Coronavírus

Estudantes de medicina da UNEB encontram dificuldades para abreviar formação e colar grau durante pandemia

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Os alunos argumentam que poderiam concluir formação com base na MP 934/2020 - que suspendia a obrigatoriedade quanto a quantidade mínima de dias letivos em 2020. UNEB diz que norma não obriga instituição a adiantar colação de grau. Episódio foi parar na justiça  |   Bnews - Divulgação Reprodução/ ADUNEB

Publicado em 24/02/2021, às 14h30   Marcos Maia


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Encontrando dificuldades para colar grau em meio a pandemia do novo coronavírus, um grupo de alunos do 6º ano do curso de medicina da Universidade Estadual da Bahia (UNEB), último da formação, decidiu recorrer à justiça para conseguir se formar.

Os estudantes argumentam que cumpriram os pré-requisitos da Medida Provisória 934/2020 (MP 934/2020) que suspendia a obrigatoriedade de escolas e instituições de ensino cumprirem uma quantidade mínima de dias letivos em 2020, em virtude da crise sanitária provocada pela Covid-19. 

Editada pelo Governo Federal e publicada no Diário Oficial da União em 1º de abril do último ano, o texto previa que instituições de educação superior poderiam abreviar a duração dos cursos de Medicina, Farmácia, Enfermagem e Fisioterapia. 

Neste contexto, os discentes do curso de medicina poderiam ter sua formação abreviada desde que tivessem cumprido 75% do internato do curso - estágio prático essencial para a formação da carreira. 

A MP foi aprovada no congresso meses depois, em julho de 2020, seguindo para sanção presidencial no mesmo período. A norma valia até a conclusão do ano passado, e era associada ao estado de calamidade pública decretado em virtude da covid-19.

Com base no argumento, oito alunos - admitidos no curso no segundo semestre de 2014, com previsão de concluir a formação em 2020 - até conseguiram êxito na justiça de primeiro grau no final de janeiro de 2021. Contudo, a decisão acabou sendo reformada em recurso posterior da UNEB, analisado pelo 2º grau na última segunda-feira (22).

Acordo

Os estudantes narram que as atividades do curso tiveram de ser suspensas em 16 de março do ano passado, em virtude das medidas de isolamento que tiveram de ser implementadas para conter o avanço do Sars-Cov-2.    

Pouco mais de quatro meses depois, um ofício encaminhado pelo secretário estadual de Saúde, Fábio Vilas Boas, em 22 de julho, determinou que os estágios obrigatórios de graduações de Saúde nas instituições de ensino superior - inclusive na modalidade internato - deveriam retornar em todos os estabelecimentos de Saúde. 

Ainda assim, isso não foi suficiente para que as atividades fossem retomadas. Os alunos do 6º ano chegaram a impetrar um mandado de segurança para que as atividades retornassem. Contudo, após um período de negociações com a coordenação do curso na época, foi  firmado um acordo para a retomada das atividades. 

A Comissão de Internato propôs um programa de rodízio de internato que acabou homologado pelo Colegiado de Medicina da instituição, viabilizando o retorno das atividades presenciais dos estudantes do 11º semestre.

Em 20 de outubro do ano passado, por meio de uma reunião realizada por videoconferência, a então coordenadora do curso de medicina, Ana Gabriela Travassos propôs, entre outras práticas, a adoção de um rodízio que começaria em 9 de novembro e terminaria no dia 27 de dezembro - o que daria um total de sete semanas.

"No dia 27 de dezembro os discentes do curso de medicina, turma 2014.2, irão finalizar o 11º semestre e terão cursado 75% do internato de medicina, mediante aprovação nos referidos rodízios", descreve documento sobre o que foi deliberado no encontro.

Decisões

"Nesse cronograma, todos os alunos deste 6º ano tinham de completar essa carga horária de 75% no dia 27 de dezembro. E assim foi feito”, conta Filipe Prado, advogado de um dos discentes, o estudante Caio Pinto Teixeira Araújo. 

Contudo, mesmo assim, Caio e os demais tiveram a solicitação para colação de grau antecipada negada pela UNEB - o que motivou que o grupo fosse à justiça para requerer em caráter de tutela de urgência que a instituição promovesse o pedido do grupo.

Assim, em 29 de janeiro, os estudantes conseguiram na justiça o direito de colar grau. Na decisão, o juiz da 5ª Vara de Fazenda Pública, Manoel Ricardo Calheiros D'Avila, fixou um prazo de 15 dias para que a colação acontecesse - além da fixação de uma multa no valor de R$ 5 mil por dia em caso de descumprimento da medida.

O prazo chegaria ao final nesta terça-feira (23), mas na véspera, uma decisão da desembargadora Gardênia Pereira Duarte, presidente da 4ª Câmara Cível do Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), reformou a decisão da 5ª Vara na tarde da última segunda ao julgar um agravo de instrumento interposto pela UNEB. 

Em linhas gerais, ela fundamentou sua decisão com base na autonomia das universidades. No documento, Duarte cita ainda uma resolução do Conselho Estadual de Educação do Estado, que dispõe sobre a antecipação da colação de grau para alunos dos cursos de Saúde.

"A Medida Provisória 934/2020 e a Resolução no 36/2020 do CEE são expressas ao concederem uma faculdade às instituições de ensino para abreviarem o curso de medicina. Inexistindo obrigação para que antecipem a colação de grau dos seus discentes, como pretendem os agravados. A resolução estadual, inclusive, ressalta a autonomia das instituições de ensino acerca da referida antecipação.", escreveu.

Entre outros argumentos, a UNEB defendeu que a MP 934/2020 e a Portaria 374/2020 - que, editada pelo ministério da Saúde, também autorizava a antecipação em parâmetros semelhantes a da MP - apenas havia facultado às instituições de ensino que adiantassem a colação de grau, "não impondo a obrigatoriedade de que isso ocorresse".

A instituição também registra a importância dos agravados cumprirem a grade curricular por completo, deixando claro que estes “não estão aptos” a exercer o ofício da medicina.

Em conversa com a reportagem, Prado refutou o argumento. "A UNEB diz que estes alunos não estão preparados, mas oito ou nove deles estão devidamente aprovados no SUS Bahia para vagas de residência, mostrando que diferente do que a Universidade diz, eles estão preparados para enfrentar o mercado de trabalho", rebate o advogado.

Ele explica que os estudantes aprovados não puderam assumir as vagas conquistadas porque a banca examinadora do processo seletivo exige a colação de grau. "Um dos alunos da UNEB, inclusive, tirou uma das maiores notas. O acadêmico Cícero Rodrigues Veloso. Ele é simplesmente o terceiro colocado em neurologia do Estado”, destaca o defensor.

Precedente

O tom adotado pela magistrada de 2º grau foi diferente do entendimento do colega de Corte José Aras, que, em maio do ano passado, havia deferido liminarmente a colação de grau de um outro grupo de alunos de medicina da UNEB. A decisão aconteceu no âmbito de um mandado de segurança cível em trâmite na Seção Cível de Direito Público do TJ-BA. 

"Nesta senda, há de ressaltar que a situação em apreço se reveste de uma importância muito além do mero aspecto processual, pois a pandemia do Covid-19, que atualmente assola o mundo, necessita de medidas emergenciais, motivo pelo qual o próprio Ministério da Educação revogou critérios de cumprimento de carga horária do internato e dos estágios", escreveu Aras, relator do processo, em referência a medida provisória.

No âmbito deste mandado de segurança, no último dia 1º de fevereiro, por meio de um parecer, o Ministério Público da Bahia (MP-BA) se manifestou  favorável aos termos da liminar deferida pelo desembargador no ano passado.

"[...] os impetrantes atenderam tais condições, conforme se extrai dos documentos juntados, onde demonstram ter cumprido muito além dos 75% da carga horária prevista para o período de internato médico ou estágio supervisionado [...]", aponta a promotora Elna Leite.

“Essa turma de medicina de dois semestre atrás se graduou através desta liminar. A turma subsequente - que não é exatamente a do Caio - requereu que fosse estendido esse entendimento [da liminar] para eles”, explica Prado. O defensor acrescenta que este último  grupo de alunos também teve sucesso sem que precisasse recorrer à Justiça. 

Processo Administrativo

Paralelo a situação dos alunos do 11º semestre, os estudantes do 5º ano de medicina da Uneb seguem aguardando o retorno das atividades do curso. Sem aula há mais de um ano, estes discentes decidiram procurar o MP-BA para encontrar uma solução.

Em novembro de 2020, estes estudantes, em comunicação encaminhada ao parquet, informaram que não havia sido apresentado até aquele instante um plano de retomada das atividades, e reiteraram que o retorno das atividadades estava condicionado à contratação de professores via concurso.

Os discentes chegaram a propor um remanejamento dos professores em um ciclo intermediário e instauração de um rodízio - todas medidas que foram desconsideradas pela universidade.

Por fim, com base na notícia fato realizada por um estudante de medicina do curso, foi instaurado um procedimento administrativo através de seu Grupo de Atuação Especial de Defesa da Educação (GEDUC), para apurar “suposta violação ao direito educacional dos estudantes do 5º ano do internato de medicina da UNEB”, pela ausência de elaboração de um plano de retorno das atividades do estágio curricular obrigatório.

No último dia 19 de janeiro, o promotor José Renato Olivia de Mattos solicitou que a Coordenação de Desenvolvimento de Educação Superior da Secretaria de Educação Estadual encaminhasse uma série de informações dentro de um prazo de 10 dias. Entre elas estavam quais providências eram tomadas para o retorno das atividades para os alunos do 5º ano, e o que vinha sendo feito em relação ao déficit de professores.

Antes disso, em 16 de dezembro de 2020, a Coordenação do curso de Medicina da Uneb foi oficiada para que tomasse conhecimento das denúncias e comunicasse, além das providências adotadas para um plano de retorno das atividades do 5º ano, o que vinha sendo feito em relação a carência de professores na áreas de medicina familiar e pediatria descrita na notícia fato.

No início de 2021, em 7 de janeiro, o prazo para conclusão da notícia fato foi prorrogado pelo prazo de 90 dias

Outro Lado

O BNews procurou a UNEB na tarde da última terça-feira (23), através de sua assessoria de comunicação, para que se posicionasse a respeito da situação destes alunos do curso de medicina. 

Por meio de nota encaminhada na manhã desta quarta-feira (24), a direção do Departamento de Ciências da Vida (DCV) da UNEB reiterou o argumento de que não foi imposta às instituições de ensino a obrigatoriedade de abreviar a formação de seus discentes durante a pandemia.

“Ao abrir mão de cumprir inteiramente o internato do 12º semestre, os alunos deixarão de cumprir 880 horas de atividades práticas, que certamente causarão prejuízo à aquisição de muitas competências (conhecimentos, habilidades e atitudes), das áreas que não cumprirem integralmente, a saber: Internato em Cirurgia II, Internato em Emergências II (importante rodízio em emergência a ser realizado no Hospital Geral do Estado [440 horas], com competências que não foram adquiridas no Internato em Emergências I [com apenas 160 horas] e Internato em Saúde da Família e Comunidade II)”, defende.

Quanto ao retorno das atividades do curso,​ a Universidade afirma que um plano de retorno do internato do 5º ano - que contempla os 9º e 10º semestres do curso - foi apresentado aos  estudantes. Desta forma, um novo semestre terá início no próximo dia 8 de março. 

Por fim, sobre as alegações de déficit no quadro de professores, a UNEB afirmou que está finalizando os trâmites para a publicação do edital de contratação de novos docentes. O certame prevê seleção pública simplificada de 21 professores substitutos nas áreas de Pediatria, Ginecologia-Obstetrícia e Saúde da Família e Comunidade.  

Leia abaixo a íntegra da nota emitida pela Universidade Estadual da Bahia (UNEB): 

"A Medida Provisória 934/2020 e a Resolução no 36/2020 do CEE são expressas ao concederem uma faculdade às instituições de ensino para abreviarem o curso de medicina. Inexistindo obrigação para que antecipem a colação de grau dos seus discentes, como pretendem os agravados. 

A resolução estadual, inclusive, ressalta a autonomia das instituições de ensino acerca da referida antecipação. Em tempo, o colegiado do curso de Medicina e Núcleo Docente Estruturante (NDE), avaliou o pleito dos estudantes do 6º ano de Medicina, no tocante a antecipação de colação de grau e indeferiu justificando:  

1. A Lei 14.040/2020, flexibiliza a redução de carga horária, mas não há obrigatoriedade para tal. Assim, a UNEB não tem que mudar o Projeto Político-Pedagógico (PPP) do curso de medicina se não for considerado adequado, sobretudo do ponto de vista pedagógico, sendo este o foco da análise do NDE.  

2. Ao abrir mão de cumprir inteiramente o internato do 12º semestre, os alunos deixarão de cumprir 880 horas de atividades práticas, que certamente causarão prejuízo à aquisição de muitas competências (conhecimentos, habilidades e atitudes), das áreas que não cumprirem integralmente, a saber: Internato em Cirurgia II, Internato em Emergências II (importante rodízio em emergência a ser realizado no Hospital Geral do Estado [440 horas], com competências que não foram adquiridas no Internato em Emergências I [com apenas 160 horas] e Internato em Saúde da Família e Comunidade II).  

3. Diante disso, a aceitação da redução da carga horária para 75% do total definido para o curso de medicina, não pode se basear apenas no aspecto quantitativo. Ela deve abarcar o aspecto qualitativo da formação, e essa inclui a exposição às atividades necessárias. 

Sobre o retorno das atividades do curso,​foi elaborado um plano de retorno do internato do 5º ano (9º e 10º semestres), apresentado também aos estudantes. O semestre iniciará no dia 08/03/2021, acompanhando o calendário acadêmico da UNEB. 

 Em tempo, a respeito da contratação de novos docentes para o curso, a universidade informa que está finalizando os trâmites para a publicação do edital, que prevê seleção pública simplificada de 21 professores substitutos nas áreas de Pediatria, Ginecologia-Obstetrícia e Saúde da Família e Comunidade."

Classificação Indicativa: Livre

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