Justiça

Mendonça vai a culto com Malafaia e passa imagem messiânica de aprovação ao STF

Indicado de Bolsonaro diz que Villas Bôas, ex-comandante do Exército, ficou exultante com sua ida à corte  |  Edilson Rodrigues/Agência Senado

Publicado em 10/12/2021, às 07h47   Edilson Rodrigues/Agência Senado   Folhapress

Nada de pôr o título jurídico primeiro. "Aqui é pastor André Mendonça", anuncia Silas Malafaia ao convocar para o púlpito o presbiteriano que chegou ao STF (Supremo Tribunal Federal) após forte lobby pastoral.


Estamos no Culto da Vitória, na Assembleia de Deus Vitória em Cristo, a igreja de Malafaia. O convidado principal da noite desta quinta (9) permanece com o mote da conquista na cabeça: era hora de celebrar "uma grande vitória que Deus nos preparou".


"Esse plano não pode ser frustrado, e não é por minha causa ou sua causa. É pela honra e glória [de Deus]", pregou à plateia lotada —o senador Romário (PL) e o governador do Rio, Cláudio Castro (PL), na primeira fila. Seu triunfo, afirmou, "era do plano de Deus, estava estabelecido por Deus, desde a fundação do mundo".


Dando ares messiânicos à sua entrada na mais alta corte do país, Mendonça contou que disse ao presidente Jair Bolsonaro (PL), "usando a linguagem" do capitão reformado: "O militar está preparado pra guerra. Agora, nós estamos preparados pra cruz. Quem tem medo da derrota não é digno da vitória".


O novo ministro, que será empossado na semana que vem, disse que esteve na quarta (8) com o general Eduardo Villas Bôas, ex-comandante do Exército, que estava exultante com sua aprovação para o tribunal.


"Ele fez uma pergunta interessante: como você manteve paz e serenidade durante todo o processo? Precisei explicar: o crente cristão é aquele que tem fé, fé e a certeza do que você ainda não vê".


Repetiu no púlpito o que disse mais cedo, em reunião com Castro. Ele lembrou de definições que ouviu na imprensa sobre sua longa espera para ser sabatinado: um "calvário" com "requintes de drama". Uma "via-crúcis".


Por que não cunhar "maravilhosamente evangélico" no lugar do advérbio que tanta polêmica causou, "terrivelmente"?


A sugestão do governador do Rio, um católico devoto que fez carreira na música religiosa, ganhou um complemento do pastor que chegou ao Supremo sob a premissa de ser um bom cristão.


O selo de "genuinamente evangélico" também o agradava, disse Mendonça, indicado por Bolsonaro em julho e aprovado só no começo de dezembro.


Castro recebeu nesta quinta o futuro titular da corte e o deputado Sóstenes Cavalcante (DEM-RJ), integrante da igreja de Malafaia que em 2022 comandará a bancada evangélica, no Palácio dos Laranjeiras, uma das sedes do Executivo fluminense.


O governador brincou que Bolsonaro havia tornado a vida de seu indicado mais difícil por causa da hermenêutica —prometer um "terrivelmente evangélico" para o Supremo empolgou pastores, mas irritou opositores e tornou árdua a caminhada de Mendonça até a corte.


O principal empecilho, contudo, não veio da ala progressista que teme ataques ao Estado laico com um ministro que chegou lá com apoio de evangélicos próximos a Jair Bolsonaro.


O presidente da CCJ (Comissão de Constituição e Justiça), Davi Alcolumbre (DEM-AP), ex-parceiro do presidente, procrastinou o quanto pôde marcar a sabatina que decidiria se Mendonça era apto ou não ao STF, na visão dos senadores.


O governador disse que, ante adversidades, valeria refletir sobre os planos de Deus: "Você vai desistir já? Não crê que sou o Deus do impossível?". Ao que respondeu Mendonça: "Imagina se Cristo desistisse da cruz? Não ia ter cristianismo".


Mais tarde, antes do culto, Malafaia o recebeu numa mesa onde se sentaram Castro, o ex-ministro bolsonarista Fábio Wajngarten, o desembargador William Douglas, seu irmão Samuel Malafaia (deputado estadual pelo DEM-RJ) e Romário, que Mendonça afagou como "o senador mais habilidoso", gracejo com sua carreira no futebol.


Já o líder da Assembleia de Deus Vitória em Cristo ganhou do ministro do STF o seguinte agrado: "Pastor Silas, esse homem tem coragem".


Após a participação de Mendonça, o pastor que tanto batalhou por sua chegada no topo do Judiciário maldisse quem vê num ministro "terrivelmente evangélico" uma ameaça à laicidade do Estado. "O estúpido que disse isso tá dizendo que o STF só pode ser composto por ateus ou quem não professa religião", praguejou Malafaia. "Vai ser estúpido lá na China."


Mendonça ainda ouviria o colega de pastorado criticar quem vai contra o "núcleo familiar" (arranjos tradicionais de família, com homem e mulher) e "esquerdopatas" que tentariam importar o comunismo para o Brasil.


"A ideologia de Marx está falida, a de Cristo está de vento em popa", disse Malafaia.


Mendonça foi aprovado no Senado com placar de 47 favoráveis e 32 contrários. Eram necessários 41 votos no plenário. O ex-ministro da Justiça teve o menor número de votos de senadores para uma vaga no STF.


Ele substituirá Marco Aurélio Mello, que deixou a corte em julho por atingir 75 anos —idade da aposentadoria compulsória dos ministros.


Mendonça vai se tornar o segundo ministro do STF indicado pelo presidente Jair Bolsonaro. No ano passado, o Senado aprovou o outro nome enviado pelo mandatário, o do atual ministro Kassio Nunes Marques.


André Luiz de Almeida Mendonça é advogado de formação e foi servidor de carreira na Advocacia-Geral da União. Com a posse de Jair Bolsonaro, chegou ao posto máximo no órgão, tornando-se advogado-geral da União.


Em abril de 2020, foi escolhido ministro da Justiça por Bolsonaro, para ocupar o lugar de Sergio Moro, que deixou o governo. Viu-se envolvido numa polêmica ao assinar habeas corpus em favor do ex-ministro da Educação Abraham Weintraub, intimado a depor pelo ministro do Supremo Alexandre de Moraes por críticas durante reunião ministerial contra ministros da corte —ato sem precedentes de um ministro da Justiça.


A atuação dele no Ministério da Justiça também levantou dúvidas entre os parlamentares, que a consideravam autoritária. Durante a gestão dele, a pasta foi acusada de produzir um dossiê contra 579 servidores federais e estaduais de segurança identificados como integrantes do "movimento antifascismo" e três professores universitários.


Voltou ao cargo de advogado-geral da União um ano depois, deixando a AGU apenas ao ser indicado para uma vaga no Supremo em julho deste ano.


Mendonça também ganhou a antipatia de parte do mundo político por sua defesa e proximidade com integrantes da operação Lava Jato.


Arquivos apreendidos na Operação Spoofing mostram que André Mendonça se reuniu com procuradores da força-tarefa em 2019 e articulou com eles estratégias para impulsionar a agenda política deles. Os documentos circularam entre os senadores, aumentando a resistência a sua indicação.

Classificação Indicativa: Livre


Tags stf Silas Malafaia Jair Bolsonaro André Mendonça culto

Leia também


Juíza de caso Flávio Bolsonaro diz que ação por improbidade não depende de quebra de sigilo


Defesas de réus da Kiss criticam Promotoria e usam mensagem psicografada de vítima do incêndio


Mileide Mihaile é eliminada em 'A Fazenda'