Justiça

“Ela era escrava dele”, diz família de bancária vítima de feminicídio em Salvador

Vagner Souza/BNews
Veja detalhes das investigações e da ação penal contra o marido da vítima e uma jovem de 22 anos, apontados como autores do crime  |   Bnews - Divulgação Vagner Souza/BNews

Publicado em 01/12/2020, às 14h55   Yasmin Garrido


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Filha única em uma família de Itabuna, a bancária S.R.V.S.A, 42 anos, vítima de feminicídio em abril de 2019, em Salvador, quando era sub-tabeliã em Feira de Santana, perdeu o pai logo na infância. Ela, que deixou duas filhas de 6 e 11 anos, foi criada muito próxima de primos, tios e com a mãe, que morreu neste ano, vítima da Covid-19, sem poder, sequer, se despedir das netas.

Em conversa com o BNews nesta terça-feira (1º), a família contou que, desde o início das investigações do crime que tirou a vida de S.R.V.S.A, o marido dela e principal suspeito do feminicídio, detentor da guarda das filhas, proibiu que as crianças tivessem contato com qualquer parente materno.

“Ela agora só tem a família, os primos, porque os tios são mais velhos e uma, que tem 64 anos, inclusive, está com depressão desde a morte dela, para tentar fazer justiça. A gente acompanhou o estado dela, como ela vinha sendo torturada, obrigada a cometer atos libidinosos. Ela tentou se separar, ia ao interior ficar com a família, mas ele ia atrás e a convencia a voltar. Ela era uma escrava dele”, disse um membro da família, que preferiu não se identificar.

Os familiares narraram, ainda, que, por diversas vezes, tentaram contato com as crianças, sendo proibidos até de frequentarem a escola onde as duas estudam, em Feira de Santana, bem como de falar ao telefone ou ter acesso a qualquer tipo de informação passada por funcionários do pai das meninas.

“Elas passaram o Réveillon em Itacaré, inclusive, com a outra pessoa também acusada do feminicídio que, duas semanas após a morte de S.R.V.S.A, já se mudou para a casa onde ela morava e passou a conviver com as crianças. A gente tentou contato, porque eles estavam hospedados próximo a onde moramos, mas não deu. Ele proibiu qualquer tipo de contato. Ele quer apagar a imagem de S.R.V.S.A da vida das filhas”, disse a família.

Denúncia e inquérito
Os familiares de S.R.V.S.A disseram ao BNews, nesta terça-feira (1º), que as agressões sofridas por ela eram de conhecimento dos empregados do casal. “As funcionárias mentiram perante a autoridade policial. Disseram que desconheciam as agressões, mas elas sabiam de tudo e nos contavam. Uma chegou a dizer uma vez que ouvia, à noite, barulhos do marido batendo a cabeça de S.R.V.S.A na parede”.

Um dos familiares chegou a dizer que, por diversas vezes, S.R.V.S.A tentou se divorciar do marido, que agora é acusado pelo Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) de ser um dos autores do feminicídio que tirou a vida dela. De acordo com o relatado ao BNews, o marido dizia sempre “que a esposa era ela e que as outras mulheres com quem eles convivam eram apenas fetiches”.

Desde que foi aberto um boletim de ocorrência sobre o caso de S.R.V.S.A, logo após ela dar entrada no Hospital São Rafael em 14 de abril de 2019, com escoriações pelo corpo e hematomas no crânio, vindo a óbito, o caso foi enviado à 10ª Delegacia Territorial, sendo encaminhado, em seguida, à 12ª DT de Itapuã.

Na denúncia, o MP-BA relatou que o delegado responsável pelo inquérito sobre a morte de S.R.V.S.A se manteve inerte por 90 dias, até que, após pedido do próprio órgão estadual, o delegado-geral Bernardino Brito Filho determinou, em 6 de agosto de 2019, o encaminhamento dos autos à DHPP de Salvador, onde o procedimento foi concluído, sendo ouvidas as partes envolvidas, inclusive os acusados e as testemunhas.

Com a conclusão do inquérito pelo DHPP, o MP-BA denunciou o delegado da 12ª DT de Itapuã à Corregedoria da Polícia Civil, que, segundo o órgão, está apurando os motivos que levaram à demora das investigações. O BNews, nesta segunda-feira (30), tentou contato com o delegado Nilton Tormes, mas não obteve retorno até o momento.

“Foram passadas à 12ª DT todos as informações do dia das agressões sofridas por S.R.V.S.A, desde o momento em que ela desceu para a garagem, já machucada, pegou o carro e saiu do prédio, mas, enquanto o inquérito ficou parado, nunca foram pedidas essas imagens ao condomínio”, disse a família.

Outro aspecto trazido pelos familiares foi a ausência de intimação do marido de S.R.V.S.A logo após a constatação do óbito dela, o que só aconteceu com o procedimento já no DHPP, quando ele prestou depoimento à delegada Marta Karine Menezes de Aguiar. “A gente confia no MP-BA, no promotor Davi Gallo e também na força da imprensa para conseguir que a justiça seja feita”.

Ainda de acordo com familiares, no momento em que prestou depoimento ao DHPP, o marido disse que S.R.V.S.A., na noite em que foi socorrida no posto de gasolina na Avenida Paralela, havia dado uma mordida no dedo do pé dele. "Essa mordida só comprova que ela estava caída no chão, porque só assim conseguiria morder o pé de alguém", disse um dos familiares.

A família também ressaltou que a todo momento, perante o DHPP, os dois acusados da morte de S.R.V.S.A. disseram que ela era usuária de drogas, como forma de justificar a agressão que alegaram ter sofrido na noite de 14 da abril de 2019.

"Se ela passou a fazer uso de ecstase foi através dele, para que pudesse realizar os desejos sexuais do marido. E, ainda que ela fosse usuária, homosexual ou bisexual, nada justifica tamanha agressão", desabafou.

Pós-morte
A palavra que define a vida da família após a morte de S.R.V.S.A é “destroçada”. Os parentes explicaram ao BNews que as duas filhas menores do casal, que estão, segundo eles, proibidas de terem qualquer contato com os parentes maternos, tinham em tios e primos da mãe as bases familiares.

“As meninas cresceram com a gente. Quando os pais precisavam viajar, o que acontecia com frequência, por causa da profissão dele, a gente ia ficar com elas em Salvador, para não atrapalhar rotina da escola nem a vida delas”, disse um dos familiares da vítima. Ainda de acordo com a família, “todos acreditam que exista uma tentativa de o pai apagar da memória das filhas a imagem da mãe”.

O BNews teve acesso à integra dos depoimentos prestados pelos dois acusados de cometer feminicídio contra S.R.V.S.A, o marido dela e uma jovem de 22 anos que formava uma espécie de trisal com eles. Nas declarações dadas perante a delegada Marta Karine Menezes de Aguiar, ambos disseram que, no dia em que foi hospitalizada, a bancária havia feito uso de drogas e estava descontrolada, tendo, inclusive, agredido os dois.

“Nós somos uma família do interior e, muito por isso, somos todos muito próximos. Com a morte de S.R.V.S.A, a gente perdeu também as crianças. Ficamos sabendo, inclusive, que, em Feira de Santana, as pessoas atribuem a morte dela ao uso de drogas, a uma overdose, como se ela tivesse se matado. Queremos fazer justiça pela imagem dela e queremos ter contato com as meninas, que são a parte de S.R.V.S.A que nos resta, além das lembranças”, desabafou um familiar.

A família também disse ao BNews que, assim que foi impedida de ter contato com as menores, buscou ajuda da Defensoria Pública do Estado da Bahia (DPE-BA), para que fosse solicitado na Justiça o direito de visitação, sendo aconselhada a aguardar os desdobramento da ação penal de autoria do MP-BA contra o pai das meninas e a outra acusada do feminicídio.

“Desde o dia 20 [quando o processo foi distribuído no Tribunal de Justiça da Bahia] até a data de hoje, o juiz não apreciou nada. Diante dos escândalos do Judiciário, a gente fica desacreditado. A gente quer ver a justiça ser feita, pela imagem de S.R.V.S.A. Não é possível que vá haver impunidade. Ela lutou pela vida, pela família, ele destruiu. E agora a gente luta pela honra dela”, disse a família.

Conforme checado pelo BNews nesta terça-feira (1º), o processo encontra-se concluso desde o dia 23 de novembro, sem ter havido nenhum outro ato que não a juntada da inicial da ação penal do MP-BA.

Desde a segunda-feira (30), o BNews tenta contato com os dois acusados da morte de S.R.V.S.A., seja por meio dos números fornecidos por eles ao DHPP ou por mensagem de texto, bem como com as respectivas defesas, sem sucesso. A equipe do site esclarece que está aberta a ouvir a todos, em respeito aos princípios do contraditório e da ampla defesa.

Classificação Indicativa: Livre

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