Economia & Mercado
O número de startups fechando suas portas nos Estados Unidos aumentou 60% no último ano, uma tendência preocupante que coloca em risco cerca de quatro milhões de empregos em organizações apoiadas por venture capital. Atualmente, a taxa de falência dessas startups é sete vezes maior do que em 2019, refletindo um ambiente onde os investimentos estão mais escassos e a sobrevivência das empresas depende cada vez mais de uma estratégia sólida e sustentável.
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Os dados resultam de um levantamento da consultoria jurídica SAFIE. “Essa escalada nas falências pode ser atribuída a diversos fatores, incluindo a dependência excessiva de quantias externas sem uma geração de receita robusta”, explica Lucas Mantovani, advogado especialista em direito da tecnologia e startups, e COO da SAFIE.
Segundo o especialista, quando startups priorizam a captação de investimentos sem um planejamento adequado, se tornam vulneráveis ao "vale da morte" — uma fase crítica onde muitas delas não conseguem superar os desafios financeiros e operacionais. “No contexto brasileiro, é essencial que as companhias foquem em criar modelos de negócios que permitam crescer de forma sólida, evitando a armadilha da dependência de capital de risco”, ressalta.
Segue um ping pong exclusivo com Mantovani:
1. Quais são os principais fatores por trás do aumento no número de falência de startups nos EUA?
Vejo que esse cenário pode ser atribuído a uma combinação de fatores, mas a escassez de capital causada pela elevação das taxas de juros é um dos principais. Esse cenário panorama aumenta a cautela dos investidores e eles tendem a se tornar mais exigentes. Além disso, muitas startups enfrentam dificuldades de gerar receita própria, ficando dependentes de rodadas de captação de recursos. Isso nunca é sustentável no longo prazo.
2. Esse cenário pode se repetir no Brasil?
Nossa realidade é um pouco diferente, mas não está imune a esse cenário. O volume de capital de risco no Brasil é naturalmente menor do que nos EUA, o que historicamente já forçou as startups brasileiras a serem mais cautelosas na gestão de seus recursos, e nós somos mais resilientes, já que empreender no Brasil “engrossa a casca” dos fundadores. Mas o aumento da taxa de juros no Brasil ocasionada por fatores políticos diminui a liquidez no mercado e afasta investidores desse tipo de ativo de risco. Ainda que o volume de investimentos aumente, esse capital vai estar muito mais criterioso e exigente. Empresas que não estiverem preparadas financeiramente e com a governança implementada dificilmente vão conseguir captar investimentos.
3. Quais são os indicadores de que uma startup está neste caminho?
Temos os indicadores clássicos, como fluxo de caixa, margem bruta e margem líquida, aumento da receita em comparação com os custos. Esses são mais visíveis para os fundadores e para o mercado. No entanto, vejo que existem indicadores menos visíveis e que acabam sendo ignorados, como uma dependência excessiva de capital externo para cobrir custos operacionais, a falta de um caminho claro para a rentabilidade, falta de planejamento estratégico, sócios que não possuem os mesmos valores, rotatividade elevada de funcionários e a perda de clientes-chave. Outro sinal de alerta é a incapacidade de alcançar metas de crescimento definidas em rodadas de investimento anteriores, o que pode indicar um modelo de negócios insustentável ou mal planejado.
4. Quais são as principais causas que levam uma startup ao "vale da morte"?
O "vale da morte" é uma fase crítica onde as startups esgotam seus recursos antes de conseguirem gerar receitas suficientes para sustentar suas operações. O que vejo com mais recorrência como causa para isso acontecer é a falta de planejamento financeiro adequado, mercado-alvo fora da realidade e a subestimação dos custos necessários para escalar o negócio. Muitas startups também caem na armadilha de tentar crescer rápido demais, sem estabelecer uma base sólida em termos de produto, mercado e operação. Do ponto de vista de governança, o desalinhamento entre fundadores e investidores em relação às expectativas de crescimento e retorno está entre as principais causas. Aliás, é o que as pesquisas sobre o assunto indicam. Ter um acordo de sócios saudável e a assessoria jurídica na hora de assinar os contratos de investimento evita esses desalinhamentos que levam à falência.
5. O que pode ser feito pelos fundadores para evitar ou diminuir as chances de falir no Brasil?
Eu costumo dizer que captar investimentos vicia. Aumenta a dopamina dos fundadores, pois é um recurso que cai na conta da empresa sem a pressão dos juros bancários. Isso pode se tornar um grande vilão na jornada da empresa. É importante que os fundadores estejam alinhados desde o início, cuidem da distribuição de participação societária (captable), invistam numa boa contabilidade para evitar problemas fiscais e reduzir custos tributários e foquem em gerar receita mais do que em captar investimentos. Os fundadores devem focar em construir um modelo de negócio sustentável desde o início, com uma visão clara sobre como gerar receita e alcançar a rentabilidade.
6. O cenário brasileiro tem alguma diferença do americano nesse sentido?
A principal diferença é o volume de capital disponível. Enquanto nos EUA as startups têm mais acesso a investimentos de venture capital, no Brasil, o capital é mais escasso, o que força as empresas a serem mais cautelosas em suas operações desde o início. Além disso, temos mais complexidade tributária e regulatória do país. Aqui é impossível construir uma empresa saudável no longo prazo sem ter assessoria contábil e jurídica desde o início - o que é comum nos EUA. Essas características acabam fazendo as startups brasileiras serem mais resilientes, em geral, forçando os fundadores a buscarem soluções criativas para crescer com menos dependência de capital externo, o que é uma vantagem competitiva.
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