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Que país queremos construir com os cortes em Educação, Ciência e tecnologia

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Bnews - Divulgação Arquivo pessoal

Publicado em 11/10/2021, às 19h50   Penildon Silva Filho


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A Câmara dos Deputados aprovou no dia 7 de outubro, a pedido do Ministério da Economia, um corte de 92% em um crédito suplementar que seria destinado ao Ministério da Ciência, Tecnologia e Inovações, por meio do Projeto de Lei do Congresso Nacional (PLN) 16. Esse foi apenas mais um passo na estratégia de destruição da Ciência e Tecnologia no Brasil, que se consubstanciou a partir do golpe de 2016 e se aprofundou com o governo Bolsonaro. É importante notar que os investimentos em C&T durante o período de 2003 a 2015 apresentaram uma elevação considerável. Mesmo se constando em alguns anos um recuou, a tendência foi de um incremento histórico. Na curva geral de financiamento, o saldo foi muito positivo e colocou em um patamar inédito a produção científica nacional. No caso das universidades federais, o orçamento cresceu significativamente, em termos reais e nominais, até o ano de 2016, para depois encolher ano a ano, deixando essas instituições em situação grave de penúria e não pagamento das contas de custeio, além da completa ausência de recursos para investimento.

Ao consideramos a evolução dos recursos discricionários do MCTI, de acordo com o Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – Siop, em valores em bilhões de reais de 2020 e atualizando esses valores pela inflação, para considerar o seu valor real, identificamos que em 2010 tivemos um investimento de 9,85 bilhões; em 2012 foram 8,15; em 2013 foram 9,99; em 2014 contamos com 8,85; em 2015 foram 6,99. Em 2016, 2017, 2018, 2019, 2020 foram respectivamente 5,05; 4,66; 4,60; 4,44; 3,60 e 2,70 bilhões. 

Se analisarmos o orçamento do FNDCT, nos anos antes e pós-golpe, observamos que o orçamento anteriormente era liberado integralmente e em valores sempre crescentes, mas esse orçamento se tornou vítima de crescentes processos de contingenciamento dos recursos. Dessa forma, embora no orçamento aprovado no ano anterior à vigência do mesmo não se identificasse uma queda abrupta nos valores, na prática os recursos efetivamente liberados foram diminuindo drasticamente. Nesse segundo caso, também são dados de acordo com o Sistema Integrado de Planejamento e Orçamento – Siop, em valores em bilhões de reais de 2020 e atualizando esses valores pela inflação. Em 2016, 62% dos recursos do FNDCT ficaram em reserva de contingência; em 2019, foram cerca de 80%; em 2021 houve um contingenciamento de 91% dos recursos do FNDCT, em valores monetários isso significa 5 bilhões de reais retirados da C&T. 

Embora nos dados sobre o FNDCT e dos recursos discricionários do MCTI tenha havia uma pequena queda em 2015 em relação ao ano anterior, o que na análise geral não configura uma tendência de queda, quando analisamos a evolução do orçamento para concessão de bolsas de estudo de ensino superior da Capes, o orçamento cresce fortemente até 2015 e começa a encolher no ano de 2016 quando vivenciamos uma política de austeridade fiscal. Política de austeridade que não produziu o desenvolvimento econômico que havia prometido e lançou o Brasil numa espiral de recessão, miséria e destruição do Estado. Em 2014 tivemos o orçamento de 5,4 bilhões para bolsas; em 2015 foram 7,6 bilhões; mas em 2016 foram 4,6 bilhões; em 2017 foram 3,3 bilhões; em 2018 2019 e 2020 foram respectivamente 2,7; 2,8; 2,4 bilhões. No ano de 2021 tivemos o pior orçamento da série, com apenas 2,0 bilhões. Esses dados e os anteriores estão na publicação “BRASIL: cinco anos de golpe e destruição”, no link: https://fpabramo.org.br/publicacoes/wp-content/uploads/sites/5/2021/08/Balanco-5-anos-web6.pdf )

Embora esse fundo seja de importância capital para o desenvolvimento acadêmico, científico, tecnológico, social e econômico, e em todos os países do mundo em que houve um avanço significativo nessas áreas esse investimento foi marcante, no Brasil verificamos um estancamento nessa trajetória. A política de Ciência, Tecnologia e Inovação em todo o mundo foi uma propulsora da Revolução 4.0, das energias renováveis, da Inteligência Artificial, da Biotecnologia, da Ciência dos Materiais, da indústria aeroespacial, da Ciência dos dados, da automação e robotização, da superação de uma Economia baseada em combustíveis fósseis. O futuro da Humanidade, inclusive a sua sobrevivência num ambiente sustentável, depende desse investimento e de políticas públicas sólidas e consistentes.

Na análise das universidades e de seus orçamentos, podemos pegar o exemplo da UFBA que é um retrato da evolução orçamentária de todo o sistema federal de Universidades. O valor em reais do orçamento de despesas discricionárias, aquelas que não estão na folha de pagamento (que é a despesa obrigatória), em dotação anual atualizada da UFBA foi a seguinte: 2011, R$ 139,5 milhões; em 2012 aumentou para R$ 163.6 milhões; em 2013 chegamos a R$ 187,2 milhões, e fomos ampliando essa parte do orçamento até 2016, quando atingimos R$ 198,49 milhões. Em 2017, começamos a ter a redução do orçamento, com R$ 173,86 milhões e fomos tendo diminuição ano a ano, até termos a previsão da PLOA 2021 de 133,38 milhões. Esses valores são apenas nominais, se aplicarmos a correção da inflação para cada um desses anos, veremos que o crescimento antes do golpe de 2016 foi muito maior do que parece hoje e o tombo após o golpe foi muito mais sério.

O corte desses recursos inviabiliza o funcionamento da UFBA e de todas as instituições federais de ensino superior. Não se trata de recursos novos para projetos ou bolsas, mas para o custeio, pagamento de luz, água, manutenção, terceirizados e outros. As despesas discricionárias são aquelas que não compõe a folha de pessoal, são verba para capital (novas construções e aquisição de máquinas e equipamentos) e custeio. 

Esse corte está atingindo todas as instituições federais no Brasil. Apenas na Bahia, a redução superior a 18% nas despesas discricionárias em 2021 significou um risco à sobrevivência de todas as instituições. O orçamento teve uma diminuição em 2021, na comparação com 2020, de 18,2 milhões para a UFRB; menos R$ 18,2 milhões para a UFSB; menos R$ 18,7 milhões para a UFOB e R$ 18,3 milhões para a UFBA. Nos institutos federais o corte foi ainda maior, comprometendo a sua missão de garantir Educação de qualidade em todo o Estado para a juventude urbana e rural. O IFBA perdeu apenas em 2021 R$ 19,4 milhões e o IFBAIANO perdeu R$ 21, 7 milhões.

Alguns comentários e análises sobre essa situação valem a pena serem iniciados. O primeiro é sobre a existência de um discurso forte na mídia que procura igualar os governos Lula e Dilma com os governos de Temer e Bolsonaro em todas as áreas, e também na Educação, Ciência e Tecnologia, e essa mentira repetida milhares de vezes não é gratuita ou um erro inconsciente desse aparato hegemônico de comunicação. Os dados oficiais que podem ser pesquisados nos sites do governo federal atual, como vimos acima, indicam que havia um crescimento real e muito acentuado nos dois primeiros governos, seguidos por cortes e destruição dos dois últimos. Podemos indicar que no ano de 2015 houve leve redução nos recursos discricionários do MCTI; no orçamento do FNDCT em 2015 tivemos o mesmo valor que em 2014, com o contingenciamento a partir do governo temer em 2016; enquanto isso a concessão de bolsas de estudo de ensino superior da Capes cresceu até 2015 e o orçamento das Universidades federais cresceu até 2016. 

Interessa criar uma falsa impressão, com uma fakenews que não resiste aos dados nos sites do governo federal, para se esconder que Ciência e Tecnologia já tiveram um investimento considerável no país e que se pode voltar a ter essa política. Faz parte do mantra da “austeridade fiscal” preconizar o constante corte de recursos, visando a diminuição do orçamento público, e esconder a evolução dos números que indicam que outro caminho é possível. A atual mídia corporativa brasileira, que não aceita qualquer regulação econômica como a que existe nos Estados Unidos ou na Europa para evitar a concentração dos grandes meios nas mãos de apenas seis famílias, tem identidade com o programa econômico e social de Temer e de Bolsonaro/Guedes, e ajudaram a dar o golpe de 2016 e a eleger o atual governo. Embora façam uma crítica parcial ao estilo do governo, não o abandonam na defesa de todas as suas propostas e projetos econômicos, que implicam na destruição da capacidade de fazer Ciência no país.

Qual o projeto de país que se configura rapidamente nesses últimos cinco anos? Como o papel reservado à Universidade, à política de Ciência, Tecnologia e Inovação nesse novo projeto? Que visão de futuro se tem da economia e da inclusão ou exclusão social, da concentração de renda? O projeto já apresentado e defendido publicamente desde Temer, “Uma Ponte para o Futuro”, passa por toda a política de Henrique Meireles com a reforma trabalhista, da terceirização indiscriminada e da emenda constitucional 95 (que congela os investimentos públicos por 20 anos), se aprofunda com Paulo Guedes com a reforma previdenciária, os cortes no orçamento em todas as áreas e a privatização do Eletrobras, Petrobras e a destruição dos bancos públicos (Banco do Brasil, Caixa e BNDES). Trata-se de um projeto de nação subalterna, que se sustenta com o agronegócio e as exportações de commodities como soja, milho, ferro, laranja e outras, com o encolhimento da indústria nacional que já respondeu por 30% do PIB em 1980 e hoje responde por menos de 10%. 

Uma nação cujo principal setor econômico é o capital financeiro que lucra com empréstimos ao governo e às pessoas, auferindo lucro mesmo durante o período de recessão e de pandemia. Esse projeto pressupõe uma superexploração dos trabalhadores e uma exclusão gigantesca da força de trabalho, com a informalização e precarização da maior parte da classe trabalhadora ocupada, além de um desemprego recorde de mais de 14% do total e uma situação de desalento (trabalhadores em idade produtiva que já deixaram de procurar emprego) de cerca de 10%. Esse projeto coloca o país no caminho para retroceder 100 anos, a voltarmos ao Brasil de 1922, ainda agrário, com um Estado débil que não conseguia unificar o território, sem industrialização significativa e que vivia de exportação de matérias primas e importação de manufaturas. Com uma classe dominante que vive às custas da especulação financeira e cobrança de juros em empréstimos, da superexploração do trabalhador e do agronegócio que está destruindo a Amazônia, o Pantanal e o Cerrado apenas para produzir proteína vegetal que servirá para alimentar a produção pecuária, e dessa maneira destruir o ecossistema.

Esse projeto de transformar o Brasil numa grande fazenda, destruindo os biomas e invadindo terras indígenas, apenas para exportar para os centros econômicos produtos de baixo valor agregado, não precisa de uma Universidade, não precisa produzir Ciência e Tecnologia, não carece de uma engenharia forte, de uma indústria 4.0. Os avanços tecnológicos e científicos devem ocorrer apenas no centro mundial, nas metrópoles, e o Brasil deve se apequenar numa subalternização incondicional. Nesse contexto não se precisa investir em Conhecimento, em Educação, em Cultura, pois as elites se satisfazem com uma relação predatória desde que aqui chegaram os portugueses em 1500 e começaram o genocídio e a escravização para tomar as riquezas da terra de forma primária e depois levar para fora. 

É emblemático que o nome do país, Brasil, seja oriundo de “Pau Brasil”, hoje quase extinto devido à exploração sem controle e apenas para rapinar a riqueza local e mandar para fora. É uma lógica de alguns séculos: mentalidade escravocrata, com exclusão da maior parte da população das riquezas produzidas, profunda destruição do meio ambiente e colocação em posição de dependência a outros países. Os períodos que foram na contramão dessa política foram os de Getúlio Vargas, Juscelino Kubitschek, a própria ditadura militar, que foi autoritária e assassina, mas promoveu um processo de industrialização, mesmo que concentrador, e o período de 2003 a 2016. Por isso hoje os meios de comunicação fazem questão de desqualificar ou esconder esses períodos e apresentam um consenso nauseante e sem direito ao contraditório da austeridade fiscal que não leva o país ao desenvolvimento, mas aumenta os lucros dos agroexportadores, dos financistas e dos que trabalham com commodities.

Esse projeto além de enfraquecedor de todos os investimentos públicos, em Educação, Saúde, Assistência Social, Direitos Humanos, Ciência e Tecnologia, tem sua sustentação ideológica no negacionismo, no desprezo pela Ciência, pela inteligência e pela verdade. Outros regimes autoritários também tiveram aversão à Cultura, às universidades, perseguiram professores em todos os níveis da Educação, expulsaram cientistas, proibiram livros e pesquisas, acenderam fogueiras para queimar publicações consideradas subversivas. A dificuldade enfrentada pela Ciência no Brasil tem o lado orçamentário e da austeridade, e outro da apologia à ditadura, à ignorância, ao terraplanismo, à teoria conspiratória anti-vacina. 

Penildon Silva Filho é professor da UFBA e doutor em Educação

Classificação Indicativa: Livre

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