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Junho Verde: Estudo aponta que mudança climática fragiliza setor elétrico do Brasil

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Planejamento elétrico nacional conta com um volume de chuvas representado pelo histórico de precipitação que pode não ocorrer.  |   Bnews - Divulgação Ilustrativa / Pixabay

Publicado em 29/05/2023, às 06h00   Redação


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O Brasil ainda não tem uma política concreta para enfrentar os impactos da mudança climática sobre seu sistema elétrico, segundo a pesquisa “Vulnerabilidade do setor elétrico brasileiro frente à crise climática global e propostas de adaptação”, recentemente lançada pelo ClimaInfo, em nome da Coalizão Energia Limpa.

De acordo com o estudo, ao não considerar adequadamente as alterações no clima, o planejamento elétrico nacional conta com um volume de chuvas representado pelo histórico de precipitação que pode não ocorrer. Neste cenário, o Brasil estaria obrigado a tomar medidas emergenciais que encarecem e poluem a matriz energética, como verificado na crise hídrica de 2021.

Para os pesquisadores, o Brasil pode exercer um papel estratégico na geopolítica global, sendo pioneiro na transição energética viabilizada a partir da construção de um sistema hidro-solar-eólico. Isto, inclusive, permitiria a redução dos custos da energia elétrica e uma maior competitividade global dos produtos brasileiros, o que, por sua vez, contribuiria para a retomada da economia e a redução das desigualdades sociais que assolam o país.

De acordo com a análise, não é recomendada a inclusão de novas hidrelétricas onde, segundo modelos, existe previsão de diminuição da precipitação, como a região Nordeste e parte da região Norte. No estudo, ainda é destacado que quase 60% de toda a eletricidade do país é hidrelétrica. Os pesquisadores avaliem que se de um lado esta energia renovável não contribui para piorar a crise climática, por outro é extremamente vulnerável aos seus efeitos. Um exemplo disso, de acordo com os estudiosos, é o fato dos modelos tradicionais de previsão da precipitação e dimensionamento da operação dos reservatórios não estarem apresentando resultados consistentes, mesmo para horizontes curtos.

O estudo, que trata-se de uma revisão dos principais achados científicos recentes, foi liderado pelos pesquisadores José Wanderley Marangon Lima, professor titular voluntário da UNIFEI (Universidade Federal de Itajubá), consultor da MC&E e Secretário de P&D do INEL; José Antonio Marengo, coordenador-geral de Pesquisa e Modelagem, do Centro Nacional de Monitoramento e Alertas de Desastres Naturais (Cemaden); e Lincoln Muniz Alves, pesquisador do INPE (Instituto Nacional de Pesquisas Espaciais) e Autor Líder do Sexto Relatório de Avaliação do IPCC (Painel Intergovernamental sobre Mudança do Clima), a pedido do ClimaInfo.

O que dizem os pesquisadores
Para José Wanderley Marangon Lima, o Brasil tentou adotar de forma atrasada a ideia de que o gás natural poderia ser uma fonte de transição energética em substituição a alternativas mais sujas, como o carvão e o diesel. Ele avalia que com a crise internacional, esta ideia está sendo revista na Europa justamente em nome da segurança energética e da resiliência climática dos sistemas.

“A contratação recente de termelétricas durante a crise hídrica soou um alerta para o custo operacional elevado ocasionado pela falta de uma política de enfrentamento às mudanças climáticas. Torna-se importante repensar métodos e estratégias para minimizar a vulnerabilidade do setor elétrico, observando a modicidade tarifária”, disse.

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José Antonio Marengo, pondera que a matriz elétrica brasileira é muito dependente das variáveis climáticas e, portanto, vulnerável às alterações do clima. “Existem evidências concretas de que o aquecimento global está ocorrendo a uma taxa sem precedentes e, portanto, tornar o sistema elétrico brasileiro mais resiliente a esta realidade é uma necessidade urgente. O mapeamento de suas vulnerabilidades é o ponto de partida para guiar tomadores de decisão e o desenvolvimento de políticas públicas”, pontua.

Já Lincoln Muniz Alves destaca que as projeções indicam tendências de aumento de temperatura no Brasil a uma taxa superior à média global ao longo deste século. De acordo com Alves, os últimos relatórios do IPCC mostram também que a mudança de regime de chuvas no país fará com que estiagens extremas como a de 2021 se repitam com cada vez mais frequência.

“No entanto, quando falamos de clima e das projeções futuras diante das mudanças climáticas sempre existem incertezas. Apesar disso, o poder público pode se preparar para minimizar os impactos desse fenômeno tornando os sistemas mais adaptados para enfrentar essa realidade. No caso do sistema elétrico é preciso, entre outras coisas, diversificar a geração de energia, especialmente através de fontes renováveis”, pondera.

Além da precipitação média, está sendo observado nos modelos climáticos uma alteração no perfil das chuvas, ou seja, os períodos úmidos começam a ser menores com uma densidade maior de chuva enquanto que os períodos secos com uma janela maior. Isto tende a ser ruim para usinas hidrelétricas com reservatório pequeno ou usinas a fio d'água que têm sido bastante comuns nas novas usinas.

Por outro lado, ainda de acordo com o levantamento, tornar o sistema elétrico brasileiro mais resiliente é possível, inclusive, em função da própria mudança climática. Segundo o estudo, os modelos climáticos também apontam para um incremento nos ventos e na radiação solar na região Nordeste, o que intensifica a constatação de que esta localidade deverá ser um grande exportador de energia renovável.

O porta voz da Coalizão Energia Limpa - transição justa e livre do gás, Ricardo Baitelo, mensura que os efeitos das mudanças climáticas no regime hidrológico têm sido sentidos no Brasil com impactos econômicos e socioambientais.

Para Baitelo, o risco de racionamento em 2021 deixou claro que a resposta para aumentar a segurança de abastecimento do sistema elétrico não é o aumento da contratação de gás e sim o aprimoramento do planejamento energético de forma a intensificar a integração de fontes renováveis sustentáveis. “O aumento da participação do gás na matriz elétrica, além de retardar a descarbonização brasileira, tem trazido impactos significativos à conta de luz da população brasileira”, acredita.

Alertas para tomadores de decisão, segundo o estudo

  • Há necessidade urgente de estabelecer um plano de resiliência climática para o setor elétrico a partir do mapeamento de suas vulnerabilidades;
  • Diante da diminuição das precipitações das regiões Norte e Nordeste apresentada pelo modelo regional ETA e do Cordex, deve-se realizar novas avaliações para recomendar a implantação de novas centrais hidrelétricas. A alteração do clima vai criar a necessidade de uma maior regularização das vazões para amenizar a intensificação da sazonalidade O complexo de usinas no Rio Tapajós, previsto para depois de 2030 pelo MME, deve ser reavaliado à luz dos modelos existentes;
  • Em períodos de crise hídrica, a gestão da demanda por água e eletricidade, racionalizando o consumo de forma massiva e coordenada, deve ser priorizada pelos gestores;
  • O acréscimo de novas termelétricas fósseis só deve ser feito em em caráter emergencial e temporário;
  • Os investimentos em infraestrutura e o direcionamento das políticas públicas para o setor devem ser orientados para a diversificação da matriz, especialmente via expansão de fontes renováveis;
  • Aumentar a descentralização do sistema por meio da geração no local de consumo, inclusive com instalação de sistemas de armazenamento como baterias junto com a geração fotovoltaica tende a diminuir a vulnerabilidade do sistema;
  • Diversificar as fontes de energia aumenta a resiliência do sistema, o que deve incluir tecnologias expansivas de energia solar, eólica, geotérmica, de biomassa e de energia oceânica para geração de energia;
  • A diversificação do sistema elétrico não pode ser feita sem observar salvaguardas socioambientais e de governança para não gerar novos impactos sobre as populações locais;
  • É necessário maior investimento em reserva de potência para o curto prazo e em armazenamento de energia para enfrentar períodos de pouca precipitação e de aumento da temperatura, quando o consumo e a demanda por potência aumentam.

Classificação Indicativa: Livre

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