Saúde

Membros da comunidade LGBTQIA+ relatam desgaste emocional durante pandemia

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Depoimentos mostram que boa parte da comunidade sofre com preconceito dentro de casa, o que ocasiona diversos problemas mentais  |   Bnews - Divulgação Fotos Publicas

Publicado em 29/06/2021, às 13h38   Brenda Viana


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Ser LGBTQIA + no país que mais mata pessoas da comunidade por conta da homofobia é difícil e perigoso, ainda mais durante a pandemia. Quando não há morte, um outro fator pode ser prejudicial, como a saúde mental da população. Mesmo após 52 anos da Rebelião de Stonewall Inn, em Nova York, Estados Unidos, onde deu origem ao Dia do Orgulho LGBTQIA+, ainda há muito o que lutar.

Desde o seu início da pandemia do coronavírus, em março de 2020, muitas pessoas do movimento sofrem com o desgaste emocional, enfrentando barreiras entre o preconceito dentro de casa até a falta de emprego nestes tempos ainda mais difíceis. Um estudo realizado entre o coletivo #VoteLGBT e a Box1824 mostra que 55% das pessoas que foram consultadas durante a pesquisa sofreram e tiveram uma piora significativa na saúde mental, desde ansiedade até quadros severos de depressão.

Esse é o caso de Gabriel Nunes* de 29 anos. Ele precisou procurar ajuda profissional por causa da homofobia que sofre dentro da própria casa. Apesar de estar desempregado, conseguiu atendimento através de uma amiga que não está cobrando para cuidar de sua saúde mental.

Ao BNews, ele contou que teve de voltar para a casa dos pais no início da crise sanitária após ser demitido do emprego, onde estava há cinco anos. Nesse meio tempo, adquiriu ansiedade e um quadro de depressão, porque, segundo ele, a família segue sem aceitar sua orientação, sem falar da pressão por ter um emprego novamente.

“Resolvi morar sozinho com 20 anos justamente por conta da homofobia que sofria com meus pais. Vivi feliz e independente até o início da pandemia, quando fui demitido da loja onde trabalhava por causa do corte de gastos, aí não pude mais pagar o aluguel e voltei para a casa dos meus pais, um sofrimento que dura até hoje”, comenta. “Por conta do meu namoro e por eu ser gay, meus pais tentam me levar para a igreja e isso me deixa péssimo. Falaram que eu sou um erro, uma abominação, que irei para o inferno e nunca vou ser feliz. Uma colega viu que eu não estava bem e aceitou cuidar da minha saúde mental de graça, pelo menos até eu arranjar um emprego de novo. Fui diagnosticado com transtorno de ansiedade e início de depressão”, relata.

Já Ananda Paz sentiu que a pandemia evidenciou ainda mais o preconceito da sua mãe em relação ao seu relacionamento com a namorada. Aos 23 anos, a futura enfermeira ainda luta para ter respeito da mãe e afirma ter apoio apenas do pai, que compreende sua orientação sexual.

“Já fiquei uma semana fora de casa só falando com o meu pai, que me apoia. Quando começou a segunda onda, tanto eu, quanto minha namorada, vimos a necessidade de ficar mais em casa, então minha mãe fazia drama quando me via saindo para a casa dela”, comenta ao BNews. Devido aos contratempos com sua mãe, Ananda relata que teve alguns problemas de saúde mental. “Eu ficava angustiada, não queria sair da cama, zero vontade de fazer nada. Tive algumas crises de ansiedade quando pensava em comunicar a ela que eu ia sair”, diz.

Indo pelo mesmo caminho, a jornalista Caroline Sales, de 25 anos, também tem problemas com a mãe devido a sua sexualidade. Assumida desde os 16 anos, a jovem explica que a convivência com a mãe piorou durante a pandemia, principalmente em razão da falta de trabalho no início da crise no país. “Quando comecei a namorar agora na pandemia tudo piorou, ela não aceita que eu vá ver minha namorada e já ameaçou se livrar dos meus bichinhos de estimação enquanto estava fora. Além das ameaças de me colocar para fora, de retirar pertences pessoais ou financeiros, essas coisas foram me deixando ansiosa e paranoica, como se a qualquer momento ela fosse aprontar comigo”, desabafa.

E, por conta desses problemas pessoais, a jornalista relatou que precisou arranjar um emprego rapidamente para sair de casa e evitar mais desgaste emocional, com a depressão que tem, mesmo sendo acompanhada por uma profissional da área de saúde mental. “Tive que arrumar um emprego às pressas para tentar juntar dinheiro e sair de casa. Minha sorte é que faço terapia e isso está me ajudando muito a conduzir a situação. A pandemia realmente potencializa essas coisas, mas no meu caso que já havia buscado suporte anos atrás e já usava antidepressivo, estou mais estável”.

O estudo mostrou que 6 em cada 10 pessoas do movimento LGBTQIA+ ficaram sem renda na pandemia e isso aumentou as crises psicológicas. Cerca de 41,5% da população dessa comunidade teve o conhecido ‘insegurança alimentar’, que é a falta de acesso regular de alimentos. De acordo com a Organização Mundial da Saúde (OMS) a depressão consegue afetar mais de 300 milhões de pessoas no mundo.

A Sanar medicina aponta que a porcentagem das doenças psíquicas na população LGBTQIA+ é alta. Conforme a pesquisa, 35% das mulheres cis bissexuais e 30% homens cis bissexuais sofrem com o problema. Já os homens cis gays têm 2,4x mais chances de ter a doença que homens cis heterossexuais e as mulheres cis lésbicas têm 1,4x mais probabilidade de ter problemas psíquicas que mulheres cis heterossexuais.

A ansiedade é um transtorno psicológico que já parte do dia a dia de grande parte das pessoas LGBTQIA+. Medos e receios seguem tomando conta da saúde mental da população. Esse também é o caso de Rogério Miguel, de 18 anos, que conseguiu contornar as dificuldades se montando de Lizza Liz, sua personagem Drag Queen, onde expressa através dela suas vontades e desejos. “Ela [mãe] ainda tem bastante preconceito em relação a minha orientação sexual. É sempre difícil conseguir me expressar aqui em casa e com a situação da pandemia em que eu não posso sair ou ir para outro lugar para espairecer. A minha ansiedade se tornou um problema maior ainda, o que faz eu me sentir melhor é me montar, compor músicas, dançar”, revela ao BNews.

Ele explica que a mãe ainda tem dificuldade em entender a diferença entre transexual e Drag Queen. “Essa parte foi um pouquinho difícil porque ela achava que eu queria me transicionar e eu tinha que explicar que ser drag não é ser trans, Drag é arte, mas isso tudo é devido ao preconceito e tudo mais que as meninas trans sofrem nas ruas diariamente”.

A pandemia ainda trouxe problemas de ansiedade para quem perdeu um familiar durante o isolamento social. Edgar Paiva, 23, está se formando em jornalismo e, durante o processo do TCC, recebeu a notícia do falecimento do seu avô, que foi o primeiro familiar a aceitar sua sexualidade, o que afetou psicologicamente durante a caminhada para o término do trabalho. “Eu perdi meu avô (não foi de Covid) e eu vi minha vida virar de cabeça pra baixo, pois eu fui criado pelos meus avós e eles me ensinaram tudo que eu sei sobre a vida, amor, aceitação e respeito. Precisei me adaptar a viver sem a presença da minha maior referência de homem da vida, e dar suporte a minha avó”, conta.

Além de perder o avô, ele ainda revela que teve que se despedir da tia, o que ocasionou em uma crise de ansiedade pesada, além de várias outras crises que apareciam durante o dia. “Precisei tomar remédio e fazer terapia (faço até hoje), para aprender a lidar com os meus sentimentos. Eu senti o peso do mundo nas costas, pensei em desistir de tudo, achei que não daria conta e somatizou tudo na mente e no corpo, que resultou na ansiedade e nos efeitos que ela me causou fisicamente. Mas eu encontrei forças na terapia e na fé, além de mentalizar que o maior sonho de meu avô era me ver formado”.

O que diz a psicologia

A psicóloga Doraci Amorim explica ao BNews que durante o período da pandemia, a comunidade LGBTQIA+ sofreu uma exclusão histórica que, mesmo sendo forte antes da Covid-19, agora se intensificou ainda mais, principalmente para a saúde mental. “A saúde mental já era um problema para essa população com grandes índices de depressão consequência de desemprego e falta de políticas públicas que os acolham. Percebemos o quanto que a comunidade LGBTQIA+ sofre com a inclusão no mercado de trabalho por conta ainda do preconceito. Com isso, a falta de oportunidade leva muitas vezes para o mercado da prostituição como fonte de renda”, explica.

Além disso, a profissional reitera que nesses tempos, o acolhimento da família é necessário, principalmente por conta da falta de fonte de renda. “A família é o nosso núcleo social que mais traz impactos na nossa saúde mental e para uma comunidade LGBTQIA+ que sofre com preconceitos, o convívio maior nesse momento de pandemia pode desencadear sofrimentos antes não experienciadas. Daí a importância de um acompanhamento psicológico para que a comunidade consiga lidar com essas questões familiares de forma mais saudável”.

Sendo um dos países que mais mata LGBTQIA+, Doraci reforça que a comunidade já sofre com tantos outros problemas, que o psicológico acaba sendo prejudicado com um tempo, principalmente por conta da cobrança social. “A comunidade LGBT sofre violências de diversas formas e isso faz com que se afastem de quem realmente são, com diferentes formas de existir para além da heteronormatividade, tendo que negar o seu desejo em prol de uma cobrança social. E, negar nosso desejo, é adoecedor”.

Classificação Indicativa: Livre

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