Saúde

Especialistas apontam que queda do rol taxativo não prejudicou planos de saúde; entenda

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Queda do rol taxativo não fez aumentar a judicialização contra as operadoras de planos de saúde, aponta pesquisa  |   Bnews - Divulgação Divulgação
Rafael Albuquerque

por Rafael Albuquerque

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Publicado em 29/02/2024, às 11h30 - Atualizado às 15h53


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Com a publicação da Lei 14.454 no Diário Oficial da União em setembro de 2022, perdeu a validade o chamado “rol taxativo” para a cobertura de planos de saúde. Desta forma, as operadoras de assistência à saúde passaram a ter obrigação de oferecer cobertura de exames ou tratamentos que não estão incluídos no rol de procedimentos e eventos em saúde suplementar. Ou seja, deixou de existir um rol taxativo para existir um rol exemplificativo.

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Desde então, defendendo tão-somente os interesses próprios, as operadoras reclamam que a nova lei faria aumentar o número de judicializações contra os de planos. Entretanto, um relatório divulgado recentemente pelo Instituto Brasileiro de Defesa do Consumidor (Idec), associação de consumidores sem fins lucrativos, independente de empresas e governo, mostra que não há como comprovar que o tímido aumento nas judicializações tenha a ver com a queda do rol taxativo, ou seja, a nova lei não prejudicou os planos de saúde.

Segundo o relatório, a judicialização da saúde suplementar é “um objeto multicausal, com diversas nuances, e em relação ao qual podem ser constatados resultados muito variados, a depender da abordagem e dos métodos de estudo utilizados”.

Ainda segundo o Instituto, apesar de demonstrarem um aumento total no volume de judicialização, os estudos não permitem identificar impactos específicos da Lei nº 14.454/2022 sobre esta tendência. “O aumento no número de ações propostas parece acompanhar o período pandêmico, cujo fim foi marcado por uma simultânea queda no número de ações propostas, que, ao longo de 2022, chegaram a níveis próximos daqueles registrados em 2019”, sugere o relatório.

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Marina Magalhães - pesquisadora do programa de saúde do Idec

A pesquisadora do programa de saúde do Idec, Marina Magalhães, concedeu entrevista ao BNews e explicou alguns pontos importantes que constam no relatório: “O relatório traz alguns resultados inéditos muito interessantes sobre o volume e o perfil da judicialização contra planos, mas o principal deles é a possibilidade de observar a variação do número de ações ao longo do tempo. Desde o início de 2019, verificamos que a judicialização contra planos vinha numa tendência crescente, e isso foi muito acentuado no período da pandemia. A partir de 2020, vemos uma intensificação muito grande do ritmo de crescimento de ações, que apenas começam a cair no segundo semestre de 2022, após encerrada a emergência sanitária”.

Segundo a pesquisadora, foi justamente neste momento em que o Superior Tribunal de Justiça (STJ) deu sua polêmica decisão dizendo que o rol era taxativo, e, pouco depois, que a Lei nº 14.454 foi publicada, revertendo este entendimento. “Em 2023, a judicialização volta a crescer, mas em um ritmo muito menor, atingindo os patamares pré-pandêmicos. Significa que, nem a decisão do STJ, nem a Lei podem ser associadas a qualquer variação significativa nos níveis de judicialização”, complementou.

Questionada de que forma o fim do rol taxativo influenciou na vida dos segurados, a pesquisadora respondeu: “Os nossos resultados parecem indicar que a Lei não foi capaz de alterar, de um lado, o panorama de negativas indevidas de cobertura e, de outro, a necessidade de pacientes de entrar na justiça para reverter essas negativas. Nossa hipótese é de que, na prática, as empresas continuam tratando o rol como se fosse taxativo, apesar de a Lei dizer expressamente que não é. Por isso, não podemos sequer dizer que o rol taxativo tenha sido realmente abolido, o que, além de ilegal, é muito ruim para os consumidores”.

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Caroline Alcântara - especialista em Direito Médico e da Saúde

A advogada Caroline Alcântara, especialista em Direito Médico e da Saúde, também confirmou ao BNews a tese de que o fim do rol taxativo não trouxe prejuízos consideráveis às operadoras de planos de saúde: “A prática nos mostra que a entrada em vigor da Lei nº 14.454/202, também conhecida como Lei do Rol, não aumentou o número de ações ajuizadas na área de Direito à Saúde, logo não gerou qualquer impacto que pudesse prejudicar as operadoras diretamente. Isto porque as demandas que versam sobre o tema nunca deixaram de ser judicializadas em razão do Rol Taxativo, afinal a Constituição Federal reconhece a saúde como direito fundamental, o que não poderia deixar de ser considerado pelo judiciário na apreciação de cada processo. Não houve, portanto, qualquer prejuízo às operadoras dos planos de saúde em decorrência do fim do rol”.

A advogada explicou de que forma o sistema passou a funcionar com a queda do rolo taxativo: “Merece destaque, dentre as disposições que a Lei do Rol trouxe, a obrigação para as operadoras de plano de saúde de cobertura de tratamentos que tenham indicação médica e eficácia comprovada, ainda que não apontados no rol da ANS. Embora a Constituição Federal reconheça a saúde como direito fundamental, até então muitos beneficiários precisavam recorrer à justiça para garantir o Direito à Saúde diante das negativas de atendimento. Com o advento do rol exemplificativo, o consumidor passou a se beneficiar de uma lista aberta, que se apresenta como base para tratamentos ofertados, de modo que a cobertura atualmente abarca, inclusive, casos parecidos que podem não estar ali apontados”.

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Nélia Almeida - advogada e coordenadora do coletivo de pessoas
com obesidade do Estado da Bahia

Nélia Almeida, advogada e coordenadora do coletivo de pessoas com obesidade do Estado da Bahia, também se manifestou sobre o assunto: “O relatório apenas revelou o que a sociedade civil organizada já havia argumentado assim que as operadoras de planos de saúde propuseram a ADI 7265 contra a Lei 14.454/2022, que a chamada Lei do Extrarrol beneficiaria tanto os consumidores como os planos de saúde, pois trazia segurança jurídica para ambos”.

Nélia relatou à reportagem que “não houve aumento da judicialização, que se manteve nos mesmos patamares, justamente porque a Lei do Extrarrol inovou ao permitir a cobertura de tratamento não previsto no rol condicionada à comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico, o que antes não era previsto legalmente”.

Questionada sobre os benefícios da nova lei, a advogada explicou: “tecnicamente, pela Lei do Extrarrol, o que se tem é que a taxatividade é a regra e a cobertura de tratamento ou procedimento prescrito por médico fora do rol da ANS é a exceção, a qual apenas será autorizada pela operadora desde que: exista comprovação da eficácia, à luz das ciências da saúde, baseada em evidências científicas e plano terapêutico; ou existam recomendações pela Comissão Nacional de Incorporação de Tecnologias no Sistema Único de Saúde (Conitec), ou exista recomendação de, no mínimo, um órgão de avaliação de tecnologias em saúde que tenha renome internacional, desde que sejam aprovadas também para seus nacionais. É por causa da exigência do cumprimento desses requisitos que se entende que a Lei do Extrarrol foi boa para os planos de saúde e também para os segurados, pois há a possibilidade deles terem cobertura fora do que está previsto no rol da ANS”.

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