Especial

Enegrecer para Ver: Palavras usuais são atribuídas de forma pejorativa a negros, explicam especialistas

Arquivo Pessoal
Nas ruas, o BNews escutou o que as pessoas acham dessas expressões   |   Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 30/11/2019, às 11h06   Yasmim Barreto


FacebookTwitterWhatsApp

Antes mesmo de começar a dar os primeiros passos, os seres humanos já balbuciam algumas palavras, quando crescem e dominam a língua utilizam esse conjunto de letras para se comunicar e interagir entre si. No entanto, esse mecanismo que viabiliza as relações humanas pode funcionar também para fomentar e agredir determinados grupos sociais com os significados que lhes são atribuídos ou perpetuar traços de uma sociedade que viveu pelo menos 300 anos de escravidão.

A doutora de Língua e Cultura, Fernanda Machado, e a professora de linguística da Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (UFRB), Amanda dos Reis, fizeram um compilado de palavras e expressões presentes no dia a dia que por sua vez tem origem racista. [Confira no final da matéria] 

“O racismo é entendido como um sistema de ideias em que um grupo social, justamente por questão de cor mesmo, fenotípicas, é entendido como menos humano ou até não-humano em relação a outro grupo social e isso vai se concretizar em dizeres da língua”, explicou Fernanda Machado. 

Com um dicionário próprio, o Baianês, os baianos não estão isentos no processo de construção e conservação dessas expressões, o exemplo disso é o “cabelo duro” que até já protagonizou um hit do carnaval de Salvador e está presente nos diálogos entre amigos, família e trabalho. A doutora em Língua e Cultura ressaltou que esse termo adjetiva de forma pejorativa os cabelos crespos que, em sua maioria, pertencem à população negra. Para ela, a expressão remete a existência de dois tipos de cabelos: o suave, bom, e o duro, ruim.  

Amanda dos Reis destacou a palavra ‘denegrir’ como um dos principais exemplos de racismo no português. A formação do termo, que vem do latim denigrare, surge da junção da preposição ‘de’ com o substantivo ‘niger’, que significa ‘negro’, ou seja: tornar mais negro, explicou a professora. “No português ele ganha uma carga de manchar, macular, a posição/imagem de alguém e logicamente a base negro associado a isso tem um fundo racista”, completou. 

Uma forma sutil do preconceito criar raízes e ser perpetuado é através da língua, na qual os significados pejorativos remetem a um grupo social, que, segundo a doutora de Língua e Cultura, acontece por características físicas como a cor. Na série do BNews - Enegrecer para Ver -, as pesquisadoras destrincharam as causas e consequências da formação dessas palavras usuais. 

Conforme Amanda dos Reis, a maioria dos termos racistas possuem significados e objetivos de “amenizar” a negritude, que é vista como um problema ou defeito, e enfatizar a aversão a essas características que ela atrela ao colorismo. Dentre os exemplos trazidos pela professora de linguística estão: sarará, saruaba, negro dos ‘’traços finos” e moreninho. Para ela, a direção ideal é o contrário: ressignificar o ‘ser’ negro através do orgulho a raça, cultura e estética.  

E as rupturas que a população negra sofre no empoderamento de suas características físicas e capacidades intelectuais também aparecem maquiadas em frases que por vezes estão em contextos de elogios, destacou Fernanda Machado. Ao empregar frases como “negra linda”, “negra inteligente”, reitera que o comum é que negros e negras sejam percebidos, erroneamente, como feios e não inteligentes, se fazendo necessário pontuar o que seriam exceções de pessoas negras que se enquadram nesses adjetivos. 

“Quando você se refere a uma mulher ou homem branco você diz que somente que ele é lindo ou linda, você não diz que é um branco lindo ou um branco inteligente, então quando isso é dito é porque na verdade entende-se que isso é uma exceção”, comparou.  

O que as pessoas dizem: 


Engana-se quem pensa que os termos só podem ser considerados racistas pelo significado, a doutora em Língua e Cultura enfatiza que o tom de voz também é um fator determinante na conotação do que está sendo dito. “É bom que se pense que alguns significados negativos são impressos aos dizeres pelo tom, porque a língua não é somente a questão verbal, mas também o tom de voz, a expressão facial, tudo isso acompanha os significados que são construídos. Quando você diz ‘preto’, ‘negro’, ainda que se refira a palavras como essas que não são pejorativas, e coloca um tom diferente, negativo, automaticamente acaba atribuindo uma carga semântica racista ao que está sendo dito”.  

Confira a lista de palavras e expressões usuais racistas:  

Inveja branca

Neguinho

Denegrir

Mulata

Nigrinha 

Fala mais que a nega do leite

Negro de traços finos

Não sou suas negas

A coisa tá preta

Cabelo duro 

Sarará

Saruaba 

Negra linda/inteligente 

Cor de pele

Empregada doméstica 

Criado mudo

Ouça a explicação:

Leia também: 

Enegrecer para Ver: Mulheres negras em ascensão social expõem cenários de racismo no mundo dos negócios
Enegrecer para Ver: Negros têm maior incidência de evasão escolar que brancos na capital mais negra fora da África; conheça histórias

Enegrecer para Ver: Professores defendem conteúdo afro no combate a evasão de estudantes negros

Classificação Indicativa: Livre

FacebookTwitterWhatsApp