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Brasil: Potência Ambiental, da Ciência e da Tecnologia

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O Brasil pode agora retomar um conceito de potência diferente  |   Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 30/12/2021, às 12h25   Penildon Silva Filho*


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Durante a ditadura militar no Brasil (1964-1985) aparecia muito na propaganda pró-regime e nos planos governamentais o conceito de “Brasil Potência”, que encapsulava os vetores de desenvolvimento industrial, atração de investimentos estrangeiros, crescimento do PIB, interiorização da ocupação do território nacional e consolidação da capacidade de planejamento e intervenção do Estado Nacional. Esse conceito contraditoriamente estava ao lado de uma política externa subserviente do Brasil em relação aos Estados Unidos, colocando em primeiro plano a “interdependência ocidental” e “combate à subversão”, acima da “soberania nacional” e da “autodeterminação dos povos”.

Esse conceito de Brasil Potência se amalgamava com o militarismo, a busca do poder do Estado para impor um projeto de desenvolvimento nacional e ganhou impulso com o “milagre econômico” do final da década de 1960 e início de 1970. Fazia parte dessa política uma ocupação da Amazônia, do Cerrado e de outros biomas de forma predatória, levando migrantes a se deslocar para essas regiões e implementando projetos que redundaram em desastrem ambientais e pobreza. A concentração de renda e de riqueza foi também uma marca dessa passagem histórica, pois em 1964, o 1% mais rico da população detinha entre 15-20% de toda a renda do país, mas ao final da ditadura passou a controlar quase 30%, segundo estudo conduzido por Pedro Ferreira de Souza, pesquisador do Instituto de Pesquisa Econômica Aplicada (Ipea) e da UnB.

Embora tenhamos tido a construção de um modelo diferente com o processo da democratização, da nova Constituição e especialmente com os governos Lula e Dilma, com crescimento econômico inclusivo, criação de 22 milhões de empregos formais entre 2003 e 2014, ascensão social de uma população igual à da Argentina que saiu da linha da pobreza, uma diminuição recorde do desmatamento da Amazônia e fortalecimento das instituições de proteção e controle ambiental, o período de Temer e Bolsonaro significou um retrocesso em todas essas áreas. Especialmente as áreas da Educação, da Ciência e Tecnologia, do SUS (Sistema [Único de Saúde) e do meio ambiente tiveram um projeto de destruição que significou o desmonte da política de Ciência e Tecnologia, com corte de 90% do orçamento apenas em 2021, depois de vários anos de cortes, desde 2017, mas não somente. Houve um crescimento do processo de ocupação ilegal e predatória da Amazônia, do Pantanal e do Cerrado pela indústria madeireira, pecuária e garimpos. Os cortes de recursos nas Universidades e no SUS se deram mesmo durante a pandemia, o recurso de custeio de capital das universidades federais caiu ao patamar de 2005, depois de sucessivos cortes, ameaçando a sobrevivência dessas instituições, e em 2021 o orçamento da Saúde foi menor que em 2020, e o de 2022 será menor ainda, indo na contramão de todo o mundo que investe maciçamente em Saúde e desenvolvimento de vacinas.

Mas o Brasil pode agora retomar um conceito de potência diferente, alinhado ao paradigma do século XXI de sustentabilidade, de enxergar as riquezas naturais, energéticas e da sociobiodiversidade como estratégicas para o desenvolvimento econômico, que deve ser construído com uma industrialização verde, com uma economia do conhecimento que priorize a biotecnologia, a genética, a farmacologia, a indústria de Tecnologia da Informação, o desenvolvimento da Inteligência artificial, da Cultura, da Educação e da Saúde. Entretanto, a resistência a um novo modelo de desenvolvimento é cultural e grande, se assenta no discurso de que as atuais atividades econômicas hegemônicas são as únicas que podem levar ao crescimento do PIB, à exportação de produtos, à criação de oportunidades de empregos. Esse discurso é falso e encobre os interesses de um setor econômico atrasado culturalmente e que não gera tanta riqueza quanto o que pode ser construído numa “transição ecológica”.

Vejamos os dados. Um hectare (10 mil metros quadrados) de mata devastava gera por ano uma rentabilidade de apenas 20 a 70 dólares com a pecuária, gera apenas 100 a 200 dólares por ano com Soja e com a exploração madeireira gera de 250 a 400 dólares em apenas um ano, para depois demorar 25 anos para que a mata possa se reconstituir para depois ser derrubada novamente. Se considerarmos a remuneração estabelecida para o pagamento de serviços ambientais pela Conferência do Clima da ONU, um hectare renderá 2.500 dólares por ano apenas com a preservação. Mas a experiência de produção de Açaí no Pará e de Cacau no Acre e no Pará com as agroflorestais indicam que no primeiro caso a rentabilidade do Açaí é 5 vezes maior que a da Soja e 10 vezes maior que a da pecuária, e do Cacau é de sete vezes a do agronegócio. São dados do Instituto de Estudos Avançados da USP, sob a coordenação do cientista Carlos Nobre, mas podem ser acessados com a Embrapa (Empresa Brasileira de Pesquisa Agropecuária, empresa pública de pesquisa vinculada ao Ministério da Agricultura, Pecuária e Abastecimento do Brasil).

Existem experiências exitosas que geram mais renda e riqueza que o agronegócio tradicional, e essas atividades podem ser feitas com a “floresta de pé”, sem derrubar árvores e até mesmo reflorestando e recuperando as áreas degradados pelo “agro”. Outra diferença é que esses cultivos em agroflorestas já são pesquisados e sistematizados por uma empresa estatal brasileira (Embrapa) e temos como replicar essas experiências que geram renda para os pequenos, para as populações locais. O agronegócio tradicional gera menos renda, abandona rapidamente áreas degradadas para avançar na fronteira agrícola, desmatando e destruindo mais, e a riqueza fica na mão de poucos grandes empreendedores.
O desenvolvimento de um país depende da sua “industrialização”, pois é o processo em que se agrega valor a determinados produtos com a aplicação de Ciência e Tecnologia. Se o Brasil hoje abandonou o refino de petróleo para exportar óleo cru e importar os produtos refinados, ele perde valor agregado e se coloca em situação de dependência. Da mesma maneira, não devemos somente produzir Açaí, Cacau e mais 50 produtos das florestas para exportar e depois comprarmos os produtos feitos dessas mesmas matérias primas. É fundamental passarmos a industrializar esses produtos, aumentarmos a renda dessas populações locais e o país poderá exportar em vez de importar esses produtos.

Nas áreas úmidas e superúmidas das florestas tropicais funciona a exploração da floresta nativa em sistemas sustentados, o uso da biodiversidade se torna um ativo econômico, hoje completamente ignorado. São os cultivos perenes com elevado grau de adaptação ecológica, como é o caso das culturas do dendezeiro, açaizeiro, cacaueiro ou os sistemas agroflorestais que permitiriam uma exploração econômica rentável maior que a atividade pecuária ou agrícola tradicional. É importante salientar que a atividade de pecuária e do plantio de Soja na Amazônia é insustentável, as características do solo levam a uma acidificação rápida e degradação do mesmo. O desmatamento provoca a diminuição da estação das chuvas e as estações secas estão muitas semanas maiores que há 30 anos, levando a floresta a um ponto de não retorno em direção à sua savanização, e afeta o regime de chuvas do centro sul do país, com os efeitos atuais da crise hídrica e energética brasileira.

Isso não é tudo. Podemos produzir mais riqueza, gerar mais empregos, manter a floresta de pé e ainda realizar uma industrialização verde, por meio de um forte investimento em Ciência, Tecnologia e Inovação a partir das estruturas universitárias e de pesquisa existentes, revertendo a destruição dessas instituições perpetrada por Bolsonaro. Hoje o Brasil já forma mais doutores que a França, mas nossos talentosos pesquisadores em todas as áreas estão saindo do país por falta de oportunidades aqui. Além de nos tornarmos exportadores de matéria prima barata e com um país em desindustrialização, tornamo-nos exportadores de cérebros para centros de pesquisa em países desenvolvidos. Podemos investir fortemente na pesquisa básica e aplicada em todas as áreas, percebendo que a Ciência está na base da nova economia, da Inovação.

Diferentes campos dessa nova industrialização, da Revolução 4.0, não são poluentes necessariamente, e o Brasil tem condições econômicas, educacionais e de infraestrutura científica, que podem alavancar esse novo ciclo. Um exemplo é o campo das Tecnologias da Informação(TI). Conforme dados da Brasscom (Associação Brasileira das Empresas de Tecnologia da Informação e Comunicação), “a partir de um crescimento de 8% a 9% em 2019, que deve se acelerar nos próximos anos, estima-se que até 2024 a demanda por profissionais do setor cresça a 329 mil profissionais, mais outros 92 mil da TI In House, totalizando 421 mil. A demanda será de 25% em Internet das Coisas (IoT, na sigla em inglês), 11% em segurança, 10% em Big Data, 6% em Nuvem e 2% em Inteligência Artificial (AI), além da demanda por profissionais administrativos (19%), de nível técnico (14%) e em outras tecnologias (13%).”(ver mais: https://brasscom.org.br/mercado-de-ti-tem-grande-demanda-e-deficit-de-novos-profissionais/ )

Por conta disso podemos ressignificar o conceito de “Brasil Potência”. Pode deixar de ser do regime ditatorial, de crescimento não sustentável, de devastação dos biomas naturais, para ser de Potência Ambiental, da Ciência e Tecnologia. Temos o melhor potencial de energia solar, eólica, das marés e hidrelétrica. Podemos reduzir nossas emissões de carbono a zero em poucos anos zerando o desmatamento, reflorestando e recuperando áreas degradadas e mudando a forma de produzir na agricultura, que são os maiores responsáveis pelas emissões nacionais, e não a emissão de fábricas ou de transportes.

O sociobiodiversidade é o maior ativo científico e econômico do mundo atual e podemos ter atividades econômicas que gerem fortemente empregos e renda. Essa geração de renda pode ser inclusive nas cidades com grandes obras de saneamento básico, habitação, mobilidade e reestruturação urbana completa. Tudo isso é meio ambiente, e pode ser a principal geradora de empregos e renda no meio urbano.

Essa referência tornará o país uma referência e um exemplo e ser seguido, especialmente pelos países tropicais, que precisam conservar suas florestas para diminuir o efeito estufa, e encontrar alternativas de desenvolvimento sustentável. Esse é o novo paradigma de potência a ser construído, de respeito ao meio ambiente, distribuição de riqueza, diminuição das desigualdades e defensor de uma ordem mundial pacífica, multilateral, democrática e inclusiva.

*Penildon Silva Filho
Professor da UFBA e doutor em Educação

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