Justiça

Especialistas esclarecem celeuma nas investigações das obras de revitalização na Orla da Barra

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Bnews - Divulgação Montagem // Reprodução

Publicado em 02/03/2018, às 18h05   Rafael Albuquerque


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Uma celeuma jurídica está tomando conta da capital baiana. Duas investigações estão em andamento, uma pela Polícia Federal e uma pela Polícia Civil, desde que André Vital Pessoa de Melo, executivo da Odebrecht, afirmou, em delação premiada, que "houve irregularidades durante o processo licitatório associado às obras de requalificação da orla da Barra, em Salvador". 

Além da dor de cabeça do prefeito ACM Neto, que nega as denúncias, houve a crise institucional entre a prefeitura, a Polícia Federal e a Polícia Civil. Isso porque em outubro de 2017 o juiz Antônio Oswaldo Scarpa, da 17ª Vara Especializada Criminal confirmou que a competência da investigação de desvio de verbas das obras da orla da Barra é da Polícia Federal. Posteriormente, em novembro de 2017, a delegada Ana Carolina Rezende, coordenadora do Departamento de Repressão e Combate ao Crime Organizado (Draco), comunicou ao superintendente da PF na Bahia, Daniel Madruga, que estava instaurando o inquérito policial para investigar possíveis irregularidades em licitações e execuções relacionadas às obras de requalificação da orla, após denúncia protocolada pelo deputado federal Afonso Florence. Em dezembro, de acordo com documento oficial, o Ministério Público Federal declina ao Ministério Público da Bahia o procedimento referente ao caso.

Ao BNews, o advogado criminalista e professor de direito penal Ricardo do Espírito Santo explicou: "a competência da Justiça Federal  existe quando há interesse da União, quando há verba federal, quando estão em jogo bens, serviços e verbas da União. Sendo competência da Justiça Federal, quem tem atribuição pra investigar é a Polícia Federal", explicou em linhas gerais. O advogado afirmou que em regra, quando não há verba federal a competência recai para a Justiça Estadual, mas há exceções: "existem situações em que a verba é federal, mas é incorporada ao patrimônio municipal. Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeitos quando as verbas supostamente desviadas forem transferidas do governo federal e incorporadas ao patrimônio do município. Se o município não ficou sujeito à prestação de contas ao órgão federal, então é uma verba incorporada". Neste caso, quando a verba é incorporada, o município não mais deve prestar contas ao órgão federal, o Tribunal de Contas da União, e sim ao Tribunal de Contas dos Municípios, onde houver, ou Tribunal de Contas do Estado. 

E foi justamente essa informação que a delegada responsável pelo caso tentou buscar no TCU no dia 12 de janeiro deste ano com o envio dos seguintes questionamentos: a origem da verba utilizada para obra; se houve prestação de contas em razão de utilização de verba federal; e cópia de todos os documentos relacionados às informações anteriormente solicitadas. Segundo o professor, "é preciso saber se essa verba federal foi incorporada ao patrimônio do município. Se foi, cabe investigação da Polícia Civil e julgamento do prefeito (se for o caso) no TJ-BA, porque ele tem prerrogativa de foro". Ele explica que existem duas súmulas no Superior Tribunal de Justiça que versam sobre o assunto: 

SÚMULA N. 208
Compete à Justiça Federal processar e julgar prefeito municipal por desvio de verba sujeita a prestação de contas perante órgão federal.

SÚMULA N. 209
Compete à Justiça Estadual processar e julgar prefeito por desvio de verba transferida e incorporada ao patrimônio municipal.

A Secretaria da Segurança Pública do Estado da Bahia (SSP-BA) não reconheceu a invasão de competência. Por meio de nota enviada ao BNews, a secretaria afirmou que o Draco seguirá com as investigações que apuram indícios de práticas criminosas na  licitação das obras de revitalização da Barra, em Salvador, e de outras construções na cidade. “Por se utilizar de verba incorporada ao patrimônio do município, a atribuição da investigação permanece com a Polícia Civil, conforme documentos encaminhados pelo Ministério Público Federal, apontando ser do âmbito estadual a competência de investigação dos casos”. Ainda de acordo com a SSP-BA, “boa parte das peças que integram o inquérito que apura as irregularidades foi cedida pela Justiça Federal à Polícia Civil da Bahia”. 

A SSP-BA enviou ao site um documento do MPF declinando da competência de investigação e repassando o caso para o Ministério Público Estadual.

A resolução do imbróglio, que versa sobre a competência para investigar supostos desvios de verbas das obras na Orla da Barra, passa muito mais pelo destrinchamento das denúncias e se elas são de atribuição estadual ou federal do que da origem da verba. Pelo menos é o que atesta o professor e advogado de Direito Empresarial e Constitucional Rodrigo Andrade de Almeida. "A Constituição distribui competência entre os entes da Federação. Normalmente fica como competência da União situações que envolvam mais de um estado, mais de uma região, etc. assim vai para a Justiça Federal. No caso em questão, à primeira vista a competência seria da Justiça Federal, com investigação da Polícia Federal".

Questionado sobre a atuação das duas polícias no mesmo caso, Almeida destacou: "como tem mais de um recurso, você poderia ter a possibilidade crimes de competência estadual e crimes de competência federal. Se a polícia estadual estiver investigando fatos que denotem crimes da competência federal, aí não pode. Em tese não haveria problemas das duas polícias estarem investigando os fatos, cada um dentro da sua esfera de competência. O que existem são denúncias, então não se sabe se foram cometidos crimes e quais os crimes". 

O que chama atenção, segundo o advogado, é a polícia civil estar investigando objeto de denúncia que está em andamento na Polícia Federal. "A Polícia Civil está abarrotada de inquérito, de trabalho. Se há uma decisão da Justiça Federal dizendo que a competência é da PF, causa estranheza que mesmo com essa decisão a Polícia Civil esteja investigando. Ou está investigando outro fato que não está na investigação federal e atropelando a decisão do juiz".

Em suma, há duas possibilidades de investigação, tanto pela Polícia Federal quanto pela Polícia Civil na Bahia. Mas de quem é a competência para tal caso só será exposta no decorrer das investigações, já que as apurações a nível federal correm em segredo de Justiça.

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