Esporte

Anderson Silva diz que Sonnen é "um encosto"

Publicado em 11/03/2012, às 09h33   Redação Bocão News


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A sala de cinema em São Paulo recebe um público reduzido. Mas isso não significa que o filme é ruim. Os espectadores, jornalistas, aguardam a presença de Anderson Silva após a exibição do documentário "Como água", que retrata os bastidores da preparação do brasileiro para a histórica luta contra o americano Chael Sonnen, no UFC 117, vencida por Anderson com um triângulo após ser dominado por mais de quatro rounds e sofrer incríveis 320 golpes do adversário.

Sorridente, usando uma chamativa camisa da cor rosa, o campeão dos pesos-médios do UFC, dono dos recordes de vitórias e defesas de títulos consecutivos e tido por muitos como o maior lutador da história do MMA, chega e rouba a cena. Em entrevista exclusiva ao SPORTV.COM, Spider falou sobre tudo: filme, carreira, aposentadoria, filhos, origens, Dana White e, claro, Chael Sonnen, além de uma polêmica envolvendo o arquirrival e seu empresário, o americano Ed Soares.

- O Sonnen é um encosto. Ele não representa nada. Foi pego no doping, teve problemas com a justiça americana, não respeita nada. Esse cara tem problemas com ele mesmo.

anderson silva mosaico (Foto: Editoria de Arte/Globoesporte.com)Imagens marcantes da carreira de Anderson Silva (Foto: Editoria de Arte/Globoesporte.com)

Confira a entrevista:

A abertura do seu filme mostra uma cena em que Bruce Lee explica que o lutador tem que se comportar como a água, se moldando ao que a cerca. Ele teve grande influência na sua vida profissional e pessoal?
Eu sou muito fã dele pela maneira como conduzia a arte marcial. Isso, para mim, que tive mestres ocidentais, foi muito importante. Eu treinei Wing Chun (NR: arte marcial chinesa praticada e ensinada por Bruce Lee) e ter a referência de uma pessoa como ele foi muito importante, tanto na vida pessoal quanto na profissional. Eu não tive acesso à vida pessoal dele, mas ele conduzia a sua vida dentro das artes marciais com muita dedicação, e passou isso a várias gerações. Ele era um cara equilibrado, super família. Sinto não ter podido conhecê-lo pessoalmente.

Os bastidores da preparação de um lutador para um torneio ainda são muito desconhecidos pelos fãs. Há algo que aconteça nos treinos que não tenha sido mostrado no filme?
Eu achei que não conseguiríamos filmar a preparação para a luta, mas conseguimos de forma muito natural. A filmagem passou totalmente despercebida, ficou muito legal. Tudo o que o filme mostra é o que acontece mesmo durante a preparação. Claro que teve algumas coisas que nós não deixamos mostrar, porque ainda não sabíamos como o material seria usado e eram segredos de equipe, que é natural não se mostrar em um documentário.

Eu fico muito nervoso, não sei se eu conseguiria ser técnico de um filho meu. Se quando eles jogam futebol eu já fico nervoso, imagina lutando."
Anderson Silva, lutador

No fim do filme você aparece treinando com o seu filho, Kalyl. Você já se imaginou treinador dele, caso ele seja lutador?
Eu passo muito mal quando meus alunos lutam. No documentário é mostrado o meu único faixa-preta, o Dan Dan, lutando, e o estado que eu fico. É muito complicado para mim, é  diferente. Talvez eu tenha uma habilidade que ele não tem, mas de fora a gente enxerga coisas que lá dentro ele não vê. Eu fico muito nervoso, não sei se eu conseguiria ser técnico de um filho meu. Se quando eles jogam futebol eu já fico nervoso, imagina lutando.

Seus filhos demonstram alguma vontade de lutar?
O Kalyl gosta de futebol, o Gabriel gosta de lutar e quer ser lutador, e o João treina também. Na verdade, todos eles treinam, menos as meninas. É uma tradição na família, e eu sempre falo para eles que, independente do que vocês queiram fazer na vida, seja ser jogador de futebol, de basquete, bailarino, eles terão que aprender e entender a filosofia das artes marciais, e terão que se formar faixas-pretas. Isso será importante na vida deles.

Então há chance de vermos uma dinastia Silva no mundo das lutas ou do MMA?
Tem, sim. Uma grande possibilidade. Não é algo que eu insista que aconteça, ou influencie, porque tem que partir deles. Espero que não aconteça (risos). Mas tem, sim.

MONTAGEM - chael sonnen camisa palmeiras (Foto: Arquivo Pessoal)Chael Sonnen veste uma camisa do Palmeiras em
provocação a Anderson Silva (Foto: arquivo pessoal)

Deixando o futuro e voltando para o presente: temos hoje um filme que retrata a sua luta contra Chael Sonnen, que foi muito emblemática, e ele mantém essa luta viva por conta da revanche, que é uma das maiores da história das lutas por toda a expectativa que a cerca. Quanto Chael Sonnen representa na sua carreira?
Nada! Ele é um encosto. A verdade é essa. Ele é um atleta que caiu no doping, eu lutei machucado contra ele, teve problemas com a justiça americana, não respeita nada, não respeitou o nosso país. O que ele representa? Nada. Respeito a opinião e a posição dos promotores da luta, dos donos do evento, mas eu acho que ele não deveria ter a chance de lutar comigo novamente. Mas isso não sou eu quem tem que decidir. Vou me preparar para lutar como se fosse contra qualquer outro adversário. Mas ele desrespeitou os nossos ídolos, que fizeram história dentro do esporte, como Lance Armstrong. Esse cara é complicado, ele tem algum problema pessoal com ele mesmo. A ênfase que a mídia brasileira dá pra esse cara, e que o Palmeiras deu para ele, é muto ruim. Se qualquer brasileiro na posição em que ele se encontra dissesse dos EUA o que ele disse do Brasil, e dos ídolos americanos, nós nem teríamos a mesma oportunidade de entrar no país ou de falar nos meios de comunicação americanos. Acho que os brasileiros precisam ser mais patriotas, como os americanos são. Quando saio do Brasil, e eu já lutei na Inglaterra, no Japão, na Coreia, eu sempre represento o meu país e o povo brasileiro, além dos meu lado pessoal, como minha família e minha equipe.

No filme nós vemos o Ed Soares, seu empresário, concordando com uma afirmação do Sonnen de que as reverências que você faz antes e depois das lutas não são naturais, e que no Brasil, se você fizer uma reverência como as suas, é golpeado na cabeça e tem a carteira roubada. Vocês chegaram a conversar sobre isso depois?
Isso é um problema. O Ed Soares e o Chael Sonnen são americanos. Eu treino artes marciais desde os oito anos, e fui ensinado desde cedo a fazer a reverência, e respeitar qualquer pessoa, seja ela um adversário ou não. Eles não pensam assim. O Ed foi infeliz no comentário dele, nós já conversamos sobre isso, mas o problema é que o Ed Soares é americano.

Chael Sonnen e Anderson Silva no UFC 117 (Foto: Divulgação UFC)Chael Sonnen e Anderson Silva na luta histórica pelo
UFC 117, nos Estados Unidos (Foto: Divulgação UFC)

Nos EUA, a imprensa foi enfática ao perguntar se ele tinha medo de vir ao Brasil, e se usaria seguranças aqui. Ele até defendeu o Brasil, dizendo que tinha vindo ao país várias vezes, e que as pessoas que perguntam isso deveriam ler os jornais americanos, já que cidades como Chicago, onde lhe foi feita essa pergunta, não seria um modelo de segurança. Você acha que ele corre risco de ser agredido aqui?
Não. Ele vai receber as vaias merecidas, claro. Mas acho que não. Espero que dê tudo certo, que ele venha ao Brasil para que nós lutemos e, independente de ele ganhar ou não, que seja mais uma luta histórica para o esporte.

Você já está com 36 anos. Já parou para pensar no momento da aposentadoria?
Todo mundo pensa nisso. Eu já me imaginei em um lago, pescando com os meus netos, e a minha esposa me chamando para dentro de casa... brincadeira. Não pensei ainda. Acho que ainda tenho mais uns dez anos de carreira, mas ainda não discuti minha renovação com o UFC. Após essa luta acho que ainda restam mais duas ou três, não sei direito. Ele só me ligam e dizem que precisam do Spider. E aí eu vou.

Por falar em Spider, você é fã do Homem-Aranha. Na vida dele, ele tem um personagem que o inspirou a ser um grande heroi, que é o tio Ben. E você? Tem algum "tio Ben" na sua vida?
Claro que tenho! Meu tio e minha tia, que são as pessoas que me criaram. Se não fossem eles, eu não seria o homem e o pai que eu sou hoje. Eu fui para Curitiba com quatro anos de idade, e toda a minha educação foi dada por eles. Então eles são os meus "tios" Ben. De vez em quando eu me pego meio à deriva por não ter minha tia por perto, que eu considero minha mãe. Apesar de eu ter meus pais biológicos, até hoje eu sinto muita falta dela. Sempre que vou a Curitiba ver meu tio tento renovar as minhas energias. Ele é uma pessoa muito sábia, assim como meu pai biológico, mas eu sinto muita falta da minha tia. Eu era muito apegado a ela.

Dana White, chefão do UFC durante coletiva (Foto: Getty Images)Dana White é criticado pelo Spider por incentivar que
colegas de treinos lutem no UFC (Foto: Getty Images)

Na coletiva de imprensa do UFC 145, Dana White desdenhou da recusa de alguns lutadores em enfrentarem companheiros de treinos no octógono. O que você acha disso?
(Risos). É engraçado ele falar isso, né? Ele nunca me fez essa pergunta. Se fizesse, eu perguntaria se ele gostaria de dividir o UFC com o Lorenzo, cada um ter seu evento, batendo de frente por audiência, patrocinadores e tudo que envolve o negócio deles. Eles são amigos, sócios... O que eu penso é que amigos não devem lutar. O Dana não luta. Ele vende bem luta, é um bom promotor, mas não é lutador. Não tenho nada contra o Dana, adoro ele, mas ele não sabe o que é isso, e não pode falar que dois amigos têm que se enfrentar. Nós passamos muito mais tempo juntos do que com as nossas famílias. Dividimos as dores, as frustrações, e porque ele quer vender uma luta, ele acha que vai ser legal e que o público vai gostar de ver dois companheiros se enfrentando. Ele quer casar uma luta entre dois amigos? Isso é impossível, só acontece entre pessoas que não são amigas de verdade. Na nossa equipe nós temos uma filosofia de que, mesmo sendo os dois do mesmo peso e o mesmo objetivo de sermos campeões do UFC, nós sabemos que isso não vai acontecer. MMA não é um esporte coletivo. Não é natural eu lutar com um cara com quem eu convivo todos os dias. É natural para ele, que não luta e nunca tomou um beliscão.

Contra o Sakurai, em 2001, um organizador e disse para eu tirar todo o meu material dali, porque ali só passavam os campeões. Meu técnico mandou deixar. Eu venci e voltei por lá, como campeão."
Anderson Silva, lutador

De todas as lutas que você fez até hoje, qual é a sua grande luta, aquela que você revê e sente que é especial?
A luta do meu primeiro título mundial, no Japão, pelo Shotoo, contra o Hayato Sakurai em 2001. Ela foi importante para mim porque, em determinado momento, estava tudo contra mim e a minha equipe, e eu me vi numa situação em que era eu contra o Japão inteiro. Na hora da luta tinha uma passarela para entrar e nós levamos as nossas coisas para deixar lá antes de entrar. Nessa hora veio um organizador e disse para eu tirar todo o meu material dali, porque ali só passavam os campeões, e só eles podiam passar por ali e deixar as coisas deles ali. Eu já tinha começado a tirar minhas coisas dali, e foi um sinal péssimo. Meu treinador na época, o Sérgio Cunha, me deu uma bronca. Ele disse: "Você está louco? Deixa suas coisas aí, você vai voltar por aqui. Se é por aqui que os campeões passam, é por aqui que você vai voltar. Você vai ali e daqui a cinco minutos você vai voltar. E foi o que aconteceu.

Existe uma luta que você gostaria de ter feito, contra um adversário histórico?
Em qual regra?

A regra do MMA...
Meu clone. Eu treino para lutar contra os melhores lutadores do mundo, e para as piores situações possíveis. Mas eu gostaria de lutar mesmo com o meu clone, seria uma luta fantástica. Não posso falar que gostaria de lutar contra fulano ou sicano. Se você me perguntar contra quem você gostaria de lutar numa luta de boxe, eu te diria: Roy Jones Jr. É um sonho que eu tenho como profissional da luta.

Qual o pior momento da sua carreira?
Quando eu estava no Pride, e fiquei naquela dúvida se pararia de lutar ou não depois de sair da equipe da qual eu fazia parte na época. Houve ali uma politicagem e eu não voltei a lutar no Pride. Ali eu fiquei um pouco frustrado.

Anderson Silva lutador do UFC (Foto: Divulgação/UFC)Anderson Silva mostra seu estilo em entrevista coletiva
antes de uma edição do UFC (Foto: Divulgação/UFC)

Você é um lutador mais reservado que a média dos atletas de ponta do MMA, mas algumas entrevistas e opiniões suas foram polêmicas. Você é um cara marrento?
Você é repórter, sabe como as coisas funcionam. Eu posso falar A e você colocar na matéria A, B, C e D. Depende da maldade de quem entrevista. Mas não me acho marrento. Eu sou como eu sou. Tento ser melhor a cada dia, mas não sou perfeito. Tenho meus defeitos, não agrado a todos, mas sou desse jeito que você está vendo.

Você se vê como um dos grandes ídolos do esporte brasileiro, como Pelé, Ayrton Senna ou Guga Kuerten?
Não. Ainda tem muita coisa para eu fazer como eles fizeram. Acho que posso representar mais o Brasil e fazer a diferença com as crianças do nosso país. O meu grande objetivo é esse, mudar os herois do Brasil. Estamos conseguindo fazer isso, mas ainda falta muito. Quero que as crianças vejam os atletas de MMA como os herois delas, principalmente as que não tem acesso a cultura como as crianças com mais poder aquisitivo. Em algumas comunidades ou bairros pobres, os herois das crianças são outros, e nós podemos mudar isso. O UFC faz um trabalho excelente de divulgação da imagem dos atletas e do nosso trabalho pelo mundo.

Royce Gracie uma vez declarou que não existe lutador de MMA, mas sim lutador que disputa torneios de MMA. Para ele, cada atleta precisa ter uma modalidade que seja a sua "casa". A do Cigano é o boxe. A do Royce, o jiu-jítsu. E a sua? É o muay thai? Ou você já se considera um lutador misto?
Vou ter que discordar do mestre Royce. Eu treino todas as modalidades, para não perder espaço para outros atletas. Tenho muitas especialidades em pé, porque já treinei boxe, capoeira, tae kwon do, wing chun, hapkido, e me sinto mais seguro nessas modalidades de luta. Mas eu treino wrestling, luta livre, tive a oportunidade de ir a uma tribo no Xingu para aprender a luta deles, e adorei. É preciso você se adaptar ao sistema, e se você não está bem preparado, e não tem o conhecimento de determinadas técnica ou luta, você acaba se colocando em risco. Quando você conhece e domina uma modalidade, vocë vira um especialista naquilo. Mas quando você estuda e dedica um tempo da sua vida para conhecer outras áreas e se especializar no MMA, você conhece os seus limites dentro de cada modalidade e sabe lidar com as situações que aparecem dentro do octógono, aprendendo a não se colocar em risco e saber os movimentos necessários para não se machucar seriamente. Eu não luto para vencer. Treino para sair do mesmo jeito que entrei no octógono. A arte marcial não é destinada ao ataque, mas sim à defesa.

Você já lutou no UFC Rio diante de uma torcida muito calorosa e favorável. Agora está prestes a lutar em um estádio de futebol no Brasil. A torcida faz diferença para o lutador?
É muito melhor. Não só eu, como todos os outros brasileiros que lutam no exterior, estamos acostumados a ter a torcida contra, e no meio da luta isso acaba virando. Mas lutar no Brasil e ter a torcida a seu favor, gritando seu nome, é muito melhor. Mas acabamos nos acostumando a ouvir esses gritos de "Vai morrer" em inglês, em japonês... isso é normal. Mas lutar aqui no Brasil é muito melhor. Imagina uma final de Copa do Mundo entre Brasil e Argentina, no Brasil. É mais ou menos assim que a gente se sente.

Classificação Indicativa: Livre

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