Justiça

Controle da legalidade da investigação criminal pode estar ameaçada

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"É inimaginável que um artigo com esse teor tenha sido suspenso pelo STF porque ele se refere a um princípio processual penal", diz advogado criminal  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Pixabay
Lorena Abreu

por Lorena Abreu

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Publicado em 25/11/2022, às 18h24 - Atualizado em 26/11/2022, às 14h44


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O Supremo Tribunal Federal (STF) julga, nessa sexta-feira (25), importante recurso da Defensoria Pública da União (DPU) que pretende suspender a decisão do Ministro Luiz Fux em relação ao juiz das garantias. Fux suspendeu o instituto do juiz das garantias por decisão liminar do STF, proferida em 2020 em Medida Cautelar em Ações Diretas de Inconstitucionalidade (ADI's).

O novo Código de Processo Penal (CPP) traz a figura do juiz das garantias, responsável pelo controle da legalidade da investigação criminal e pela salvaguarda dos direitos fundamentais do acusado em seu artigo 14º. Ele assegura o afastamento do juiz que julgará a causa penal, tanto na fase de instrução, quanto de julgamento, dos elementos produzidos na fase investigatória, garantindo, assim, a imparcialidade do magistrado que apreciará a pretensão punitiva. A competência do juiz das garantias abrange todas as infrações penais, exceto as de menor potencial ofensivo, e cessa com o recebimento da denúncia ou queixa. O artigo 3º-B do CPP dispõe de um rol não taxativo (aquele que serve apenas de exemplo, não vinculando apenas ao que está descrito, mas podendo ir além) das competências do juiz das garantias.

Atualmente, um mesmo juiz participa da fase de inquérito e profere a sentença, porque foi o primeiro a tomar conhecimento do fato (art. 73, parágrafo único do CPP). Com as mudanças, caberá ao juiz das garantias atuar na fase da investigação e ao juiz do processo julgar o caso, este tendo ampla liberdade em relação ao material colhido na fase de investigação.

Após a grande repercussão, parcelas de profissionais jurídicos se manifestaram contrariamente à aplicação de determinadas normas do Pacote Anticrime (Lei n. 13.964/2019) questionando tanto a aplicabilidade quanto à constitucionalidade. Por isso, foram apresentadas ao STF as ADI's nº. 6.298, 6.299, 6.300 e 6.305.

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Fabiano Pimentel (Advogado Criminalista)/@fabianopimentell

Questionado sobre o tema, o advogado criminalista Fabiano Pimentel, que também é professor de Direito Processual Penal da UFBA e da UNEB, explicou que “o artigo 3º-A, suspenso pelo Ministro Luiz Fux, diz que o processo penal terá estrutura acusatória, vedadas a iniciativa do juiz na fase de investigação e a substituição da atuação probatória do órgão de acusação. É inimaginável que um artigo com esse teor tenha sido suspenso pelo STF porque ele se refere, antes de tudo, a um princípio processual penal. É um artigo base, estruturante que, além de elevar o sistema acusatório em detrimento do inquisitorial, aponta o papel a ser desempenhado pelo juiz, uma vez que o magistrado não pode substituir a atividade probatória da acusação nem adotar iniciativas na fase investigativa. O dispositivo está em plena consonância com o que prevê a Constituição e, em minha opinião, a sua suspensão é um grave equívoco, é como dizer que o processo penal deve ser inquisitivo e não acusatório, como de fato se espera”.

Além do referido artigo, a implementação do juiz das garantias ao processo penal brasileiro também está suspensa. Fabiano explica que “à esse juiz cabe realizar o controle da legalidade da investigação criminal e salvaguardar os direitos individuais, até o recebimento da denúncia. Será ele o responsável por decretar medidas cautelares, busca e apreensões, interceptações telefônicas. Com a introdução do Juiz das Garantias, a lei implementa um novo modelo processual no país, que passará a contar com a presença de dois juízes, um destinado a cuidar apenas da fase investigativa, e outro, destinado ao julgamento do réu. O objetivo dessa divisão é promover mais imparcialidade ao processo, uma vez que o juiz que efetivamente realizará o julgamento do acusado não terá influenciado nas provas produzidas anteriormente”. O profissional pontua que o argumento utilizado pelo Ministro Luiz Fux, apontando que o CPP estaria tratando de matéria de organização judiciária, é frágil e também caracteriza um equívoco do STF, haja vista que “o Código determina a preservação do princípio da imparcialidade do julgador”.

O último artigo a ter a suspensão analisada é o que proíbe o juiz que teve contato com a prova ilícita de julgar o mérito do processo. Fabiano Pimentel afirma que “o objetivo desse artigo também é a preservação da imparcialidade. Se o juiz teve contato com a prova ilícita, ele também foi contaminado, com isso perde a imparcialidade e por isso deve ser afastado”.

A decisão que ocorre nessa sexta-feira (25) é importante para o futuro do processo penal brasileiro, segundo Pimentel. Ele explicita o desejo de que os dispositivos suspensos retornem. “Eu espero, na verdade, é um apelo, para que o Supremo reveja a matéria que foi suspensa pelo Ministro Luiz Fux. É necessário que se preserve o sistema acusatório, a imparcialidade do juiz, porque com isso também se estará preservando os mandamentos presentes na Constituição Federal”, concluiu o professor.

Durante o julgamento desta sexta-feira (25), o ministro Gilmar Mendes, pediu vista da liminar concedida pelo ministro Luiz Fux. No pedido de vista, o decano aponta que "causa perplexidade" que os dispositivos legais estejam suspensos há cerca de três anos.

Até a suspensão do julgamento, somente a relatora da ação, ministra Rosa Weber, havia votado pela inadmissibilidade do pedido da Defensoria e manutenção da liminar de Fux.

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