Justiça

Triângulo da morte: MP-BA pede prisão de acusados do feminicídio de bancária em Salvador

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Mulher foi morta com golpes na cabeça após suspeita de série de agressão de marido e amante  |   Bnews - Divulgação Vagner Souza/BNews

Publicado em 01/12/2020, às 06h54   Yasmin Garrido


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O Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) ofereceu denúncia e pediu a prisão preventiva de um homem e uma jovem de 22 anos, acusados de serem os autores do feminicídio contra a bancária S.R.V, 42 anos, ocorrido em 14 de abril de 2019, em Salvador.

Em denúncia detalhada apresentada ao Tribunal de Justiça da Bahia (TJ-BA), em 20 de novembro de 2020, que o BNews teve acesso na íntegra, o promotor Davi Gallo narrou como aconteceu o assassinato, que, segundo inquérito policial concluído pelo DHPP, teve requintes de crueldade e foi praticado por motivo torpe, sem dar à vítima a chance de defesa.

De acordo com a denúncia, que ainda está pendente de recebimento pelo 2º Juízo da 1ª Vara do Tribunal do Júri, um dos denunciados era marido da vítima e a outra acusada integrava um “triângulo amoroso” com o casal. No entanto, o relacionamento a três acontecia, segundo MP-BA, por imposição do homem, sendo S.R.V.S.A obrigada a participar.

Triângulo
Com a conclusão do inquérito policial pelo DHPP, o que se depreende dos fatos, de acordo com o MP-BA, é que a vítima e um dos denunciados conviviam há 24 anos e tinham duas filhas menores. A vítima S.R.V.S.A era natural de Feira de Santana e trabalhava como bancária. Já o marido, era formado em Direito, além de, à época do feminicídio, ocupar um cargo importante em um instituto da Bahia.

“O relacionamento entre a vítima e o denunciado se encontrava bastante conturbado, em razão da ocorrência de agressões e ofensas constantes e pelo fato de ele (...) desejar manter um relacionamento extraconjugal, o qual deveria ser do conhecimento da vítima e cujo atos deveriam acontecer na presença desta, a qual não concordava, posto que, era Cristã e tal situação ia de encontro a seus valores e à própria formação familiar”, escreveu o promotor.

Ainda de acordo com a denúncia, o marido fez a vítima acreditar que a relação extraconjugal aconteceria apenas uma vez. No entanto, após uma festa em que foram juntos na Quinta Portuguesa, na capital baiana, conheceram uma jovem de 22 anos, que é a segunda acusada pelo MP-BA de ser autora do feminicídio contra S.R.V.S.A.

Ao casal, a jovem contou que tinha problemas com a mãe, motivo pelo qual a vítima a convidou para ir até o apartamento do casal, na Avenida Paralela, em Salvador. “Findo os três dias de festa, apenas a segunda denunciada continuou mantendo relacionamento sexual com vítima e o primeiro denunciado, sendo certo que a segunda denunciada passou a alternar períodos na residência da sua genitora e outro no apartamento”, disse o MP-BA.

Ainda conforme a denúncia do órgão estadual, com o passar do tempo, já com o “triângulo amoroso”, o marido “teria perdido o amor que sentia pela vítima, vez que teria se apaixonado pela segunda denunciada, o que gerou, a partir de então, várias discussões e agressões físicas do denunciado em relação” a S.R.V.S.A.

Dia da morte
Após voltarem de uma festa no Terminal Náutico de Salvador, onde “fizeram a ingestão de substância entorpecente e álcool’, os três foram a um after na ladeira do Santo Antônio Além do Carmo, retornando ao apartamento do casal somente às 9h43 de 14 de abril de 2019, dia em que a vítima havia marcado de ir a Feira de Santana encontrar as filhas, o que não aconteceu.

No apartamento, após um comentário da jovem de 22 anos, o marido de S.R.V.S.A deu início uma discussão e, após a vítima ter descido para a garagem, acabou retornando à residência, onde foi “golpeada covardemente em diversas partes do corpo pelos denunciados, cujos golpes foram dados na cabeça, nádegas, coxas, joelhos, braços e rostos, conforme testifica laudo cadavérico”.

De acordo com o MP-BA, mesmo bastante machucada, S.R.V.S.A conseguiu fugir de carro até um posto de gasolina, na Avenida Paralela, de onde entrou em contato com o cunhado e foi socorrida por uma ambulância do Samu até o Hospital São Rafael. Os socorristas ainda perguntaram ao cunhado se a vítima havia feito a ingestão de alguma drogas, momento em que ele ligou para o marido dela para tentar conseguir alguma informação.

O acusado, no entanto, chorou ao telefone e disse não ter condições de ir até o hospital, o que só aconteceu na manhã do dia seguinte, quando ele encontrou familiares de S.R.V.S.A e pediu perdão. Diante da gravidade dos ferimentos identificados, uma prima da vítima registrou boletim de ocorrência da Deam de Brotas, em Salvador, narrando todos os episódios anteriores de agressão que haviam sido confidenciados a ela.

“No dia 17/04/2020, a equipe médica do Hospital São Rafael constatou a morte cerebral de S.R.V.S.A, pois ela estava em coma irreversível. No entanto, antes da abertura do protocolo de morte cerebral, o denunciado solicitou ao nosocômio que o autorizasse a levar outros profissionais médicos para confirmar o diagnóstico, o qual foi devidamente autorizado”, afirmou o MP-BA.

Ao ser constatado o óbito de S.R.V.S.A, a prima dela “foi orientada pela Deam a procurar a 10ª Delegacia Territorial para noticiar a morte da vítima, com o fito de que fosse expedida a guia pericial para que o corpo fosse encaminhado ao Instituto Médico Legal”. Ao chegar no local, a competência do caso passou para a 12ª DT de Itapuã, demorando 90 até chegar ao DHPP, que, de fato, tem atribuição exclusiva em casos de homicídio.

Inércia
Apesar de ter sido expedida pela 12ª DT guia de autorização para perícia no veículo de S.R.V.S.A, que estava estacionado no posto de gasolina, na Avenida Paralela, o marido e suspeito do feminicídio pediu ao motorista do casal que removesse o carro do local, bem como que apagasse a memória ou vendesse o celular de S.R.V.S.A, o que aconteceu.

Ainda segundo o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA), o marido também levou o notebook pessoal da vítima para o trabalho, o qual ela utilizava como um diário, para tentar apagar todos os arquivos, o que foi feito em parte por um dos técnicos de informática do tabelionato.

“Em razão deste fato, bem como de outras situações aparentemente estranhas ocorridas durante a tramitação do inquérito policial na 12ª Delegacia Territorial, este Parquet determinou a remessa de cópia do procedimento para Corregedoria da Polícia Civil do Estado da Bahia para conhecimento e adoção das providências cabíveis e, caso necessário, responsabilização criminal dos agentes envolvidos”, relatou o MP-BA.

O encaminhamento do inquérito ao DHPP só aconteceu após o MP-BA relatar o caso ao delegado-geral que, em 6 de agosto de 2019, conforme ofício assinado por Bernardino Brito Filho, que o BNews acessou na íntegra, procedeu a redistribuição dos autos da investigação, para a “adoção das providências de polícia judiciária no que couber”. O inquérito foi recebido pela delegada Marta Karine Menezes de Aguiar em 16 de agosto.

O BNews entrou em contato com a Polícia Civil para saber o motivo da demora da 12ª DT de Itapuã em concluir o inquérito, quando recebeu como resposta que “a Corregedoria da Polícia Civil (Correpol) apura a atuação das 12ª DT sobre a investigação do caso”. A equipe também tentou contato com o delegado Nilton Tormes, responsável pela 12ª DT, mas não obteve retorno até o fechamento da reportagem.

Depoimentos dos acusados
Ao DHPP, em 30 de setembro de 2019, os dois acusados do crime de feminicídio contra S.R.V.S.A prestaram depoimento na presença da delegada Marta Karine Menezes de Aguiar. A jovem de 22 anos disse que, após o after na ladeira do Santo Antônio Além do Carmo, a vítima, já em casa, foi quem iniciou as agressões contra o marido. 

A acusada ainda afirmou ao DHPP que em nenhum momento o denunciado bateu na mulher, e que, a determinada hora, a vítima saiu do apartamento, dizendo que iria “espairecer”, enquanto ela ficou em casa com o marido, quando receberam a ligação do cunhado com a notícia de que S.R.V.S.A havia tido uma parada cardíaca dentro do carro, ainda na Avenida Paralela, próximo à residência do casal. Ela ainda disse no depoimento que não ouviu, em momento algum, o marido da vítima dizer ao cunhado que havia feito alguma besteira ou pedido perdão.

Já o marido disse ao DHPP que, após a festa, S.R.V.S.A chegou ao apartamento agitada e procurando briga, e que chegou a agredi-lo com uma mordida no dedão do pé. Ainda segundo ele, a vítima o ameaçou com uma garrafa de vinho quebrada e iniciou as agressões contra a jovem de 22 anos, momento em que ele precisou intervir. Depois disso, ele e a outra acusada ficaram no quarto, momento em que a vítima saiu de casa. Após isso, o acusado afirmou que recebeu a ligação do cunhado, dizendo que S.R.V.S.A havia sofrido uma parada cardíaca e estava sendo reanimada pelo Samu.

Diante de todas as conclusões do inquérito policial, que possui quase 2 mil páginas, assinado pela delegada Marta Karine Menezes de Aguiar, em agosto de 2019, que o BNews teve acesso na íntegra, nesta segunda-feira (30), o Ministério Público do Estado da Bahia (MP-BA) solicitou o recebimento da denúncia contra os dois acusados de cometer feminicídio contra S.R.V.S.A, bem como a prisão preventiva da dupla.

O BNews tentou contato com os números de telefone fornecidos pelos dois acusados no momento em que prestaram depoimento junto ao DHPP, acessados integralmente pela reportagem, bem como com os advogados que acompanharam eles nas oitivas, ocorridas em 30 de setembro de 2020, mas não obteve sucesso.

A exceção foi o advogado da jovem de 22 anos, Tiago Pereira Quesado, que retornou às ligações do BNews, na manhã desta segunda-feira (30), e afirmou que ainda não houve citação, uma vez que a denúncia está pendente de recebimento no TJ-BA e, caso seja expedida a intimação em nome da jovem, ele irá apresentar a defesa nos autos.

Após a matéria ser publicada, o advogado Fabiano Pimentel, que representa o outro acusado, entrou em contato com o BNews e afirmou que não existe qualquer prova nos autos que conduza à conclusão de que seu cliente e a acusada se uniram com a intenção de matar a vítima: 

"A Defesa constituída por E.M.L de A., com vistas a esclarecer os fatos veiculados na mídia envolvendo o seu constituinte, informa que o mesmo conviveu de forma harmoniosa durante 24 anos com a sua esposa, advindo desse relacionamento duas filhas, sendo absurda a tese veiculada na denúncia de que houve premeditação de crime de feminicídio. O relacionamento mantido entre o casal e a segunda denunciada era indubitavelmente consensual, não havendo qualquer prova nos autos que conduza à conclusão de que eles se uniram com a intenção prévia de ceifar a vida da Sra. S. R. V. de S. A., podendo-se constatar a completa inverossimilhança da tese acusatória.

Ressalte-se, inclusive, que consta dos autos a condição de saúde que acometia a vítima, não sendo possível afastar, nesse momento, a tese de que o resultado morte tenha advindo de consequências diretas do uso de substâncias entorpecentes sintéticas, constatado, inclusive por assistente técnico com larga atuação na área médica. Por fim, esclarece que Éden Marcio Lima de Almeida sempre se colocou à disposição das autoridades para esclarecimento
de todos os fatos e circunstâncias que envolveram o falecimento de sua esposa, afirmando sua total inocência, além de ter disponibilizado o acesso irrestrito aos aparelhos eletrônicos e demais objetos que pudessem ser relevantes para a investigação, inclusive o veículo conduzido por ela no momento do seu falecimento, demonstrando uma postura colaborativa com as investigações, o que torna o pedido de prisão formulado pelo Ministério Público um ato desnecessário e ilegal. 

Matéria atualizada no dia 2 de dezembro de 2020, para inserir a resposta da defesa do acusado

Classificação Indicativa: Livre

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