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O Novo Fundeb e o caminho da esperança

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Publicado em 15/01/2022, às 15h40   Penildo Silva Filho*


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No final do ano de 2021, o Ministério da Educação publicou a portaria interministerial nº 10, de 20 de dezembro, que alterou o Valor Anual por Aluno (VAAF-MIN) definido nacionalmente para o ano de 2021, no âmbito do Fundeb, para R$ 4.462,83. Entretanto, anteriormente, o MEC havia publicado a portaria interministerial nº 2, de 22 de abril de 2021, que estabelecia que o valor mínimo nacional por aluno/ano, a que se refere o art. 2º da Portaria Interministerial nº 3, de 25 de novembro de 2020, do Ministério da Educação e do Ministério da Economia, ficava em R$ 3.589,87. Isso significou que o custo-aluno exercício de 2020 foi de R$ 3.589,87 e o custo-aluno exercício de 2021 foi de R$ 4.462,83, um acréscimo de 24,31%, por conta do “Novo Fundeb”. O Novo Fundeb foi uma lei aprovada em final de 2020 a muito custo e contra a resistência do governo Bolsonaro, que era contra o aumento de recursos para a Educação.

No final de 2021 os municípios receberam em sua maioria um aporte extra de recursos por conta da complementação do Fundo, e muitos investiram em obras de infraestrutura, essenciais para a retomada das atividades presenciais pós-pandemia, e no rateio de recursos para os docentes, o que significou um complemento importante das remunerações. O Novo Fundeb foi uma legislação que contou com ampla maioria no Congresso, reunindo diversos e diferentes partidos em torno do consenso nacional de que apenas com investimento maciço em Educação e na remuneração dos profissionais da Educação se conseguirá uma Educação de qualidade. A sua aprovação, que teve a oposição feroz do ministro da Economia Paulo Guedes e do próprio presidente, foi resultado de uma conjunção de forças que reuniu sindicatos de trabalhadores em educação, os secretários municipais de Educação, através da UNDIME, e da ampla maioria dos prefeitos por meio de suas associações, que atuaram conjuntamente com a bancada de oposição no Congresso e com parlamentares de partidos que eram da base governamental mas não seguiram a orientação neoliberal de corte de gastos, muito devido à mobilização social.

O Novo Fundeb se coloca na “contra mão” de todas as legislações aprovadas desde o golpe de 2016, como a Emenda Constitucional 95, que congelou os investimentos sociais por 20 anos, com apenas a reposição da inflação (mas nem isso tem sido respeitado); a política do “teto de gastos”, a autonomia do Banco Central, a privatização ou tentativa de privatizações de estatais e serviços públicos, como a Petrobras, a Eletrobras e os Correios; a tentativa de destruição do Sistema Único de Saúde, que deveria ser substituído por planos privados de saúde com subsídio estatal segundo o interesse governamental; a reforma trabalhista e a reforma da previdência. O argumento do governo para a não aprovação do Fundeb era de que ele estouraria as contas públicas e provocaria queda da credibilidade do Brasil junto aos “mercados”.

Entretanto, mesmo depois de 6 anos de medidas neoliberais, que retiraram direitos trabalhistas e previdenciários e diminuíram o orçamento das áreas sociais, a economia não deslanchou como foi prometido pelos governos Temer e Bolsonaro. O que se viu foi uma estagnação ou queda do PIB, uma volta do Brasil ao “Mapa da Fome” da FAO ONU, que pode ser comprovada pelo número de brasileiros que atualmente estão na miséria. Em 2021, 13,5 milhões de pessoas estavam em situação de extrema pobreza(miséria), de acordo com critérios do Banco Mundial. Somadas aos que estão na linha da pobreza, chegam a 25% da população do país. A cada ano, desde o golpe de Temer contra Dilma, de 3 a 4 milhões de pessoas são lançadas na pobreza extrema, mas a insegurança alimentar ultrapassa 100 milhões de brasileiros, que não tem clareza de como vão se alimentar durante o dia.

A reforma trabalhista não criou novos empregos, apenas precarizou ao extremo muitos dos já existentes; a reforma previdenciária não trouxe investimentos estrangeiros vultosos; a privatização de parte da Petrobras não gerou novos empregos e fez com o que o Brasil passasse a exportar óleo cru e importar gasolina e demais derivados, um dos motivos do aumento dos preços dos combustíveis e do gás de cozinha, que turbinaram a inflação dos gêneros alimentícios e consumidos pelas classes populares a níveis muito superiores ao 10% da inflação oficial. Nenhuma das promessas neoliberais foi cumprida e mesmo assim a cantilena do Estado mínimo e da redução dos investimentos públicos continua para ampliar a exploração dos trabalhadores e a miserabilização da maioria do povo.

Foi essa justificativa que foi derrotada com a aprovação do Novo Fundeb, que demonstrou ser de muita importância para começar a garantir a Educação Básica como um dos direitos básicos à cidadania e demonstrar que é possível reorientar essa política mais ampla de restrições e diminuição do Estado. Saliente-se que esse aporte maior de recursos não prejudicou a “credibilidade do país”. O que tem destruído a nossa credibilidade e confiança nacional e internacional são os ataques à ciência e os apelos contra as vacinas, que muito prejudicam o combate à pandemia; a destruição do Meio Ambiente de forma galopante, que segue à risca o receituário de “passar a boiada” do atual Ministério do Meio Ambiente. O que destrói a imagem do Brasil é o aumento da fome e os ataques à democracia e aos maiores parceiros comerciais do país, como China e os vizinhos da América Latina.

Além do aporte maior de recursos, é importante ter outras estratégias combinadas na Educação Básica. Recursos financeiros são imprescindíveis, mas uma série de políticas se impõem como essenciais, complementares e interdependentes. É importante te um projeto pedagógico para a Educação, e a Educação Integral, com uma formação ampla de Ciência, Cultura, artes, esportes, linguagens e Tecnologias, se torna fundamental num mundo que vive a Revolução 4.0 e demanda pessoas críticas, criativas, com conhecimentos amplos, capacidade de interpretar, criar e intervir na sociedade, assim como interagir para trabalhar em grupo e respeitar os Direitos Humanos e o Meio Ambiente.

Um programa de formação continuada dos docentes e de criação e fortalecimento de laços e da identidade do campo educacional é fundamental para propiciar um engajamento dos trabalhadores da Educação e das famílias dos alunos com essa proposta pedagógica libertária e libertadora. Muitas escolas e redes já demonstraram que isso é possível, e a experiência de nossos institutos federais de educação e das universidades públicas comprovam que quando há investimento em infraestrutura, projeto pedagógico, salários mais justos dos trabalhadores e uma identidade que cimente o comprometimento com a Educação como uma política libertadora, os resultados são muito bons.

A intersetorialidade, ou ação conjunta com outras políticas públicas, é uma chave para a compreensão dessa Educação Integral, e uma parceria com as políticas de Cultura, de Saúde, de Meio Ambiente e de Assistência / Desenvolvimento Social pode criar as condições para uma cidade educadora. A participação social, a transperência das contas públicas, o trabalho junto com os conselhos ligados à Educação e a outras políticas são fundamentais, assim como a realização de conferências de Educação, eventos culturais, feiras científicas, espaços de inovação se colocam ao lado dessas medidas da gestão. São iniciativas viáveis para construir uma nova sociabilidade e já integram muitas experiências exitosas da nossa Educação brasileira.

*Professor da UFBA e doutor em educação

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