunda a sexta-feira. Já nos finais de semana e feriados, os pedestres e donos de veículos pequenos pagam R$ 8,10 e R$ 77,90, respectivamente.

Outro lado

O BNews procurou a Internacional Travessias Salvador para comentar o número de autuações recebidas desde o início da concessão, bem como os recentes episódios de atrasos e longas filas, as queixas de usuários e também se os requisitos previstos no edital de concessão foram cumpridos desde o início da vigência do contrato. No entanto, a concessionária não respondeu aos questionamentos enviados por e-mail até o fechamento desta reportagem. O espaço segue aberto para que a empresa possa se manifestar. 

Classificação Indicativa: Livre

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