Salvador

Pedra de Xangô: A história do sagrado do Candomblé que virou parque em Salvador; confira

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A Pedra de Xangô foi reinaugurada, nesta quarta-feira (4), pela prefeitura de Salvador  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Google Maps

Publicado em 05/05/2022, às 16h17   Yasmim Barreto


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A prefeitura de Salvador reinaugurou a Pedra de Xangô, localizada no bairro de Cajazeiras XI, após obras de requalificação que transformaram o altar sagrado em ‘Parque Pedra de Xangô’, na manhã de quarta-feira (4), mas a história desse lugar cheio de axé para o povo de Candomblé começou há muito mais tempo.

O dia era 4 de abril de 1990 quando, em meio as matas, a Yalorixá Iara D’Oxum, teve o primeiro contato com a pedra antes mesmo de saber que ela era do rei de Oyó – Xangô. Ao BNews, Mãe Iara – idealizadora da ‘Caminhada da Pedra de Xangô’ - contou que entrava nas matas, onde ficava a pedra, para realizar procedimentos em seu filho recém-nascido, que tinha sofrido um derrame facial e possuía feridas pelo corpo.

“Eu me espantei, porque só tinha ela ao redor das águas, não tinham outras pedras. Fiz o ebó em Anderson, aí Anderson ficou grudado e cheio de arroz, aí eu botei o meu filho no lago, dei banho, tirei o arroz, peguei meu pano da costa, limpei meu filho e voltei para casa. Meu filho ficou bom, a ferida do corpo do meu filho fechou, eu não sei se foi o ebó ou se foi a água, eu sei que meu filho ficou bom”, disse emocionada.

Passaram alguns anos e a Yalorixá continuou utilizando do lugar sagrado para realizar seus ritos. “A Pedra é um lugar sagrado, não só pra mim, mas para a maioria dos terreiros de Cajazeiras, que buscavam as folhas ali, nossos fundamentos e com a mata fechada dava segurança por não ter muita circulação de pessoas”, ressaltou Iara.

Contudo, em 2004, a realização da Av. Assis Valente, de acordo com Mãe Iara, iria desmatar a natureza que envolvia a Pedra de Xangô. Para ela, o sentimento que ficou foi de perda de um espaço sagrado.

Após 5 anos, outra Mãe de Santo, conhecida como Zil, chamou a Mãe Iara para dar um recado: o chamado de Xangô. Conforme os relatos da Yalorixá D’Oxum, Mãe Zil disse que o desejo de Xangô era que ela gritasse o nome dele. Apesar de não entender no momento, sabia que, diante de sua fé, a resposta viria.

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Pouco tempo depois, a Yalorixá sonhou com a Pedra, na qual sempre se referiu como altar, e descobriu em um jogo de búzios que Xangô precisava dela para que a população reconhecesse o local como ‘Pedra de Xangô’.

“Ali era o altar pedra de Xangô. Quem respondia naquele altar era Xangô e que eu tinha que gritar o nome dele. Aí comecei, fui no jogo, voltei em Periperi, perguntei a meu pai se era isso que ele queria e ele confirmou. Aí chamei os terreiros de Cajazeiras, aqui nessa garagem começamos a nos organizar. De pouquinho em pouquinho, a gente começa a caminhada”, contou.

Portanto, a partir daí nasceu a ‘Caminhada de Xangô’, inicialmente com 30 pessoas e, atualmente, reúne um verdadeiro tapete branco de axé ao redor do lugar sagrado.

O Parque Pedra de Xangô

À reportagem, Mãe Iara D’Oxum afirmou que a sensação é como se passasse um filme, com muitas memórias e lutas durante essa trajetória para que a Pedra fosse tombada. E, hoje, ver que se tornou o ‘Parque Pedra de Xangô”, para ela, é definido como: “missão dada, é missão cumprida”.

“O início de tudo mãe é o sagrado. O sagrado fala. O sagrado diz você é escolhida pra isso, pra abrir um terreiro, pra gritar, em qualquer situação que seja. Então quando Xangô me chama que eu pergunto a Exu que é o único mensageiro nosso e que ele confirma eu me joguei na fé mas eu não tinha noção de nada disso eu fui pela minha fé meu amor meu respeito eu fui obedecer o chamado que os meninos cantam ‘’eu vim atender um chamado que a mãe natureza me mandou. Eu vim atender o chamado que a mãe natureza me mandou. Eu vou, eu vou pra Pedra de Xangô. Foi a mãe Oxum quem mandou pra pedra de Xangô, foi mãe Iemanjá que mandou pra pedra de Xangô’’’.

Todavia, apesar da felicidade, ela não esconde o sentimento de injustiça que ficou após, segundo a Yalorixá, ter sido excluída do processo da requalificação do local. Conforme seus relatos, a prefeitura de Salvador iniciou a obra sem conversar com as comunidades de axé, desta forma, transtornos ocorreram durante o período da requalificação.

Para o BNews, a Mãe de Santo desabafou: “essa é minha dor humana. Mas tudo aquilo que é do negro é excluído. Sou uma mulher negra. Sou da periferia. Sou mãe de santo, homossexual todos esses preconceitos me excluem de tudo”, disse.

Por isso, no dia da reinauguração do local, a Yalorixá preferiu não comparecer. “Como que você pare um filho e é apenas convidada para comparecer no batizado? Não tem como isso”, concluiu.

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