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BNews Novembro Negro: Especialistas explicam a diferença entre Racismo e Injúria Racial

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Bnews - Divulgação Pixabay

Publicado em 09/11/2021, às 05h51   Lucas Pacheco


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O Novembro Negro marca o mês de atividades que inspiram a luta e a resistência do povo negro, com seu ápice no dia 20 de novembro, no qual se comemora a Consciência Negra, data criada pela Lei Federal nº 12.519/2011 e que relembra a morte de Zumbi dos Palmares, último líder do quilombo dos Palmares, assassinado em 1695. Um dos avanços no Brasil em relação à proteção da população negra foi a criação de leis de combate e repressão ao racismo e à injúria racial. Mas você sabe a diferença entre eles? O *BNews* ouviu especialistas e te explica agora.

Em relação à diferença prática entre o racismo e a injúria racial, o advogado criminalista Fernando Santos, que também é presidente da Associação Brasileira dos Advogados Criminalistas (Abracrim) na Bahia afirma que “A diferença na prática é que o racismo é um crime praticado contra uma coletividade, você não tem uma pessoa específica objeto dessa conduta proibida por lei. Por exemplo, no crime de racismo, você tem um impedimento de pessoas negras acessarem determinados locais, você impede que pessoas negras participem de determinado processo seletivo e isso atrai a norma penal do crime de racismo. Já na injúria racial, você tem um ataque à honra de uma pessoa específica fundamentado no preconceito, neste caso específico, direcionado a etnia”.  

Quanto à punição, o advogado salienta que a lei prevê uma pena muito mais grave para o crime de racismo do que para o crime de injúria racial e o fato de a pessoa praticar um dos crimes mais de uma vez, não o torna mais grave, não transforma um comportamento de injúria racial em racismo, por exemplo, mas tem consequência na pena a ser aplicada.

“Eu não acredito que o reiterar de condutas transforme uma injúria racial no crime de racismo. O reiterar de conduta ele vai entrar no aspecto da culpabilidade no momento em que o juízo for definir a pena a ser aplicada. Porque aí você vai dentro do grau de consciência da reprovabilidade de conduta e o juízo poderá fundamentar a decisão, a aplicação de pena em um patamar mais próximo do máximo aplicável a partir dessa premissa. Então, por isso que é importante analisar habitualidade de condutas, se é réu primário, todas essas variáveis que vão ser analisadas quando da fundamentação e estruturação da decisão judicial condenatória”.

Questionado sobre a possibilidade de responsabilização de uma empresa ou órgão pela prática de injúria racial ou racismo por um funcionário, o advogado Fernando Santos explica que “O primeiro ponto que deve ser observado é que a legislação penal vai atingir a pessoa, o que não impede que a empresa possa ser penalizada em outras áreas, certo? Seja na área cível, que o Ministério Público vá procurar esta empresa para buscar uma responsabilidade coletiva, por exemplo, que sejam firmados termos de ajuste de conduta para que essa empresa implemente ou fomente práticas antirracistas, o que é uma realidade muito comum nos dias de hoje. Então,  em muitos casos, essa responsabilidade ela extrapola a própria pessoa e atinge a empresa, afinal de contas estamos falando de prepostos que representam aquela empresa e que dentro até de uma linguagem, de uma metodologia analítica de responsabilidade civil, vinculada ao direito do consumidor, traz uma responsabilidade objetiva para a empresa”.  

Sobre a possibilidade de a pena ser maior se os crimes forem praticados na internet e por meio de redes sociais, já que o alcance é bem maior e em muito menos tempo, ele pondera que a análise vai depender do caso.

“Então há o ‘caso a caso’. Isso precisa ser analisado de acordo com o caso que for apresentado ao Poder Judiciário pra que essa publicidade excessiva, esse alcance maior seja colocado à prova naquele processo. E, quando a gente fala, por exemplo, na esfera cível, não criminal, essa dimensão que essa ofensa gera, isso deve ser condenado sim. Por exemplo, se uma pessoa que tem um milhão de seguidores em uma rede social profere alguma expressão injuriosa contra uma pessoa, uma expressão racista, isso deve ser levado em consideração e você vai comparar com alguém que tem mil seguidores e você não pode punir exatamente da mesma forma. Até pelo aspecto didático que o instituto do dano moral vai ter. Então isso precisa ser bem ponderado. Se a gente fala da área penal, aí a gente vai ter que entrar em aspectos de culpabilidade, são questões mais subjetivas, mas que eu não acredito que possam ter a possibilidade de aplicação de uma pena maior”.

 Para o advogado Jonata Wiliam, especialista em Ciências Criminais, também ouvido pelo *BNews*,  a diferença entre injúria racial e racismo está no bem que é protegido pela lei. 

“Há uma diferença na aplicação, primeiro em relação aos bens que são protegidos, aos valores que a lei pretende proteger. No racismo, tem-se como bem jurídico a proteção e a prevenção contra a discriminação e a injúria racial tem como bem protegido, o valor protegido, a honra. Há essa diferenciação de fato. Entretanto, os estudos mais recentes já mostram que o objetivo final pretendido é o mesmo, que é a prevenção à discriminação e, portanto, essa diferenciação  se mostra anacrônica, ela não reflete a realidade atual e carece de reforma.”

E completa: “Objetivamente falando, o racismo ele pretende evitar a discriminação, seja pela procedência nacional, pela etnia, por raça ou por outros elementos que possam causar essa diferença de tratamento. Enquanto a injúria racial ela pretende preservar a honra, seja na visão que a pessoa tem de si mesma, seja a visão da pessoa na sociedade. A injúria racial ela pretende proteger essa honra da pessoa em específico, enquanto o racismo, a proibição do racismo, é voltado, de fato, à dimensão coletiva”.

Quanto ao aspecto da prática dos crimes por meio da internet e redes sociais, ele destaca que “no próprio Código Penal, tem a previsão de aquele que utiliza a rede social como qualquer outro meio que facilite a sua difusão, ele vai ter uma causa de aumento da pena, então tem uma punibilidade maior.”

Perguntado sobre a necessidade de atualização da lei do racismo, que é de 1989, ele foi enfático.

“É perceptível que o modo como se aplica a lei de racismo e o modo como se aplica a injúria racial, não vem acompanhando essas evoluções, tanto as evoluções tecnológicas, da rede social, da tecnologia, quanto a efetividade dessa aplicação da lei de racismo vem se mostrando anacrônica. Então, há uma necessidade dessa atualização, da modernidade pra poder alcançar essas condutas e de fato utilizar direito penal pra prevenir essa conduta de uma forma mais específica. É por isso que lá no Congresso Nacional hoje, nós temos uma comissão de juristas negros e negras que estão promovendo uma série de alterações na legislação pra que o sistema de justiça ele se adeque a essas novas necessidades e pra que, de fato, esses valores protegidos sejam efetivamente resguardados pela lei. Então, muito objetivamente agora, é necessário essa atualização hoje pra que a lei venha proteger a integridade das pessoas e a honra das pessoas na forma mais atual.”

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