Saúde

Ano novo, reajuste velho: Consumidores sofrem com aumento dos planos de saúde em 2021; veja regras

Agência Brasil
Em razão da suspensão do reajuste no ano passado, os valores sofreram alta retroativa em janeiro e ainda podem aumentar mais ao longo do ano  |   Bnews - Divulgação Agência Brasil

Publicado em 08/01/2021, às 11h37   Yasmin Garrido


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Adeus, ano velho e bem-vindo, a (ops)...reajuste velho. Os beneficiários das operadoras de plano de saúde brasileiras levaram um susto na primeira semana de 2021, ao receberem os boletos para pagamento do seguro. O motivo foi o reajuste alto, que, apesar de esperado, acabou sendo superior aos valores convencionais.

Com o início do ano, algumas medidas emergenciais que foram tomadas para amenizar os efeitos da Covid-19 na economia começaram a cobrar a conta. Uma delas, o plano de saúde, teve os valores reajustados com base ainda em 2019, num cálculo difícil de o bolso acompanhar.

Os planos individuais e coletivos com até 29 beneficiários, com contratos já regidos pela Lei 9.656/98, tiveram alta, a partir de 1º de janeiro, até 8,14% referente ao período de suspensão do reajuste, que teve início em setembro de 2020. O percentual do aumento foi determinado pela Agência Nacional de Saúde (ANS).

Então, a cobrança a maior feita em janeiro de 2021 é referente à suspensão do reajuste anual e por faixa etária entre os meses de setembro e dezembro de 2020, com a diluição dos retroativos em 12 parcelas fixas e sucessivas.

No entanto, aqueles contratos anteriores ou não adaptados à Lei 9.656/98, bem como os planos coletivos empresariais acima de 30 vidas, têm reajustes calculados com base na livre negociação entre operadoras e contratantes. Aí é que está o grande problema (e o susto) para os beneficiários, que foram surpreendidos com aumentos que ultrapassaram os 30%.

Foi o que aconteceu com Ana Tourinho, que era beneficiária do Central Nacional Unimed (CNU), pagando mensalidade no valor de R$ 650. “Quando soube do reajuste, decidi trocar de plano. Ia ficar puxado, já que os reajustes não acompanham a realidade do brasileiro”, disse.

Dito e feito. Quando recebeu o boleto já com o reajuste, a parcela mensal havia saltado para R$ 870, um aumento de 33,8% em relação ao valor praticado em 2020. Mesmo após sete anos de contrato, Ana decidiu cancelar o CNU e migrar para outra operadora, muito em razão desta ter pactuado que não fará nenhum reajuste ao longo de 2021.

Regras
O advogado João Freitas, pós-graduado em Direito do Estado e Previdenciário, e que atua com Direito do Consumidor, explicou ao BNews que, antes de 1998, quando foi criada a Lei 9.656, as operadoras de plano de saúde elaboravam o contrato, sendo que as regras para a cobertura dos planos, tanto individuais quanto coletivos, eram previstas exclusivamente neste contrato.

“Com o advento da norma, que passou a regular os contratos firmados a partir de 1999, individuais e coletivos até 29 vidas, os reajustes passaram a ser impostos pela ANS, não mais pelas empresas”, disse.

De acordo com ele, o reajuste praticado em janeiro de 2021 é referente aos valores que deveriam ter sido acrescidos aos contratos ainda no ano passado e que, por uma medida da ANS, foram suspensos, sendo feita a cobrança retroativa. 

“Os planos de saúde podem sofrer três tipos de reajuste: anual, por faixa etária e por sinistralidade. O primeiro se refere ao reajuste com base em índices mercadológicos. Já o segundo, como o próprio nome sugere, é a mudança de valor a partir de determinada idade; e na sinistralidade o cálculo é feito em relação à utilização do plano de saúde com base no ano anterior”, ressaltou.

Para ele, o que está acontecendo agora em janeiro é a cobrança retroativa dos valores suspensos em 2020. “O reajuste que não foi cobrado entre setembro e dezembro de 2020 é cobrado agora como uma recomposição. Mas, o consumidor pode ter de arcar com outros reajustes, além desse do ano passado, que é por sinistralidade”, contou.

Segundo o especialista em Direito do Consumidor, o susto ainda pode ser maior, uma vez que, além da recomposição, os boletos também podem trazer aumento nos valores em razão da mudança de faixa etária. Além disso, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) deve publicar em maio as regras para a nova correção dos planos, ou seja, alguns usuários terão de arcar com dois reajustes em um mesmo ano.

Coletivos e anteriores à Lei de 98
Apesar de todas as regras relativas ao reajuste (ou reajustes) proposto para ser aplicado em 2021, seguindo as determinações da Agência Nacional de Saúde, os planos individuais celebrados antes da vigência da Lei 9.656/89 e os coletivos acima de 29 vidas devem obedecer ao que foi pactuado entre as partes. Ou seja, vale o que está no contrato.

Os individuais anteriores à lei e os coletivos com cobertura acima de 29 vidas, por adesão ou empresarial, sofrem reajustes ilimitados, sem prévia autorização da entidade. Além do aumento financeiro e por mudança de faixa etária, a operadora repassa a sinistralidade do grupo quando a despesa anual ultrapassa determinado ponto de equilíbrio da receita. Desta forma, o cálculo para apuração desse reajuste é uma incógnita, uma vez que não possui critério, tampouco parâmetro definido pelas operadoras.

Já nos casos dos planos individuais celebrados antes da vigência da norma, mas sem expressa determinação dos reajustes nos contratos ou nos casos em que as cláusulas são omissas, o índice aplicado é limitado ao determinado pela ANS, não podendo ser superior ao percentual máximo autorizado aos planos de saúde individuais/familiares novos ou adaptados, que, em janeiro de 2021, é de 8,14%.

Desta forma, para o advogado João Freitas, em caso de o consumidor considerar o aumento abusivo ou muito superior ao determinado pela ANS, sendo ele beneficiário de plano de saúde anterior à vigência da Lei 9.656/98, é aconselhável que se busque a ajuda da Justiça para resolver os conflitos com as operadoras.

E é exatamente isso o que Sérgio Portugal, 61 anos, vai fazer a partir desta segunda-feira (11), quando pretende entrar com uma liminar para buscar da Sul América uma explicação para o aumento de 35% sofrido em seu contrato em janeiro de 2021, principalmente no valor que corresponde à cobertura dele, já que os três filhos são dependentes do contrato.

“Eles impuseram a suspensão do reajuste em 2020 a partir de setembro. Eu preferiria ter pagado desde o ano passado com o aumento, porque agora eles aplicaram alta ao contrato e sequer especificaram o que significa cada valor cobrado a mais”, disse. Ainda segundo Sérgio, por não estar especificado, ele acredita que tenham reajustado o contrato dele também por mudança de faixa etária, já que completou 61 anos após a suspensão da cobrança.

“Já pagava muito caro pelo plano de saúde e agora aumentou ainda mais. Eu, como idoso, não poderia sofrer reajuste em meu valor. O aumento por mudança de idade é proibido pelo Estatuto do Idoso, então, como eles não cobraram ano passado, quiseram fazer isso agora. Não pode”, relatou.

O advogado João Freitas explicou que, com o Estatuto do Idoso, o reajuste de pessoas a partir de 60 anos ou mais está proibido. “Os planos começaram a perceber que, com o impedimento do reajuste após os 60 anos, os aumentos passariam a ser aplicados com 58 ou 59 anos, o que gerou uma alta de demanda para o Judiciário”, afirmou.

Essa discussão já está no Supremo Tribunal Federal (STF), uma vez que o Estatuto do Idoso e a consequente proibição do reajuste é posterior à vigência da Lei 9.656/98. “É possível que, a depender do caso concreto e até do tipo de contrato firmado com a operadora, o consumidor consiga a aplicação do Estatuto em detrimento às regras de reajuste por mudança de faixa etária”, disse João.

Para a ministra Rosa Weber, do STF, uma vez em vigor o Estatuto do Idoso no momento do implemento da idade, "que, ressalto, transforma quem era apenas consumidor em consumidor-idoso e, como tal, merecedor de especial proteção", não se pode cogitar do óbice invocado à sua aplicação.

O processo, que teve último julgamento em junho de 2020, ainda não tem data para uma solução definitiva no STF, uma vez que a discussão do tema na sessão de 11 de dezembro do ano passado não aconteceu.

João Freitas ressaltou, no entanto, que o Judiciário tem pendido para a defesa do Estatuto do Idoso, mas, a depender do caso concreto e do reajuste anual estipulado pela ANS, é possível que o contrato firmado entre operadora e consumidor-idoso possa sofrer reajuste decidido pela Justiça. “É importante dizer que isso varia muito de cada caso”, afirmou. E o advogado também alertou que os reajustes pretendidos para 2022 e 2023 podem ser maiores do que os aplicados em janeiro deste ano.

“Isso acontece porque muita gente deixou de fazer exames em 2020, em razão da pandemia, e vai correr atrás do tempo perdido neste ano. Muitas cirurgias, muitos exames, muitos procedimentos que não aconteceram no ano passado vão ser realizados agora. Aí deve acontecer um reajuste por sinistralidade maior para os planos anteriores à lei 9.656/98, que será sentido, pelo menos, nos próximos dois anos.

Por fim, o especialista em Direito do Consumidor defendeu que os reajustes de planos anteriores e não adaptados à lei de 1998 devem seguir um critério de razoabilidade e, inclusive, serem inferiores ao valor estipulado como máximo percentual pela ANS. “Em 2020, os procedimentos padrões não foram realizados, por isso se espera razoabilidade das empresas na hora de aplicar os reajustes cobrados neste ano”, concluiu.

Cenário futuro
Como alertado pelo advogado João Freitas, muitos procedimentos de saúde ficaram pendentes em 2020, o que leva a crer que o reajuste por sinistralidade aplicado em 2021 seja menor ou até negativo. É o que espera o Ministério da Economia, que emitiu recomendação à ANS sobre essa probabilidade.

O advogado ainda frisou ser essencial o acompanhamento pelos órgãos responsáveis pelo setor, o Procon, uma vez que o ônus não pode recair apenas sobre o consumidor, que vem encarando dificuldades para arcar com os custos elevados dos serviços médicos, na medida em que iniciou o ano de 2021 com a dívida de 2020, acrescido de novos aumentos aleatórios e obscuros.

Diante disso, o poder judiciário tem papel importante para suprir as lacunas da agência reguladora e se mostra eficaz para coibir práticas abusivas das operadoras ao determinar a revisão e limitação dos aumentos injustificados nos índices dos contratos de planos de saúde.

Entenda a suspensão
Em agosto de 2020, a Agência Nacional de Saúde Suplementar (ANS) decidiu suspender os reajustes dos planos de saúde entre os meses de setembro e dezembro, devido à crise econômica causada pela pandemia da Covid-19.

Para os planos individuais ou familiares, não houve, neste período, aumento por reajuste anual e nem a aplicação de variação de preço por mudança de faixa etária, ficando convencionado que os valores retroativos começariam a ser cobrados a partir de janeiro de 2021, divididos em 12 parcelas.

No entanto, como explicado por João Freitas, a medida de suspensão não incluiu os planos contratados antes da lei dos planos de saúde ou não adaptados a ela, planos exclusivamente odontológicos e contratos coletivos empresariais com 30 ou mais vidas. Nestes casos, se o aumento for considerado abusivo e o diálogo com a operadora não surtir efeito, uma alternativa é buscar o Judiciário.

Classificação Indicativa: Livre

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