Denúncia

Barra do Mendes: Prefeitura contrata deficiente físico e homem morto em 2018 como pedreiros para obras na cidade

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Mais de dez casos de "laranjas" em contratos da Prefeitura foram encaminhados ao Ministério Público (MP)  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Ewerton Matos

Publicado em 12/08/2020, às 15h35   Luiz Felipe Fernandez


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Pavimentar uma calçada exige não apenas um conhecimento básico em construção civil, mas também de esforço físico. No entanto, estes não são empecilhos para a Prefeitura de Barra do Mendes, no centro-norte da Bahia, que contratou um deficiente físico e até um homem já falecido para serviços de obras em calçamentos da cidade.

Portador de necessidades especiais, Jefferson dos Anjos Santos nunca pôde trabalhar e há mais de 10 anos recebe auxílio do INSS por invalidez.

Mesmo assim, foi contratado pela prefeitura por um valor total de R$ 2.004,50, para trabalhar como pedreiro em uma obra de recuperação do calçamento das ruas Oscarino Campos e São Paulo da Cruz. O dinheiro nunca foi recebido por Jefferson, que nega ter assinado qualquer acordo com a prefeitura.

Em contato com o BNews, ele explicou que descobriu o suposto serviço que teria prestado à Prefeitura por meio do seu irmão, que fez a busca pelo seu nome no Portal da Transparência. 

Além de não andar, Jefferson possui atrofia nas mãos, o que causa dificuldades para executar atividades cotidianas como digitar no celular e se alimentar. 

Ao descobrir que o seu nome era utilizado como "laranja", Jefferson disse ter ficado com medo de perder o auxílio pago pelo iNSS, justamente por sua impossibilidade de trabalhar. 

Outro contrato também foi feito com Filadelfo Alexandrino da Silva, conhecido na região como Dezo do Antarí, firmado em 11 de fevereiro deste ano. O homem, contudo, faleceu em 2018. O valor acordado foi de R$ 3.002,00, também para a recuperação de calçadas das ruas do Povoado de Antari.

E eles não são os únicos. Há a suspeita de que dezenas de moradores de Barra do Mendes foram usados como "laranjas" para emissão de recibos de serviços semelhantes, sem nunca terem sidos contatados pela Prefeitura nem recebido o pagamento. 

O BNews teve acesso exclusivo aos documentos do caso, revelado por Juan Pereira, dono da página "Acorda Barra dos Mendes", que denuncia supostas irregularidades da gestão do município nas redes sociais e faz ações filantrópicas.

Formado em Ciência da Computação, durante a pandemia de Covid-19 ele passou a olhar diariamente o Portal da Transparência e acompanhar os gastos da Prefeitura. 

Desconfiado de que alguns dos serviços que apareciam como pagos não haviam sido realizados, buscou os recibos no Tribunal de Contas do Município (TCM) e comprovou as irregularidades. 

Juan explica que gravou um vídeo em que ensinava as pessoas a procurarem o seu nome no Portal da Transparência e, para a sua surpresa - ou não, vários outros casos apareceram. Ele entrou com uma ação no Ministério Público (MP) para denunciar não só o uso de "laranjas", mas também o fracionamento de licitações, que alcançam valores maiores que os limitados pela regra de inexigibilidade de licitação, que estaria sendo praticado pelo prefeito Galego (MDB).

Os valores dos pagamentos dos serviços variam entre R$ 600 e R$ 10 mil. De acordo com Juan, o rombo aos cofres públicos já é estimado em R$ 200 mil, mas pode chegar "à casa do milhão".

Sete advogados formaram uma asssessoria jurídica para ajudar as pessoas vítimas de fraude. Israel Martins, um do advogados representantes, contou ao BNews que já foram encaminhadas ao menos 10 denúncias de moradores diferentes da cidade, e que tem outras 10 que estão prontas para serem protocoladas no MP. 

De acordo com Israel, algumas das pessoas, inclusive, estavam em São Paulo na data em que supostamente teriam sido contratados pela Prefeitura de Barra do Mendes para prestarem os serviços.

OUTRO LADO

Em contato com a reportagem, o prefeito Galego (MDB) diz ter sido "pego de surpresa" com a denúncia de irregularidades na contratação de prestação de serviços. Uma sindicância foi aberta com a uma comissão formada por três funcionários do quadro da Prefeitura, para darem início ao processo administrativo.

Segundo Galego, uma empresa foi contratada para prestar assessoria e acompanhar o município nesta "investigação". Ele garantiu que os envolvidos no esquema serão identificados e responsabilizados por seus atos.

"Fui pego de surpresa com relação a essa situação. À medida que tive o conhecimento, chamei o jurídico e sentamos para ver o que deveríamos fazer a investigação. Constituímos uma comissão que vai receber as denúncais de cada pessoa e acompanhar o que aconteceu. Contratamos uma empresa para nos acompanhar, que vai estar a partir da terça-feira com a gente", disse Galego, que prometeu comunicar à população assim que obtiver "informações" sobre o caso.

AMEAÇAS

O envolvimento no caso tem causado problemas para Juan e para o advogado Israel Martins, que têm recebido ameaças de morte nos útimos dias. Os áudios e prints das intimidações circularam nas redes sociais e chamaram a atenção dos moradores da cidade.

Em mensagem enviada por meio de WhatsApp para Juan, a pessoa não identificada dirige uma série de ofensas como "mimado", "playboy" e "arrogante", e diz que "nós mandamos em Barra do Mendes". Segundo o autor da mensagem, aquele seria o "último aviso" antes de agredí-lo a ponto de "no mínimo", Juan passar o "resto da vida em uma cama sem se mexer".

Já Israrel foi ameaçado por ligação. O BNews teve acesso à gravação da chamada, em que o suspeito ameaça o advogado de morte e diz já tê-lo visto duas vezes. Na chamada de pouco menos de um minuto, a voz masculina diz que é "o cara que lhe vende pó" e acusa o advogado de "mexer" com a sua família. 

Sem compreender, ele segue perguntando quem esta por trás da ligação. O anônimo então responde que irá matar o advogado dependendo do que apareça "de hoje em diante".

BNews · Advogado de Barra do Mendes é ameaçado após assumir casos de supostas vítimas de fraude

Tanto Juan quanto o advogado registraram Boletim de Ocorrência e aguardam a investigação da polícia para saber a autoria das ameaças. 

Israel regitrou o B.O na companhia do presidente seccional de Irecê da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB), e afirmou que a "entidade já está tomando todas as providências" e notificando as autoridades para que o caso seja investigado "adequadamente". 

Classificação Indicativa: Livre

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