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Agro é excluído de regulamentação do mercado de crédito de carbono; saiba motivo

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Mercado de crédito de carbono foi aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado  |   Bnews - Divulgação Pixabay
Beatriz Araújo

por Beatriz Araújo

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Publicado em 09/10/2023, às 10h58


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Com a regulamentação do mercado de crédito de carbono no Brasil, aprovado pela Comissão de Meio Ambiente do Senado, na última quarta-feira (4), é preciso estar atento ao que muda principalmente para as grandes corporações. A partir de agora, as empresas que não atingirem suas metas de redução de gases de efeito estufa (GEE) vão poder comprar créditos daquelas que reduzirem suas emissões. O texto do projeto tramita em caráter terminativo e ainda deve passar pela Câmara dos Deputados.

No agronegócio, por outro lado, após um acordo com a bancada ruralista, as atividades agrícolas primárias ficaram de fora da regulamentação do mercado de crédito de carbono, fato que tem gerado discussões e questionamentos por parte de envolvidos no setor. Em entrevista ao BNews, a especialista em direito socioambiental e vice-presidente do Instituto Brasileiro de Direito e Sustentabilidade (Ibrades), Samanta Pineda, explicou o que muda com a aprovação do projeto e o que justifica a exceção para o agro.

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Confira a entrevista na íntegra:

BNews: O que é o mercado de crédito de carbono, aprovado pelo Senado?
Samanta Pineda: O sistema brasileiro do comércio de emissões é o mercado de carbono regulado brasileiro. Ele cria no Brasil um sistema onde os maiores emissores de gases de efeito estufa vão ter um limite para emitir esses gases, que vai ser fixado pelo governo, e quando eles emitirem acima disso, eles vão precisar compensar essas emissões com aqueles que conseguirem diminuir suas emissões e ficar com um crédito. Digamos que uma indústria tenha um número fixado pelo governo de 10 mil toneladas, se essa indústria conseguir emitir 5 mil toneladas, ela vai ter 5 mil toneladas de crédito de carbono para vender.

BNews: De que forma o mercado de crédito de carbono beneficia o meio ambiente?
Samanta Pineda: O mercado de crédito de carbono veio para ser um instrumento da transição energética e tecnológica para ume economia de baixo carbono, ou seja, aquelas práticas que emitem muitos gases de efeito estufa e queima de combustível fóssil, como petróleo, gás, carvão, carros a gasolina, tudo isso tem que compensar ser mais sustentável. A forma de se compensar é o mercado de carbono porque quem diminuir suas emissões, vai conseguir comercializar os créditos que vierem dessa diminuição de emissões. Então, o mercado de crédito de carbono beneficia o meio ambiente quando ele diminui a emissão de gases, que são os grandes causadores das mudanças climáticas que a gente está vendo aí tão fortemente.

BNews: O que muda com a aprovação do mercado de crédito de carbono?
Samanta Pineda: O mercado regulado é aquele em que alguns setores e atividades têm obrigatoriedade de diminuição de emissões, então, a primeira coisa que muda é que alguns setores vão ser obrigados a diminuir suas emissões. A segunda coisa que muda é que passa a ser implantado no País um sistema oficial de créditos de carbono, isso passa a dar confiabilidade para os projetos de diminuição de crédito e emissão de crédito de carbono. Então, o Brasil entra oficialmente nesse mercado regulado.

Muitos países têm muito mais necessidade de diminuição de emissões do que o Brasil, o Brasil não é um grande emissor. China, Estados Unidos e União Europeia são os três maiores, o Brasil emite cerca de 3% de gases de efeito estufa do mundo, então o País tem um grande potencial de ser uma solução para esse problema internacional, vendendo mais créditos do que precisando compensar.

BNews: Como o mercado de crédito de carbono deve funcionar no Brasil?
Samanta Pineda: O funcionamento do mercado aqui no Brasil segue o sistema europeu que chama 'Cap and Trade', no nome internacional, que é um limite, um teto estabelecido pelo governo de emissões de cada setor, que a partir do seu estabelecimento, o governo gera uma comercialização por aqueles que vão ter uma diminuição mais significativa, então incentiva a diminuir as emissões. Esse trade vai ser regulado aqui no Brasil pelo Sistema Brasileiro de Comércio de Emissões (SBCE), que vai ser gerido por um comitê interministerial, um grupo técnico e uma comissão que vai deliberar a respeito de como vai ser esse comércio, quem vai certificar esses créditos, quem vai poder comercializar. Então, no Brasil, além do sistema 'Cap and Trade', há um sistema onde o governo vai disponibilizar cotas de emissão para cada setor, colocando esse 'cap' e também atuando nessa comercialização.

BNews: Quem pode comprar e quem pode vender esses créditos?
Samanta Pineda: Quem pode comprar e vender esses créditos é super aberto. Qualquer um pode comprar. Hoje a gente já tem companhias aéreas que oferecem a neutralização do seu voo, então você pode comprar com uma pessoa física preocupada em diminuir sua pegada de carbono. Há empresas que não têm obrigação de diminuir as emissões e estão fazendo isso, então tem empresas que querem ser carbono neutro, que pregam uma forma sustentável de ter sua atividade e todas essas empresas e pessoas físicas e jurídicas podem comprar créditos de carbono.

Quem pode vender é quem tem o projeto, ou quem tem cotas. As cotas, são essas cotas dadas pelo governo para determinadas atividades do mercado regulado. Por exemplo, o setor industrial de cimento vai ter uma quantidade X de cotas, essas cotas, se o setor industrial de cimento diminuir suas emissões, as que sobram são cotas comercializáveis. Já os projetos são feitos por aqueles que não têm obrigação de diminuição, ou não têm que ter cotas do governo. Qualquer outro setor, como o setor do agro, por exemplo, um produtor rural que usava um plantio convencional, arando a terra, ele passa a fazer um plantio direto, que é uma técnica de plantio na palha, bem mais sustentável do que arar o solo, porque capta e armazena carbono no solo, ele pode transformar isso num projeto. Esse projeto precisa ser verificado, certificado, e depois desse projeto virar um crédito de carbono pelas empresas especializadas, ele também pode comercializar esse crédito.

BNews: Qual a exceção da aprovação do mercado de crédito de carbono para o agronegócio?
Samanta Pineda: Tem muita gente erroneamente criticando a retirada do agro do mercado regulado. Há vários pontos para defender essa posição. Primeiro, em nenhum lugar do mundo, o agro faz parte do mercado regulado, por vários motivos. Primeiro, porque não tem metodologia de medição das emissões do agro por ser uma cadeia muito complexa. Imagine um plantio de diversos tipos de produtos, com diversas técnicas diferentes, e tem que ter uma metodologia aprovada e comprovada para cada medição dessas emissões e das captações. Quando a gente planta soja, por exemplo, emite gases de efeito estufa quando ara o solo, se não for plantio direto, mas quando o pé de soja está crescendo, ele capta, porque ele faz fotossíntese, então ele capta carbono da atmosfera. A medição tem que ser esse saldo, é o balanço entre o que ele emite, menos o que ele capta para saber qual é a real emissão da atividade.

O agronegócio ainda tem muita complexidade para chegar nessas metodologias aprovadas, não tem um sistema de medição da agricultura tropical, então, por mais que não haja essa medição do agro todo no mundo, na agricultura temperada da Europa e dos Estados Unidos, menos ainda tem para a agricultura tropical aqui do Brasil, então, esse é um dos motivos. O outro motivo é que o setor de alimentos ficou fora dessa obrigação, por enquanto, porque não se quer onerar. Enquanto esse sistema não estiver maduro para coisas que são mais fáceis de medir, não vale a pena onerar um setor que produz comida. Por fim, o terceiro motivo, é porque o Acordo de Paris, que é quem regulamenta tudo isso no mundo, ainda está em processo de regulamentação. O artigo 6º, do acordo de Paris, começou a ser regulamentado na COP 26 [Conferência do Clima da Organização das Nações Unidas], em Glasgow, na COP 27, no ano passado, teve mais um avanço, e ele ainda está em discussão de critérios para a regulamentação desse artigo 6º na COP 28 agora, que vai acontecer em Dubai, em dezembro. Então, total razão ao governo de excluir o agro por enquanto, porque é assim que faz no mundo todo.

Classificação Indicativa: Livre

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