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Golpistas se passam por dirigentes de clubes baianos e aliciam jogadores cobrando valores

Arte: Mateus Suzart/BNews
Golpes foram identificados por clubes baianos no mês de abril  |   Bnews - Divulgação Arte: Mateus Suzart/BNews

Publicado em 04/05/2023, às 05h40   Filipe Ribeiro


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O sonho de se tornar jogador profissional de futebol passa pela cabeça de muitos brasileiros e brasileiras durante a juventude. Porém, de acordo com um estudo da Ernst & Young para a Confederação Brasileira de Futebol (CBF), apenas 25% dos jogadores se profissionalizam no Brasil. Mas eis que surge a oportunidade desse caminho ser encurtado quando um dirigente de clube entra em contato diretamente com um atleta e oferece a oportunidade de jogar pelo seu time. Seria a chance da vida se não se tratasse de uma ação golpista.

No mês de abril, a reportagem do BNews acompanhou e apurou casos de golpes envolvendo aliciamento de atletas e cobrança de valores. Os bandidos se passavam por diretores ou representantes de clubes baianos. A abordagem era iniciada via Instagram ou Whatsapp e a venda da ilusão era direta: "Estamos na preparação para a segunda divisão de futebol profissional. Manda seu dvd, por gentileza".

Mesmo com um número que indicava um DDD diferente do da cidade de Feira de Santana (75), a apresentação com imagens das instalações do Fluminense de Feira, escudo na foto de perfil e questionamentos sobre a carreira do jogador chamavam a atenção dos jovens atletas.

Foi o que aconteceu com um jogador, de 21 anos, que preferiu não se identificar, natural do estado do Rio de Janeiro e morador da cidade de Barra Mansa. "Primeiro, entraram em contato pelo Instagram perguntando se eu estava jogando ainda, que já tinha jogado contra mim ano passado, e pediu meu número", revela o atacante.

Pelo Whatsapp, o golpista pedia lances do jogador e fazia questionamentos sobre feedback de técnicos anteriores e tempo de atuação. Tudo na tentativa de passar credibilidade ao suposto contato do clube de futebol. Confira:

Arquivo pessoal
Foto: Arquivo pessoal

A partir daí eram ofertados todos os benefícios que o jogador teria à disposição quando se apresentasse ao clube. "Estamos disponibilizando alimentação, pousada, academia, suplementos, passagem e salário. Competição segunda divisão de futebol profissional baiano. Contrato até outubro. São quatro jogadores em cada quarto, cinco refeições diárias, treinos em dois períodos", escreveu o golpista.

Após indicar o que o atleta receberia, o criminoso então dava a cartada final para fisgar a vítima em seu golpe: "Há a questão que tem que estar arcando com a transferência de estado de federação para federação. Caso tenha interesse, mandando a documentação e acertando a taxa da CBF, podemos alinhar sua apresentação, atleta".

*A Confederação Brasileira de Futebol (CBF) não exige pagamentos de taxas dos jogadores para realizar federalização ou profissionalização de atletas.

Acreditando na proposta e iludido com a possibilidade de disputar uma competição como jogador profissional, o atacante carioca, que atualmente joga pelo sub-23 do Barra Mansa, então iniciou os trâmites da suposta transferência. Nesse momento, o golpista exigiu o pagamento de R$ 1.400, valor que o jogador teve que pegar emprestado com a avó para poder acelerar sua vinda para a Bahia.

Cerca de dois dias de conversa contendo promessas, orientações e diversas cobranças, pressionando o também estudante do curso técnico em mecânico de usinagem, com o valor recebido o golpista então finalizava seu plano.

"Comecei a desconfiar assim que ele parou de responder e a foto de perfil sumiu. Pra mim foi um sentimento horrível", contou.

Ouça como o criminoso agia para coagir os atletas:

"Eu criei uma expectativa muito grande, minha família também, e de repente tudo isso aconteceu", disse o jovem.

Com o sonho arrancado pela raíz, o carioca ainda não registriu um boletim de ocorrência em uma delegacia, mas pensa em correr atrás de seus direitos. Porém, mesmo ainda atuando nas categorias de base de um clube do Rio de Janeiro, a desilusão o faz pensar em largar o futebol.

"Eu estou pensando em parar com tudo de uma vez, porque não tá sendo fácil, não sei de onde vou tirar dinheiro pra devolver para minha vó".

Nova tentativa e golpe frustrado

Quem também foi alvo do golpísta foi Matheus Lima, jogador da cidade de Riberão Preto, em São Paulo. O volante de 20 anos escapou de cair no esquema por pouco, mas antes de ser enganado Matheus desconfiou do contato do suposto diretor de futebol do Vitória da Conquista.

O mesmo golpista, utilizando as imagens de outro clube baiano e o nome de outro diretor, tentou fazer as mesmas promessas ao jogador. "Antes de chegar ao Whatsapp, uma conta no Instagram, se passando por jogador, falou comigo e pediu meu número. Foi quando o suposto diretor começou a mandar as mensagens", disse Matheus.

O atleta, que também ajuda o pai em sua empresa, revelou que parou de responder assim que o golpista exigiu o pagamento, com o mesmo valor exigido ao atleta do Rio de Janeiro. "Suspeitei quando ele pediu dinheiro antes mesmo de viajar até lá. Clube nenhum pede para pagar taxa antes de chegar lá", afirmou.

Sabendo se tratar de um golpe, o atleta resolveu fazer um boletim de ocorrência, já que o criminoso estava em posse de diversos de seus documentos. Matheus conta ainda que chegou a sonhar com o novo clube, atuando pelo Vitória da Conquista.

"Me senti feliz e preparado para abraçar a oportunidade e começar projetos para minha vida. Mas isso só me mostrou uma oportunidade que logo menos está chegando, não pensei em desistir", disse o volante, que, depois de entrar em contato com o clube para alertar sobre a tentativa de golpe, chegou a receber proposta do Vitória da Conquista, por meio do presidente Ederlane Amorim, porém acabou recusando a oferta por não se tratar de um contrato profissional.

Alerta ligado

Após diversas tentativas de aplicar ao golpe, chegando a ter contato com cerca de 5 a 7 atletas, os clubes baianos emitiram notas oficiais alertando os jogadores sobre a ação criminosa. O Vitória da Conquista, através das redes sociais, divulgou que o clube "acionou o departamento jurídico e irá tomar as medidas cabíveis para que esse golpista seja responsabilizado pelos seus atos".

Em resposta à reportagem do BNews, o Fluminense de Feira informou que o clube realizou um boletim de ocorrência. "Agora ficamos a cargo da Polícia Civil. Vamos aguardar o contato da polícia para ter um retorno, talvez para prestar depoimento, mas nesse momento esse é a posição do clube", informou o advogado Flu de Feira, Tiago Matos.

Também chegou ao conhecimento do Colo-Colo, de Ilhéus, a tentativa de golpe utilizando a imagem do clube. No entanto, a assessoria disse não saber se atletas acabaram sendo vítimas da ação criminosa acreditando estar negociando, de fato, com o clube do interior da Bahia.

Também procurada pela reportagem, a Polícia Civil da Bahia (PC-BA) informou que já é de conhecimento interno as tentativas de golpes recentes envolvendo clubes baianos de futebol, e que já estão sendo investigadas. O suspeito ou o grupo por trás do crime ainda não foram identificados. 

"O caso começou a ser apurado pela Delegacia de Repressão a Furtos e Roubos de Feira de Santana, que o encaminhou para a 1ª Delegacia Territorial. A unidade dará prosseguimento às investigações", respondeu a PC-BA.

Classificação Indicativa: Livre

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