Política

Exército ameaça punir militar que comemorar aniversário do golpe: 'Rechaçar os crimes'

Golpe de Estado brasileiro completou 59 anos nesta sexta-feira (31)  |  Arquivo Público DF

Publicado em 31/03/2023, às 06h46   Arquivo Público DF   Cezar Feitosa e João Gabriel/Folhapress

 

O comandante do Exército, general Tomás Paiva, afirmou a interlocutores que a Força punirá oficiais que comemorarem o aniversário do golpe militar nesta sexta-feira (31) ou participarem de eventos organizados por militares da reserva.

Segundo relatos feitos à reportagem, a orientação foi repassada a oficiais-generais. A principal preocupação está com os movimentos previstos entre reservistas no Rio de Janeiro. Para isso, oficiais da Força ficarão atentos à movimentação no Clube Militar -grupo de integrantes da reserva que promoverá um almoço, no Rio, para celebrar o golpe de 1964.

O evento é convocado sob a alcunha "Movimento Democrático de 1964", com ingresso a R$ 90 e restrito a sócios e convidados. Generais ouvidos pela reportagem afirmam que não é rara a presença de oficiais da ativa em eventos do Clube Militar, especialmente pelo fato de reservistas terem familiares na ativa.

A iniciativa de Tomás não decorre de orientação direta do ministro da Defesa, José Múcio Monteiro, mas foi tomada após decisão da pasta de manter-se em silêncio diante do aniversário do golpe de 1964.

Somente o plano de ignorar a data foi acertado entre Múcio e os comandantes Tomás Paiva (Exército), Marcos Olsen (Marinha) e Marcelo Damasceno (Aeronáutica), em conversas informais.
A pasta confirmou à reportagem que não emitirá notas sobre o dia. "O ministério não divulgará nenhum comunicado ou ordem do dia sobre a data", disse a assessoria.

O ex-delegado e hoje pastor evangélico, Cláudio Guerra, foi responsável por assassinar e incinerar opositores à Ditadura Militar no Brasil (1964-1985). Ele revelou em um documentário os bastidores dessas execuções feitas em nome do estado. pic.twitter.com/2U5UP1mYXp

— The Intercept Brasil (@TheInterceptBr) March 31, 2019

 

Integrantes da cúpula do Ministério da Defesa afirmam, sob reserva, que a decisão de ignorar a data foi a forma encontrada de evitar crises na data tanto com os militares quanto com o governo Luiz Inácio Lula da Silva (PT).

O silêncio ainda é o meio-termo entre as comemorações à data, feitas nos últimos quatros anos sob o governo Jair Bolsonaro (PL), e a divulgação de comunicado em repúdio ao golpe militar, que, na avaliação da Defesa, poderia desgastar a relação de Múcio especialmente com oficiais de baixa patente.

Outras áreas do governo também têm decidido ignorar a data. O Ministério de Direitos Humanos, por exemplo, não emitirá nenhum comunicado em repúdio ao golpe militar no dia de seu aniversário.

Por outro lado, a pasta organizou nos últimos dias a "Semana do Nunca Mais", programação com uma série de agendas voltadas à preservação da memória, da verdade e da justiça sobre o período da ditadura.

A semana teve como ápice a primeira sessão da Comissão de Anistia, nesta quinta, às vésperas do aniversário do golpe de 1964. No encontro, o colegiado reverteu pedidos de indenização negados pelo governo Bolsonaro, em julgamentos considerados injustos.

Essa semana completamos mais um aniversário do golpe militar de 1964. É inaceitável que ainda haja quem se sinta confortável em celebrar essa data infame na História brasileira. Não esqueceremos e não deixaremos repetir. Ditadura nunca mais! pic.twitter.com/S3ffzfBfpz

— Guilherme Boulos (@GuilhermeBoulos) March 29, 2023

 

"Rechaçar os crimes e as violações de direitos humanos ocorridos na ditadura civil-militar brasileira não significa, portanto, criticar as Forças Armadas, mas apontar para um período da história que todos, sem exceção, devem deixar para trás", afirmou o ministro dos Direitos Humanos, Silvio Almeida, durante o evento.

"E isso não se dará silenciando sobre este período, mas conhecendo-o profundamente para que não deixemos que se reproduza no presente, como hoje o faz por lamentáveis atos de violência e ameaças contra cidadãos e instituições democráticas."

Após o retorno da Comissão de Anistia, o ministério articula agora a recriação da Comissão de Mortos e Desaparecidos, extinta por Bolsonaro.

As manifestações contra a ditadura também têm sido feitas pela EBC (Empresa Brasil de Comunicação), que planejou programação especial nesta semana para exibir filmes e organizar debates sobre o "verdadeiro caráter ditatorial do golpe militar de 1964", segundo um de seus avisos.

"Entendemos que é importante que os que não viveram este período da história do Brasil conheçam os males causados pelos regimes autoritários e entendam os benefícios da democracia", disse a EBC em nota.

31 de Março de 1964, dia que a democracia foi extinta por longos 21 anos. Autoritarismo, tortura, censura, perseguições, mortes.

Hoje temos um presidente que celebra a ditadura e incentiva a violência. Não nos calaremos.

Não esquecemos para não se repetir. #DitaduraNuncaMais pic.twitter.com/yHdbo9nrlu

— Mídia NINJA (@MidiaNINJA) March 31, 2020

 

A decisão do Ministério da Defesa de ignorar o aniversário do golpe militar rompe um ciclo de quatro anos consecutivos em que, sob Bolsonaro, o governo comemorou a ditadura em comunicados oficiais.

Nos últimos quatro anos, o Ministério da Defesa publicou ordens do dia em celebração ao golpe militar de 1964. A comemoração foi uma ordem dada pelo ex-presidente.

"Nosso presidente já determinou ao Ministério da Defesa que faça as comemorações devidas com relação ao 31 de março de 1964 incluindo a ordem do dia, patrocinada pelo Ministério da Defesa, que já foi aprovada pelo nosso presidente", disse em 2019 o então porta-voz da Presidência, general Otávio Rêgo Barros.

Depois disso, os então ministros Fernando Azevedo e Braga Netto divulgaram comunicados sobre o dia, que foram lidos nos quartéis e eventos militares marcados para 31 de março.
Em 2020, Azevedo escreveu que "o Movimento de 1964 é um marco para a democracia brasileira. Muito mais pelo que evitou".

E completou: "A sociedade brasileira, os empresários e a imprensa entenderam as ameaças daquele momento, se aliaram e reagiram. As Forças Armadas assumiram a responsabilidade de conter aquela escalada, com todos os desgastes previsíveis".

Braga Netto, em 2021, foi ainda mais incisivo em sua manifestação. Ele disse que a ditadura militar merece ser "celebrada". "O movimento de 1964 é parte da trajetória histórica do Brasil. Assim devem ser compreendidos e celebrados os acontecimentos daquele 31 de março", finalizou o comunicado.

O Exército chegou a celebrar a ditadura de 1964 em comunicados oficiais, lidos em quartéis, antes do governo Bolsonaro. Nos primeiros mandatos de Lula, o comandante militar escreveu quatro manifestações em comemoração ao aniversário do golpe.

Em 2006, por exemplo, o comandante Francisco Albuquerque emitiu um comunicado para o Exército "orgulhar-se do passado".

"O 31 de Março insere-se, pois na história pátria e é sob o prisma dos valores imutáveis de nossa Força e da dinâmica conjuntural que o entendemos. É memória, significado à época pelo incontestável apoio popular, e une-se, vigorosamente, aos demais acontecimentos vividos, para alicerçar, em cada brasileiro, a convicção perene de que preservar a democracia é dever nacional."

À época, o ministro da Defesa Waldir Pires disse que respeitava a posição do comandante do Exército. "Não tenho nada a contestar à posição de quem interprete dessa forma [a exaltação ao golpe militar]. Tenho que respeitar a posição de cada um", afirmou.

O Exército deixou de divulgar comunicados oficiais em comemoração ao golpe militar em 2007. Nos últimos 16 anos, as únicas citações oficiais foram feitas pelo Ministério da Defesa.

Ministro da Defesa de Bolsonaro, Braga Netto mente e nega ditadura no Brasil a partir de 1964 pic.twitter.com/wHKeGewDWj

— UOL Notícias (@UOLNoticias) August 17, 2021

 



Logo após assumir a Presidência, em 2011, Dilma Rousseff (PT) determinou que as Forças Armadas não citassem a ditadura militar nas ordens do dia. Naquele ano, o Exército chegou a vetar uma palestra do general Augusto Heleno que seria realizada em comemoração ao golpe.

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