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Turismo em crise: Setor sofre com a pandemia da covid-19 e perdas chegam a R$ 2 bi só em Salvador 

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Turismo em crise: secretários do Estado e da Prefeitura falaram ao BNews sobre os impactos da pandemia do coronavírus no setor    |   Bnews - Divulgação Ascom/Setur/BA

Publicado em 17/03/2021, às 10h51   Rafael Albuquerque


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Os primeiros casos de coronavírus foram registrados em Wuhan, na China, ainda em dezembro de 2019. Em fevereiro de 2020 foi detectado o primeiro caso no Brasil, em São Paulo. Já no dia 6 de março a Secretaria de Saúde do Estado confirmou o primeiro caso na Bahia, em Feira de Santana. Em 11 de março a Organização Mundial da Saúde (OMS) declarou a pandemia do novo coronavírus. A esta altura, a periculosidade do vírus já era conhecida, mas sua letalidade e o estrago que faria na vida e saúde dos pacientes ainda era uma incógnita. O que também ainda não se sabia era o estrago que o vírus - e suas variantes - e a doença causada por ele, a covid-19, causariam à economia. Entre os diversos setores, o Turismo foi um dos mais atingidos em todo o mundo, e no Brasil não foi diferente. Nesta matéria, que faz parte de uma série especial do BNews sobre as consequências do primeiro ano de pandemia no país, os dados e estatísticas mostram o estrago que aconteceu até o momento e antecipam parte do que está por vir. 

Cenário nacional
O turismo no Brasil perdeu R$ 51,5 bilhões em faturamento entre março e novembro de 2020, durante a pandemia de covid-19. Os dados são de um levantamento realizado pela Federação do Comércio de Bens, Serviços e Turismo do Estado de São Paulo (Fecomercio-SP). O prejuízo representa um rombo de 33,4% a menos nas receitas do setor em comparação ao mesmo período de 2019 e leva em conta os setores aéreo, hoteleiro, de serviços turísticos, de transporte e de atividades culturais, recreativas e esportivas. Segundo a Federação, os resultados foram puxados principalmente pela performance do setor aéreo, que perdeu 50,5% do faturamento anual em meio à crise, em comparação ao mesmo período de 2019.


Divulgação // Josué Damacena // Fiocruz

Turismo na Bahia
Os principais indicadores do desempenho do Turismo na Bahia mostram que de março a agosto de 2019, o estado teve as maiores perdas quando se observa a região Nordeste, um total de R$ 7,35 bilhões. Quando se considera todos estados da federação, a Bahia fica em terceiro no ranking negativo no mesmo período, perdendo apenas para São Paulo (R$ 55,31 bilhões) e Rio de Janeiro (R$ 22,20 bilhões). Os cálculos foram feitos a partir de dados da Confederação Nacional do Comércio de Bens, Serviços e Turismo (CNC) e da Pesquisa Mensal de Serviços (PMS) do IBGE.

Segmentos

Aéreo
Um dos segmentos mais impactados pela pandemia do coronavírus foi o aéreo. A queda no número de passageiros nos aeroportos e voos foi considerável. Segundo a Secretária de Turismo da Bahia (Setur), os principais aeroportos da Bahia (Salvador, Porto Seguro, Ilhéus e Vitória da Conquista) tiveram, em 2020, um volume de passageiros 50,91% menor do que em 2019. Quando se considera só Salvador, a perda foi de 50,95%, tendo recebido 6.986.898 de passageiros em 2019 e 3.427.320 no ano seguinte. 


Divulgação // Will Recarey // Salvador Bahia Airport

No aeroporto de Porto Seguro, houve queda de 55,24% no fluxo de passageiros, com a diminuição absoluta de 1.907.551 para 853.827 passageiros. Em Ilhéus, a queda ficou em 43,59%, considerando a redução de passageiros de 542.528 para 306.048. Vitória da Conquista apresentou a menor queda, foram 311.164 passageiros em 2019 contra 197.929 em 2020, o que representa -36,39.

Hospedagem
A taxa de ocupação dos meios de hospedagem também sofreu grande impacto em decorrência da covid-19. Houve redução de 23,80% de 2019 (62,9%) para 2020 (39,1%). 


Reprodução // ABIH-Bahia

Pedágios
Apesar de tímida, houve redução no fluxo de veículos nas praças de pedágio da Bahia durante a pandemia. Em 2019, foram 69.562.296 veículos, contra 65.848.278 em 2020, o que representa uma redução de 5,34%. 


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Rodoviária
Os reflexos da pandemia no fluxo de passageiros do Terminal Rodoviário de Salvador foram bastante significativos, sobretudo se considerarmos que a estação ficou completamente fechada durante quatro meses em 2020 após um decreto do governo da Bahia assim determinar. Foram 6.758.616 de passageiros em 2019 e, em 2020, 2.244.778. A redução foi de 66,79%.


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Ferry-boat e lanchinhas
Outro meio de transporte bastante utilizado por baianos e turistas, o ferry-boat, que faz a travessia Salvador-Bom Despacho, também sentiu as consequências da pandemia do coronavírus. Houve redução de 30,74 no número de passageiros e veículos que usaram as embarcações, sendo 6.622.044 em 2019 e 4.586.688 em 2020. Já as lanchas rápidas, que fazem a travessia Salvador-Mar Grande, tiveram redução de 37,41% no fluxo de passageiros. Foram 2.003.966 em 2019 contra 1.254.213 em 2020. 


Reprodução // Pega Visão Bahia

Todos esses números, por mais negativos e impactantes que sejam, nem de longe traduzem a dor das famílias que perderam entes queridos para a covid-19. Porém, há que se considerar as perdas econômicas, sobretudo pensando na retomada das atividades em um futuro, que todos desejam que esteja próximo, principalmente, após recente anúncio do governador da Bahia, Rui Costa, sobre a compra de quase 10 milhões de doses da vacina russa. Com a retomada das atividades econômicas, o que se espera também é a retomada da geração de emprego e renda. No estado baiano, sobretudo em Salvador, esse fator esta intrinsecamente ligado ao Turismo. A capital baiana perdeu aproximadamente R$ 2 bilhões somente no setor do turismo durante a pandemia. A cifra foi informada ao BNews pelo próprio secretário de Cultura e Turismo de Salvador, Fábio Mota.

Em entrevista, Mota reconheceu que “o impacto foi grande” e explicou que antes da segunda onda da pandemia, os números da ocupação hoteleira, um dos principais termômetros do setor, chegaram a subir. “Chegamos a ter apenas, durante a pandemia, 10% de ocupação na rede hoteleira, logo no início. Depois deu uma reagida. Montamos a estratégia de promover turismo interno, nas redes sociais, para soteropolitanos, baianos e nordestinos. Demos uma reagida a partir de novembro. Com a segunda onda, voltamos à estaca zero.  Para você ter uma ideia, em fevereiro de 2021 tivemos 38% de ocupação, 48% de queda em relação ao mesmo mês em 2020. São números fortes. Tínhamos uma estimativa de fluxo turístico de 930 mil pessoas em fevereiro, fechamos em 490 mil. Os cruzeiros ficaram impedidos de ser feitos no Brasil, na temporada passada. Só aí perdemos mais de 150 mil pessoas que chegariam à cidade.  Também tivemos o cancelamento do Carnaval e todas as lavagens, o que deu um impacto muito grande no resultado”.


Gilberto Júnior // BNews

Outros setores bastante impactados foram os de entretenimento e cultura. O gestor da Secult se mostrou sensível ao pleito das categorias, que fizeram diversos protestos pedindo providências, reconheceu que não há como retornar com as atividades de entretenimento e cultura no momento, mas afirmou que busca, junto ao prefeito de Salvador, Bruno Reis (DEM), não deixar esses profissionais desamparados.

“O setor de entretenimento tem mais de um ano que não faz show, a área cultural está totalmente parada. Estamos tentando aprovar a prorrogação da lei Aldir Blanc, relicitar, fazer novos chamamentos públicos e continuar incentivando a área cultural. O prefeito Bruno Reis também tem atuado nesse sentido. Hoje é inviável voltar o setor de entretenimento, assim como o de cultura. A gente vem conversando. Houve mobilização para votação de um projeto na Câmara e no Senado para ver se abre um novo horizonte. Foram os setores mais prejudicados durante a pandemia. O diálogo acontece, mas eles próprios já entenderam que não tem como fazer show, peça teatral”, disse ao BNews

Apesar de estar ciente da força da segunda onda da covid-19 no Brasil, Fábio Mota se mostra confiante na retomada do setor do turismo. Seu otimismo se deve à possibilidade da chegada de quase 10 milhões de doses da vacina russa à Bahia, além de outras doses que estão em negociação pelo governo federal e prefeitura de Salvador. “Temos a expectativa da retomada com essa previsão de chegada de vacinas. Estimamos que a partir do segundo semestre teremos um grau de imunidade grande no Brasil, no mundo, e isso vai possibilitar que essa demanda reprimida possa viajar e ter a retomada no setor de turismo e a gente tem que estar preparado para isso”.


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Questionado sobre essa preparação, Mota fala em rígidos protocolos específicos para evitar uma possível proliferação da covid-19 e na continuidade da requalificação da orla e novos equipamentos para atrair público: “Já vamos ter um novo e moderno equipamento, que é a Casa da Música, com possibilidades de ações culturais. O prefeito deve inaugurar os próximos dias. Continuamos trabalhando na requalificação da orla de Salvador, agora com foco entre Ipitanga e Stella Maris. Essas são as praias mais frequentadas por turistas que visitam em Salvador. Além disso, temos um dos arquivos públicos mais importantes da América Latina. Estamos concluindo o prédio que fica perto da Casa da Música, em frente ao Mercado Modelo, onde terá o Arquivo Público com toda história da cidade”.

Entrando em um assunto que gerou polêmica no ano passado, o cancelamento do São Jõao, Fábio Mota disse que para esse ano tudo “depende da taxa de imunização”: “Nesse momento não dá para pensar, mas a depende da quantidade de vacina e da taxa de imunização. Junho está muito próximo, mas a gente não pode agora fazer essa previsão. Três meses para a ciência é muito, então vamos aguardar”.


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Um pouco mais distante, o Carnaval também foi abordado por Mota em entrevista à reportagem. “Entre os principais carnavais do Brasil, os de Salvador e Rio têm uma dependência muito grande do setor de turismo, de serviço. O prejuízo foi muito grande. A gente vai ter que fazer um esforço para ter o carnaval dentro dos moldes que continue gerando emprego, renda e atraindo turistas”. Questionado sobre mudanças estruturais na folia, como a diminuição da quantidade de dias, por exemplo, o secretário de Cultura e Turismo da capital não descartou nenhuma alternativa. “Há possibilidade de tudo. Com certeza será um carnaval diferente de tudo que a gente já fez. Por mais que aumente a imunização, sabemos que será um carnaval com protocolos específicos. Segundo ciência, a OMS, vamos ter que conviver com o vírus por um bom tempo, então temos que controlar. Mas essas respostas vamos ter nos próximos meses”.


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Secretário de Turismo do Estado, Fausto Franco também falou ao BNews sobre os impactos da pandemia no setor. Sobre o São João, Fausto disse que “não há como fazer previsões” em decorrência da pandemia e reiterou que “acabamos de assistir a um aumento significativo dos casos, que acabou refletindo no turismo novamente”. Para ele, é necessário ficar atento ao ritmo da vacinação


Reprodução // Instagram

Questionado, então, sobre o Carnaval e as conversas com a prefeitura sobre a festa, o gestor se limitou a dizer que “estamos concentrados redução das mortes e internações, bem como na compra de vacinas” e ressaltou que “governo e a prefeitura têm uma expertise muito boa para a realização de eventos e, no momento certo, discutiremos o carnaval”. 

Fausto também fez um balanço das consequências do coronavírus para o turismo baiano: “De fato, não apenas a Bahia, mas o mundo está vivendo, desde 2020, momentos difíceis para todos os setores da economia, por conta da crise sanitária provocada pela pandemia do coronavirus. E turismo foi um dos mais atingidos.  Os resultados somente serão mensurados a médio e longo prazo. No Brasil, houve queda de 29% na atividade e a Bahia teve a menor redução entre os 26 estados e Distrito Federal. No entanto, além de o setor ter características que permitem uma rápida recuperação, a Bahia é um Estado que se diferencia de outros destinos turísticos do país, o que proporciona a retomada”.

Durante a entrevista, o secretário ressaltou a importância do turismo para a economia da Bahia. “A cadeia produtiva do turismo envolve mais de 50 setores da economia. As atividades características do turismo na Bahia, a exemplo de hospedagem, alimentação, agenciamento, transporte e receptivo turístico, equivalem a 4,3% do Produto Interno Bruto (PIB) da Bahia, que foi de R$ 304,8 bilhões em 2019, segundo a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI)”.


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Franco falou sobre o trabalho da secretaria para estar pronta quando as atividades turísticas voltarem na Bahia: “a secretaria tem trabalhado no sentido de orientar os coordenadores das câmaras técnicas de turismo, gestores municipais, na adoção e cumprimento dos protocolos sanitários com rigidez, pois um destino não basta parecer seguro, tem que demonstrar ser seguro. E o governo do Estado recentemente fez uma campanha ‘Verão Seguro’, voltada para instruir turistas e moradores locais. Aliado a isso, a Bahia é um Estado com 133 municípios turísticos, com mais de mil quilômetros de praias de Norte a Sul; com turismo junto à natureza, a exemplo da Chapada Diamantina; com vinícolas e cânions no Vale do São Francisco. Ou seja, são muitas opções de turismo ao ar livre, fora de aglomerações. Então o grande ganho da Setur, será potencializar esses atrativos turísticos”.


Divulgação // Governo SP

Sobre em quanto tempo haverá a retomada do turismo considerando a confirmação da compra de quase 10 milhões da vacina russa pelo governador Rui Costa, Fausto Franco disse, de forma genérica, que a vacinação em massa fará o setor voltar a crescer. “O setor é o que pode responder mais rapidamente, pois há uma expectativa grande da população em voltar à sua vida normal. Quando houve o arrefecimento da pandemia, um dos primeiros setores a dar sinais de recuperação foi o turismo e, com a aquisição das vacinas e imunização em massa, a atividade voltará a crescer”.

O secretário também foi questionado se há na Setur algum estudo acerca de quanto tempo vai demorar para o turismo na Bahia se recuperar. Apesar de não ter mencionado nenhum estudo, Fausto enfatizou: “Como disse anteriormente, não há como fazer uma previsão concreta, pois o turismo é uma atividade transversal, e estamos vivendo de acordo com as questões sanitárias provocadas pelo coronavirus, mas também já percebemos que o turismo respondeu bem e tem capacidade para se recuperar no curto prazo. Entretanto, com a redução dos contágios e dos óbitos, além da vacinação em massa e o respeito aos protocolos sanitários, o turista voltará a ter a segurança para poder viajar”.


Divulgação // Valter Pontes // SECOM

Diante das ações e promessas do governo e prefeitura, Júlio Rangel, empresário que atua no turismo há mais de 20 anos, falou ao BNews com indignação sobre de que forma o setor vem sendo tratado. Dono dos hotéis Alah Mar e Salvador Mar, Júlio fez um desabafo indignado e emocionado à reportagem. “Nós estamos sofrendo há um ano. Não esperávamos isso. Fizemos investimento nos hotéis esperando o Centro de Convenções inaugurar. No primeiro evento vendemos o hotel todo, foi aí que veio a pandemia e tivemos que devolver todas as diárias”.

Daí para frente foi só prejuízo, segundo o empresário: “Tivemos que demitir, fechamos três meses um, três meses outro. Como é perto da praia, o salitre comeu tudo. Tivemos que dar manutenção”. Rangel se mostrou extremamente indignado com a forma como o governo da Bahia tem tratado os pequenos hotéis: “Fiquei sentido com o governador que nunca olhou para o turismo. Sempre colocou gente sem capacidade, porque esse secretário atual até hoje não sei o que faz na secretaria.  Ele nem mora aqui, fica mais em São Paulo. Tentamos conversar com o governador, mas ele foi capaz de atender.

Apesar das críticas à prefeitura, o empresário afirma que pelo menos houve a redução do IPTU. “A prefeitura menos mal, ainda deu uma certidão para hotéis pequenos irem a bancos tomar dinheiro, fez uma redução do IPTU, fez alguma coisa. Não fez o máximo que poderia, mas fez algo. Vamos ver agora com Fábio Mota, que é muito capaz, entende muito de política, para ver se ele faz algo pelos hotéis pequenos. Fecharam 22 hotéis em Salvador, a situação é complicada”.


Divulgação // Secom GOV

Júlio Rangel também teceu duras críticas à Associação Brasileira da Indústria de Hotéis (ABIH): “o presidente só quer saber dos grandes hotéis, fazer política, fazer lobby, e o pequeno que se quebre”. Questionado sobre a esperança em uma possível retomada, o empresário não parece ver uma luz no fim do túnel: “Vai ser difícil nessa retomada porque não vamos ter hospedagem. A gente mesmo colocou os hotéis a venda e até hoje não apareceu ninguém. Acabaram nossos recursos, vendemos imóveis, vendemos carros para manter o emprego pelo menos da metade. Mas está difícil com ocupação entre 10% e 20%. E agora pior, porque quando a gente pensou que estava passando, veio a segunda onda, que está pior ainda. Eu estou com problema de pressão alta, só ando em emergência, mas tem que enfrentar essa situação”.

Ao final da entrevista, Rangel fez um desabafo que reflete a situação de muitos empresários, não só do setor hoteleiro, mas do turismo e tantos outros setores da economia diante da pandemia do coronavírus: “É uma dor muito grande ver seu patrimônio se acabar sem ter uma ajuda de governo, de ninguém”.

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