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O aumento das desigualdades pela pandemia e o Novo Fundeb

Imagem O aumento das desigualdades pela pandemia e o Novo Fundeb
Bnews - Divulgação

Publicado em 07/12/2020, às 08h56   Penildon Silva Filho



No ano de 2020 e provavelmente em 2021 o Brasil está assistindo a um crime contra a maioria de nossas crianças, jovens e adultos que estudam na Educação Pública Básica. No Brasil 80% dos nossos alunos estão no setor público, de responsabilidade dos municípios (creches, Educação Infantil, Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos) e dos Estados (Ensino Médio, complemento o Ensino Fundamental e Educação de Jovens e Adultos). Na Educação Superior, devido a uma construção histórica de várias décadas, temos 75% dos alunos nas instituições privadas, invertendo a realidade da Educação Básica. 

Estamos naturalizando o fato de que uma minoria que tem mais condições financeiras e econômicas já se descola dos 80% da população que está com os estudos parados nessa fase. Essa minoria estuda em escolas privadas de mensalidades inacessíveis à ampla maioria da população e tem apoio familiar e infraestrutura que lhes permite estudar em momentos de pandemia. A pandemia é apresentada como motivo desse aumento brutal nas desigualdades educacional e social, mas foi uma política de Estado, incluindo as políticas educacionais, a responsável pelo aumento do fosso entre famílias mais ricas e a imensa maioria da população antes e durante a pandemia.

Apenas 20% da população tem acesso a Escolas particulares, ensino on line feito com alta tecnologia, apoio em casa com cuidadores ou orientadores e toda a uma estrutura familiar e nas habitações que lhes permitem estudar nesse momento adverso. Essa minoria se preparou melhor para o vestibular/ ENEM-SISU ou talvez tenha sido a única a se preparar, diferentemente dos outros 80% que não tiveram essa oportunidade. Não houve uma liderança do governo federal para garantir acesso à internet a todos os alunos da Educação Básica, ou um programa de formação de professores para trabalhar com educação a distância e novas tecnologias educacionais, nem tampouco maior aporte financeiro para adaptar os espaços escolares a essa nova situação. Mesmo estados que tentaram fazer o ensino on line com a Escola Pública não tiveram êxito, pois a maior parte dos alunos não teve acesso, e não basta somente ter acesso a internet, o ensino tem que ser de outra natureza, tem que haver espaços nas moradias para permitir os estudos, deve haver condições econômicas em momento de disparada do desemprego e aumento da miséria para garantir que essas crianças e jovens continuem estudando.

Essa “despreocupação” do governo atual na verdade não é uma desatenção, nem mesmo uma incompetência dos gestores públicos; na verdade, como bem salientou Darcy Ribeiro, trata-se de um PROJETO deliberado de destruição da nação brasileira, de destruição da cidadania e da possibilidade de formação de pessoas livres e preparadas para atuar na Sociedade, um projeto para manter o país com uma estrutura social desigual herdada e mentida da escravidão. 

As conquistas que o Brasil conseguiu a partir da Constituição de 1988 e da promulgação da nova Lei de Diretrizes e Bases da Educação Nacional no campo da Educação se intensificaram sobremaneira e especialmente com a criação do Fundo Nacional de Manutenção da Educação Básica e Valorização do Magistério (FUNDEB); do Piso Salarial Nacional dos profissionais da Educação que provocaram um aumentou inédito nas remunerações dos docentes; com o Programa de Reestruturação das Universidades Federais (REUNI que criou 18 novas instituições e mais do que duplicou o número de alunos; com a instituição das cotas sociais e raciais; e um aumento regular no orçamento da Educação em todos os níveis entre 2003 e 2015. O orçamento do MEC e da Educação saltou do correspondente a 3,5% do PIB para 6,5 % do PIB. O corolário dessas conquistas foi a promulgação em julho de 2014 do Plano Nacional de Educação (PNE), que estabelecia o aumento do financiamento para o correspondente a 10% do PIB para Educação, além de prever a duplicação do número de vagas na Educação Superior e nas Universidades públicas também além de atender 80% das crianças de 4 e 5 anos na Educação Infantil e de 50% das crianças em creches no mínimo.

Essa trajetória exitosa foi interrompida em 2016 com a deposição ilegal da presidente Dilma e uma série de medidas antinacionais e antipopulares do então presidente Michel Temer. Uma delas foi a extinção do Regime de Partilha, que garantia o controle da exploração do Petróleo pela Petrobras e a destinação dos recursos dos seus royalties para a Educação, permitindo o cumprimento das metas do PNE. Outro atentado e crime de “lesa pátria” foi a aprovação da emenda constitucional 95 em dezembro de 2016, que congelou os investimentos públicos por 20 anos, coisa inédita em todo o mundo. Nenhum país, por mais neoliberal e contrário ao desenvolvimentismo, teve a coragem de fazer o que o Brasil fez, o que provoca a diminuição percentual dos recursos no orçamento destinados à Educação, à Saúde Previdência, à Segurança à Assistência Social, ao investimento na infraestrutura.

Essas medidas, mantidas e intensificadas pelo governo seguinte de Bolsonaro, que não significou qualquer ruptura com a política econômica e social de Temer, aprofundaram as desigualdades sociais e educacionais na população brasileira, isso já era uma realidade antes da pandemia começar em março de 2020. A pandemia profundou essas desigualdades ao retirar 80% das crianças e jovens da Escola Pública e impedi-las de ter acesso ao conhecimento, ao privá-los da aprendizagem. Enquanto as condições sociais dessas famílias não favoreciam o estudo em casa; e os filhos da classe média alta e classe alta continuaram a ter uma formação com diversos recursos. Os resultados do ENEM devem indicar que enquanto poucos continuaram com uma estrutura social e escolar e tecnológica que lhes preparou para as provas, a imensa maioria do povo não teve praticamente aulas em 2020. Mas isso não precisava nem precisa ser assim.

Todo o tratamento da pandemia poderia ter sido diferente, mas científico e eficaz em vez da política deliberada de sabotagem da Saúde e de atentado à vida das pessoas. O exemplo da China, onde começou a pandemia, mas que hoje apresenta a marca de apenas 5 mil mortos, serve para demonstrar que é possível sim vencer a pandemia e salvar as pessoas, enquanto o Brasil rapidamente ultrapassa os 180 mil mortos. Além dessa política negacionista da Ciência e de irresponsabilidade social e sanitária, a Educação deveria ter um investimento muito maior para garantir a equidade entre nossas crianças, garantindo condições especiais e suportes aos mais vulneráveis.

Mas, ao invés de liderar um projeto nacional de fortalecimento da Educação Pública, o governo federal se dedicou a sabotar e tentar impedir com todos os seus recursos a aprovação do “Novo Fundeb” em 2020. O projeto do governo era simplesmente deixar que os Estados e municípios ficassem sem o aporte de recurso do Fundeb no ano de 2021, o que significaria o fechamento dos serviços de educação na maioria dos municípios do Nordeste e de Minas Gerais. Uma mobilização dos movimento de professores, estudantes e da Educação em geral mas principalmente dos prefeitos e governadores, que perceberam a destruição na gestão que o governo federal estava provocando, conseguiu barrar essa lógica anti-Educação e aprovar o Novo Fundeb, que agora se tornou permanente, aumentou os recursos destinados à complementação de recursos para estados e municípios mais pobres de 10% para 23%, aumentou o mínimo do destinado aos salários do profissionais da Educação para 70% do Fundo e estabeleceu o ”Custo Aluno Qualidade”(Caq) como parâmetro, o que preconizava também o PNE.

Apesar dessa vitória expressiva no Congresso, o governo continuou a fazer a sabotagem do Novo Fundeb, atrasando de todas as formas a tramitação da REGULAMENTAÇÃO do Fundo, sem a qual o mesmo não pode ser operacionalizado, e na semana passada desferiu um novo golpe contra a Educação. A publicação da Portaria Interministerial nº 3, de 25 de novembro de 2020, reduziu o valor anual mínimo por aluno do FUNDEB, neste ano de 2020. Isso acarretou uma diminuição neste ano e no próximo dos recursos da Educação, provocando uma redução ao que havíamos conquistado e anulando o que está na Emenda Constitucional nº 108, que instituiu o Fundeb permanente.

O governo também vetou os dispositivos da Lei 14.040, que destinavam recursos do “Orçamento de Guerra” da União para financiar as redes escolares estaduais e municipais durante e após a pandemia da Covid-19. Nesse momento, a gestão Bolsonaro também contingenciou mais de 90% dos recursos do MEC destinados à educação básica em 2020, e para o orçamento federal para 2021 a supressão de cerca de outros R$ 5 bilhões originalmente vinculados ao MEC. O governo conseguiu o ineditismo de propor um orçamento para o Ministério da Defesa maior que o da Educação e do da Saúde, depois de repetidos cortes nessas pastas sociais a partir de 2017. 

A Educação agora deveria ter o alento de termos um governo que viabilizasse logo a vacina para voltarmos às escolas, coisa diametralmente oposta aos obstáculos sempre maiores para que a população tenha acesso à remédios que lhes garantam a vida. Outros países anunciam a vacinação nos meses de dezembro de janeiro, enquanto o Ministério da Saúde aponta apenas o mês de março para iniciar a vacinação das pessoas acima de 75 anos e dos profissionais da Saúde, o que é muito pouco. O governo brasileiro está estendendo o período da pandemia e intensificando as perdas que nossos jovens têm de serem privados das escolas e da aprendizagem.

Mesmo depois da pandemia, que no Brasil não se sabe quando terminará devido aos caprichos ideológicos de Bolsonaro, há a necessidade de mais investimentos em Educação, para reestruturar, reformar e construir novos prédios, adequá-los às novas necessidades, termos mais escolas de Educação Integral e de jornada estendida para diminuir o fosso em relação ao sistema privado que não parou. Também é essencial maior formação dos docentes, maior remuneração dos mesmos, a discussão de novas propostas curriculares à luz da concepção da Educação Integral, libertadora, laica, promotora da democracia e das diversidades.

Professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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