Polícia

Bolsonarista vira réu por morte de petista, e Justiça intima atirador

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Bolsonarista teve alta da UTI na terça (19) e está consciente, mas continua internado no hospital.  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Redes sociais

Publicado em 21/07/2022, às 18h19   Leonardo Martins e Herculano Barreto Filho/ Folhapress



A Justiça do Paraná aceitou nesta quarta-feira (20) a denúncia do Ministério Público do Paraná e tornou réu o policial penal Jorge José da Rocha Guaranho, acusado de homicídio duplamente qualificado (motivo fútil e perigo comum).

Jorge assassinou o guarda municipal Marcelo de Arruda na noite de 9 de julho, enquanto o petista comemorava o seu aniversário de 50 anos com uma festa temática do PT em Foz do Iguaçu.
No despacho, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello intima o atirador, caso esteja apto, a se defender da acusação por escrito em dez dias podendo juntar depoimentos de, no máximo, oito testemunhas.

Jorge teve alta da UTI na terça (19) e está consciente, mas continua internado no hospital. Ele foi intimado nesta quinta (21) pela Justiça.

O MP denunciou Jorge e viu como motivação fútil a "preferência político-partidárias antagônicas" dos envolvidos. O órgão -que frisou se basear em questões técnicas- disse entender que a conduta de Jorge não feriu o Estado democrático de Direito, mas atentou contra a vida de Marcelo.

Na denúncia, o Ministério Público afirma que Jorge, antes de disparar dois tiros contra Marcelo, disse que "petista vai morrer tudo".
Ainda que reconheça o teor político da desavença, os promotores afirmaram que a Constituição não define o que é crime político. Para o órgão, o acusado atentou contra a vida de Marcelo, e não contra o Estado.

"Embora a gente reconheça a motivação política dele [Jorge], em razão dessa divergência no campo político-partidário -isso é evidente, está mais do que claro-, nós não temos de outro lado a lesão ao bem jurídico específico que é o Estado como ente político [...] A conduta do Guaranho atinge outro bem jurídico que é a vida, e não o Estado como um ente político", disse o promotor Tiago Lisboa Mendonça.

Em nota, a Polícia Civil do Paraná disse que o MP ofereceu a denúncia "praticamente nos mesmos termos, somente alterando uma das qualificadoras para motivo fútil, que é um motivo insignificante, banal. A pena aplicável é a mesma podendo chegar a 30 anos", disse o órgão.

"As delegadas e os promotores também concordam que toda a confusão se iniciou claramente em decorrência de divergências políticas. A PCPR reafirma a excelência na condução e conclusão do inquérito policial", concluiu a polícia.

DIVERGÊNCIAS COM A POLÍCIA

Na semana passada, a polícia havia indiciado o policial penal por homicídio qualificado por motivo torpe e por causar perigo a outras pessoas. O promotor explicou a divergência da denúncia em relação ao indiciamento da polícia.

"Nosso entendimento que o crime abjeto, repugnante, da torpeza, ele tem de certa forma essa conotação de alguma vantagem no campo econômico. Já o motivo fútil é aquele motivo flagrantemente desproporcional", afirmou Mendonça.

Diferentemente da polícia, o MP afirmou que, quando Jorge retornou à festa e atirou em Marcelo, houve também motivação política. Os promotores citaram uma testemunha que relatou ter ouvido Jorge gritar "aqui é Bolsonaro" antes de matar o petista.

"Nós entendemos que esse retorno se deu em razão desse mesmo motivo fútil que integra toda a conduta. Nós não podemos desmembrar a conduta do agente como fútil ou torpe e no outro momento entender que essa motivação foi por um sentimento de humilhação", disse Mendonça.

Já a delegada Camila Cecconello afirmou, na semana passada, que "não há provas de que ele voltou para cometer crime político. É difícil falar que ele matou pelo fato de a vítima ser petista". Cecconello disse ainda ter se baseado no depoimento da própria esposa do atirador bolsonarista para apurar o que motivou o seu retorno ao local do crime. "Ele teria dito [à esposa]: 'isso não vai ficar assim, nós fomos humilhados. Eu vou retornar'".

O promotor pontuou que cinco laudos "complexos" do Instituto de Criminalística ainda não foram concluídos, mas que não são "imprescindíveis" para o MP emitir a denúncia neste momento. O prazo estabelecido para conclusão desses laudos é de dez dias.

laudo de exame de confronto balístico
laudo de exame de análise de gravador de vídeo
laudo de exame de extração de análise do aparelho celular do investigado
laudo de exame de veículo automotor
laudo de exame do local de morte

Apoiador de Jair Bolsonaro (PL), Jorge foi à entrada da festa para "provocar" os participantes com gritos de apoio ao presidente e críticas aos petistas, aponta a investigação. Em seguida, retornou ao local para atirar na vítima, que revidou aos disparos, como mostram imagens das câmeras de segurança.

Atingido pelos tiros, o policial penal teve alta na terça da UTI do Hospital Ministro Costa Cavalcanti. Preso preventivamente sob escolta policial, ele está consciente e se recupera na enfermaria da unidade, segundo fontes ligadas ao caso.

Procurada, a assessoria do hospital disse não ter autorização para passar informação sobre o estado de saúde de pacientes.

LAUDOS E DEPOIMENTOS: O QUE FALTA PARA CONCLUIR INVESTIGAÇÃO

Na terça, o juiz Gustavo Germano Francisco Arguello, da 3ª Vara Criminal de Foz do Iguaçu, atendeu um pedido do MP e autorizou que seja colhido depoimento complementar de uma testemunha já ouvida na investigação para identificar outras duas pessoas que estavam próximas a Jorge no churrasco de confraternização em que ele ficou sabendo da festa em alusão ao ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

A Polícia Civil do Paraná aguarda pela conclusão de laudos complementares, como a análise do celular do atirador para apurar a eventual participação de terceiros, que possam ter incentivado a ação.

As imagens das câmeras de segurança que captaram o crime também estão sendo usadas para que seja feita uma leitura labial dos envolvidos na cena. "Abaixa a arma que aqui só tem família", teria dito Marcelo antes de ser baleado.

Os investigadores ainda aguardam pelo resultado da perícia de confronto balístico e exame complementar no veículo usado pelo atirador. A Justiça ordenou que a Polícia Civil solicite câmeras do entorno para monitorar o deslocamento de Jorge.

CRÍTICAS AO INQUÉRITO

As lacunas deixadas pela conclusão do inquérito apenas cinco dias após o crime desencadearam críticas, sobretudo dos representantes legais da família de Marcelo de Arruda após a delegada Camila Cecconello descartar crime de ódio com motivação política baseada no relato da esposa do atirador.

"Existe uma rede de disseminação de ódio e violência política no Brasil", disse o advogado Daniel Godoy em entrevista ao UOL News ao justificar o pedido à Justiça por uma apuração que considere as divergências políticas entre atirador e vítima.

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