Política

Fala de Monark sobre partido nazista divide opiniões sobre liberdade de expressão

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Publicado em 08/02/2022, às 19h43   Redação


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A defesa feita pelo apresentador Bruno Aiub, conhecido como Monark, de que nazistas deveriam ter o direito de ter um partido e que antijudeus deveriam ter o direito de ser antijudeus, gerou interpretações distintas no meio jurídico. O apresentador foi desligado do canal.


Parte dos especialistas em direito consultados pela Folha de S.Paulo considera que a fala de Monark pode ser considerada apologia ao crime ou mesmo crime de racismo.
Mas outra parcela considera que a fala dele está protegida pela liberdade de expressão, argumentando que defender o direito de dizer algo é diferente de fazer apologia ao crime.

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A declaração de Monark foi dada durante entrevista com os deputados federais Kim Kataguiri (Podemos) e Tabata Amaral (PSB) ao podcast "Flow" nesta segunda-feira (7).


"A esquerda radical tem muito mais espaço do que a direita radical, na minha opinião. As duas tinham que ter espaço, na minha opinião. Eu sou mais louco que todos vocês. Eu acho que o nazista tinha que ter o partido nazista reconhecido pela lei", disse ele.


A fala foi questionada pela deputada, e Monark disse: "as pessoas não têm o direito de ser idiotas"? Tabata rebateu dizendo que a defesa do nazismo coloca toda uma população em risco e o apresentador respondeu: "De que forma? Quando é uma minoria, não põe?".


"Se o cara quiser ser antijudeu, eu acho que ele deveria ter o direito de ser", também declarou Monark.
As declarações repercutiram na comunidade judaica brasileira. A Conib (Confederação Israelita do Brasil) condenou a declaração e disse que o nazismo é a maior evidência histórica das consequências do discurso de ódio para a humanidade.


"O nazismo prega a supremacia racial e o extermínio de grupos que considera 'inferiores'. Sob a liderança de Hitler, o nazismo comandou uma máquina de extermínio no coração da Europa que matou 6 milhões de judeus inocentes e também homossexuais, ciganos e outras minorias", diz.


A Federação Israelita de São Paulo afirmou que ao manter o posicionamento mesmo sendo questionado, Monark demonstrou "desconhecer a história do povo judeu, e a natureza de um princípio constitucional essencial [a liberdade de expressão], muitas vezes deturpado por aqueles que insistem em propagar um discurso que incita o ódio contra minorias".


Nesta terça-feira (8), os Estúdios Flow, responsáveis pela Flow Podcast, anunciaram o desligamento do youtuber Bruno Aiub e que o episódio com as declarações foi removido.
"Pedimos desculpas à comunidade judaica em especial e a todas as pessoas, bem como repudiamos todo e qualquer tipo de posicionamento que possa ferir, ignorar ou questionar a existência de alguém ou de uma sociedade".


De acordo como artigo 20 da Lei 7.716, de 1989, é crime "praticar, induzir ou incitar a discriminação ou preconceito de raça, cor, etnia, religião ou procedência nacional". A pena prevista é de reclusão de um a três anos e multa, que aumenta para dois a cinco anos, quando praticado por intermédio de meios de comunicação ou publicações.


A professora de direito penal da FGV Direito de São Paulo, Raquel Scalcon, considera tal enquadramento possível, porque diferentemente de outros países, com interpretação mais ampla do conceito de liberdade de expressão, no Brasil há limites para a manifestação feita pelo apresentador.
"Entendo que, considerando a nossa Constituição e como vimos interpretando isso, que o problema de discriminação é muito intenso no nosso país, parece que aqui a liberdade de expressão cede para uma prática que pode ser considerada crime", diz a professora.


Os especialistas que discordam da possibilidade de enquadramento penal dizem que Monark fez uma defesa abstrata e não chega a ultrapassar a linha necessária para ser acusado de racismo.
Ivar Hartmann, professor associado do Insper, diz que Monark faz uma argumentação em defesa da mudança de regras para criação de partidos, próxima de defender um caso concreto. "Existe uma diferença entre incentivar pessoas a cometer um crime e defender alterações na lei para que essa mesma prática deixe de ser considerada um crime".


Como exemplo, ele cita o julgamento no STF (Supremo Tribunal Federal) sobre a marcha da maconha.
"Defender que o consumo de drogas deveria deixar de ser crime é conduta protegida pela liberdade de expressão na Constituição brasileira tanto quanto defender que o racismo deveria deixar de ser crime", acrescenta.


O professor também considera que se o objetivo é combater o discurso de ódio, a forma mais efetiva não seria via Judiciário, mas pela reação da sociedade sobre o caso, além da pressão de financiadores.
Para Ana Gabriela Ferreira, advogada e professora de direito penal, as falas de Monark violam preceitos constitucionais e também podem ser consideradas como crime de apologia ao racismo.


"A nossa Constituição abole a possibilidade de discriminação e se arma de garantias fundamentais contra o racismo", diz. "Ele pode incidir na legislação de racismo, porque ele faz apologia ao racismo que é uma ideia sustentada pela existência de pretensa supremacia racial."


Para ela, é importante considerar a lesividade do discurso a uma coletividade, em relação a comparações com apologia a descriminalização de outras condutas como a liberalização das drogas.
"Você não tem como fazer apologia a uma coisa ignorando a aceitação do resultado [lesivo a terceiros] disso", afirma. "Se você faz apologia à discriminação, você está corroborando o efeito dessa discriminação. Se você faz apologia ao nazismo você está corroborando com as ideias propagadas pelo nazismo."


Já para Leonardo Penteado Rosa, professor de direito da Universidade Federal de Lavras, a fala de Monark está protegida pela liberdade de expressão. Apesar disso, ele considera que Monark está equivocado em sua fala, ao sugerir que o nazismo seria uma oposição ao judaísmo como conjunto de ideias.


"Defender a descriminalização de uma conduta não é crime", afirma Rosa. "Defender que uma pessoa possa fazer algo não é defender esse algo."


Ele considera problemático que a fala de Monark possa ser enquadrada como crime, pois avalia que isso implicaria em obstáculos para o debate sobre a descriminalização de condutas.


"As pessoas não estão tentando criminalizar uma discussão sobre se os judeus devem ou não existir. Essa é a discussão sobre o discurso de ódio", diz. "As pessoas estão criminalizando uma posição a respeito da liberdade de expressão, isso é assunto completamente diferente."


Por outro lado, Rosa considera que Monark erra ao comparar partidos comunistas com nazistas. "Os partidos comunistas que sobrevivem hoje nas democracias contemporâneas são partidos que usam os instrumentos de política interna da democracia. E a hipótese que sempre se aventa de uma partido nazista, é um partido nazista que faria coisa diferente."


Em seu perfil nas redes sociais, o ministro do STF Gilmar Mendes se pronunciou sobre o episódio e disse que "qualquer apologia ao nazismo é criminosa, execrável e obscena". "O discurso do ódio contraria os valores fundantes da democracia constitucional brasileira. Minha solidariedade à comunidade judaica."


Também o ministro Alexandre de Moraes fez uma postagem sobre o tema, dizendo que a "Constituição consagra o binômio: liberdade e responsabilidade".


"O direito fundamental à liberdade de expressão não autoriza a abominável e criminosa apologia ao nazismo", escreveu.


Para além do debate jurídico, há também a pressão contra empresas que tenham contrato com o estúdio.
Nesta terça, a Ferj (Federação de Futebol do Estado do Rio de Janeiro) rompeu o contrato de transmissão dos jogos de seu campeonato estadual com os Estúdios Flow.


A Insider Store foi outra empresa a repudiar as falas de Monark sobre partidos nazistas e anunciar "total desligamento como patrocinadores do Flow Podcast".


Após a repercussão negativa, Monark divulgou um vídeo nas redes sociais pedindo desculpas pelas declarações.


"Eu errei, a verdade é essa. Eu tava muito bêbado e fui defender uma ideia que acontece em outros lugares do mundo, nos Estados Unidos, por exemplo, mas eu fui defender essa ideia de um jeito muito burro.Eu estava bêbado. Eu falei de uma forma muito insensível com a comunidade judaica. Peço perdão pela minha insensibilidade".


Como mostrou reportagem da Folha de S.Paulo, há uma escalada no número de células neonazistas no Brasil, que saltaram de 75 para 530 de 2015 a maio de 2021, segundo monitoramento feito pela antropóloga Adriana Dias, que pesquisa há duas décadas as atividades desses grupos no país.


O número de inquéritos que investigam o crime de apologia do nazismo no âmbito da Polícia Federal aumentaram, no mesmo período, de apenas 6 em 2015 para 110 em 2020. Só de 2019 a 2020, o crescimento das investigações desse tipo de crime foi de 59%. Os dados da PF foram revelados pelo jornal O Globo.

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