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Extinção e escassez de recursos: Quais as consequências do megaempreendimento em Boipeba?

Jota Freitas/Setur-BA
Ecólogo da UFBA, Bruno Vilela, alertou para as consequências do megaempreendimento em Boipeba  |   Bnews - Divulgação Jota Freitas/Setur-BA
Sanny Santana

por Sanny Santana

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Publicado em 14/03/2023, às 17h53



A polêmica construção de um resort de luxo na Ilha de Boipeba ainda causa grande revolta entre moradores do local, além de biólogos e ecólogos, que alertam para os riscos que surgem com o desmatamento gerado pela estrutura.

Após o Instituto do Meio Ambiente e Recursos Hídricos (Inema) autorizar a "supressão de vegetação nativa" e o "manejo da fauna" para implantação do resort, moradores da região fizeram um abaixo-assinado mostrando que o megaempreendimento ocupará uma área equivalente a 1.700 campos de futebol, o que corresponde a cerca de 20% do território da ilha. 

Em conta no Instagram, criada no intuito de chamar atenção para a luta contra o megaempreendimento, eles dizem que "os danos causados seriam irreparáveis para o ecossistema do local, indo na contramão do turismo ecológico e sustentável". Além disso, afirmam que "a possível construção em Castelhanos coloca em risco a população de São Sebastião (Cova da Onça), os manguezais, os locais de desova de tartarugas e uma biodiversidade que é ainda abundante".

A estrutura, da Mangaba Cultivo de Coco Ltda, contará com 69 lotes, 25 casas, duas pousadas de 25 quartos, aeroporto, grande estrutura náutica e um campo de golfe.

De acordo com Bruno Vilela, professor de Ecologia da UFBA (Universidade Federal da Bahia) e coordenador do programa de pós-graduação em Ecologia da universidade, a construção em Boipeba é só mais um dos inúmeros casos de destruição das áreas naturais.

Ele comentou que, apesar de a Bahia ser um dos estados mais ricos em sociobiodiversidade, "há anos que figura entre os estados que mais destroem as nossas áreas naturais, afetando os recursos naturais e consequentemente as populações locais que dependem desses ambientes".

Em estudo realizado pelo Mapbiomas há sete meses, em julho de 2022, a Bahia era o quinto estado com maior desmatamento em todo o Brasil. Na época, a área desmatada no território baiano era de 417 hectares por dia, o equivalente a mais de 400 campos de futebol por dia.

"Isso tem ocorrido não por uma falta de fiscalização, mas por uma política de estado. Recentemente, estudos do IMATERRA, em parceria com a UFBA, demonstraram que a maior parte do desmatamento na Bahia é autorizado pelo INEMA, e essas autorizações de supressão de vegetação não estão seguindo adequadamente os requisitos legais", alerta o ecólogo.

Ainda conforme Vilela, ecólogos alertaram, em uma carta ao governador Jerônimo Rodrigues (PT), sobre o perigo de continuar com a atual política ambiental que, segundo ele, é "destoante do programa nacional, mas na prática, nada foi feito". 

O especialista declara ainda que a construção pode afetar "drasticamente" a biodiversidade e as populações locais, que dependem desses recursos.

"Ao destruir uma área tão grande num espaço reduzido e isolado como uma ilha, você estará necessariamente levando diversas espécies a um processo de extinção local. Esse processo de desaparecimento de espécies afeta todo o ecossistema que está intrinsicamente interligado, com consequências graves para as populações locais, que veem seus recursos pesqueiros diminuírem ou desaparecer, dentre outros problemas graves que podem surgir em decorrência desse impacto, como novas doenças e pragas agrícolas", explicou.

A forma ideal de fazer uma estrutura como essa sem afetar o ambiente, segundo Vilela, seria utilizar áreas que possuem uma menor "relevância ecológica", ou seja, espaços que já foram desmatados e hoje podem ser utilizadas para a implementação desse tipo de empreendimento. 

"No caso do turismo isso é ainda mais importante, porque ao destruir o meio ambiente local você está desvalorizando a atratividade daquela região, como aconteceu em diversos locais ao redor do mundo. Além disso, um processo de desenvolvimento sustentável deve necessariamente considerar não só os impactos ambientais, mas os aspectos sociais de um projeto", afirma.

"É preciso garantir que um empreendimento dessa natureza deve garantir benefícios concretos para a população local. Não se pode esperar que a população aceite a destruição de um bem público para benefício de poucos, visando um turismo de luxo irresponsável ambientalmente, esse é um modelo ultrapassado e que vai na contramão do mundo", finaliza.

A obra está prevista para acontecer em uma área pública que pertence à União, que devia ser protegida por Lei Federal, porém, a indicação foi do Governo da Bahia a pedido do Governo Federal, ainda em 2019, quando Jair Bolsonaro (PL) era presidente da República. 

A Mangaba Cultivo de Coco tem como sócios José Roberto Marinho, um dos herdeiros do Grupo Globo, e Armínio Fraga, economista e ex-presidente do Banco Central no governo (1999-2003). 

Classificação Indicativa: Livre

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