Justiça

Justiça usa podcast para condenar acusado de matar mulher

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Prisão do homem só aconteceu devido às denúncias realizadas por investigação jornalística veiculada em um podcast na Austrália  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Youtube

Publicado em 03/01/2023, às 19h53   Cadastrado por Lorena Abreu


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A condenação de Chris Dawson, de 74 anos, a 24 anos de prisão pela Suprema Corte de Nova Gales do Sul, na Austrália, só aconteceu devido às denúncias realizadas por investigação jornalística veiculada em um podcast. Dawson foi considerado culpado pelo assassinato da mulher, Lynette Dawson, em janeiro de 1982, e por desaparecer com o corpo para se casar com a babá de uma de suas filhas à época, Joanne Curtis, então com 16 anos de idade.

A promotoria pública da Austrália não tinha em mãos evidências suficientes para apresentar queixa contra Chris Dawson até que o jornalista Hedley Thomas, do jornal The Australian, passou a investigar o caso e transformou a história narrada em um podcast.

Em 2018, o podcast The Teacher’s Pet (o bichinho de estimação do professor, em tradução livre) revelou detalhes do relacionamento entre o professor e sua esposa, sobre sua ex-aluna e funcionária e também do julgamento.

Foi feita uma ampla análise das últimas semanas de vida de Lynette e ouvidas pessoas próximas ao casal. Foram apresentados testemunhas e depoimentos com versões até então desconhecidas. Os episódios foram baixados mais de 60 milhões de vezes em todo o mundo e receberam importante prêmio jornalístico na Australia, o Gold Walkley.

A reportagem sonora mostrou, já no primeiro episódio, depoimentos de vários amigos e parentes de Lynette. A versão de desaparecimento voluntário foi contestada por todos, que alegaram que a mulher era uma mãe exemplar.

Dawson e Joanne, contratada para ser a babá de uma das filhas do casal, mantinham relacionamento secreto. Num outro episódio, é mostrado que Joanne foi transformada em escrava sexual de Dawson e mãe substituta de seus filhos após o desaparecimento da esposa.

O impacto que o material jornalístico provocou na opinião pública e as novidades apresentadas no podcast tiveram papel fundamental na prisão de Chris em 2018 e na acusação de homicídio.

Quando o veredito final foi apresentado pelos juiz Ian Harrison, 14.938 dias depois que a esposa de Dawson ter desaparecido de sua casa nas praias do norte de Sydney, o conteúdo do podcast foi mencionado inúmeras vezes, segundo a revista Consultor Jurídico.

As provas apresentadas no material jornalístico, de acordo com o juiz, revelaram-se "persuasivas e convincentes", de acordo com jornais australianos, e "não deixam espaço para dúvidas" sobre o responsável pelo crime.

Baseado nas provas apresentadas no podcast, o juiz Ian Harrison concluiu que Lynette não "saiu de casa deliberadamente". Ele afirmou que a mulher teria sido morta "no dia 8 de janeiro de 1982, ou numa data próxima, como resultado de um ato voluntário e consciente cometido pelo senhor Dawson com a intenção de causar a sua morte".

O motivo do crime ficou relacionado pelo magistrado com a relação extraconjugal entre Dawson e Joanne, que se mudou para a residência do casal dias depois do desaparecimento de Lynette.

O julgamento teve duração de 10 semanas e foi realizado sem um júri, a pedido do próprio réu.

Chris Dawson só poderá ser beneficiado por liberdade condicional depois de ter cumprido 18 anos em prisão fechada. Isso só acontecerá em agosto de 2040. O que leva a crer que ele, hoje com 74 anos, passará o resto de seus dias numa cela na prisão.

"A perspectiva inevitável é que o senhor Dawson provavelmente morrerá na prisão", disse o juiz Harrison, de acordo com a imprensa da Austrália.

Trazendo o caso concreto para o direito brasileiro, via de regra, os crimes estão sujeitos à prescrição da pretensão punitiva, ou seja, a perda do direito do Estado de punir o autor de um delito pelo decurso do tempo, salvo algumas excessões como os crimes de racismo, de injúria racial e crimes de ação de grupos armados, civis ou militares, contra a ordem constitucional e o Estado Democrático.

"Então, uma situação como essa ocorrida na Austrália, para um crime de homicídio em que não se tinha conhecimento sobre sua autoria, não seria possível de acontecer aqui no Brasil, pois passou-se muito tempo além do prazo prescricional", explica Alisson Caridi, advogado criminalista, professor universitário e presidente da Comissão de Direito Penal da Subseção de Bauru da OAB-SP.

Mas um inquérito pode ser desarquivado para investigação diante de novas provas. Existe uma súmula do Supremo Tribunal Federal (STF), a 524, além do artigo 18 do Código de Processo Penal, que possibilitam o desarquivamento. Contudo, essa possibilidade deve respeitar o prazo da prescrição, diz o advogado constitucionalista Paulo Taunay Perez.

Existem situações em que o prazo prescricional fica suspenso, mas ainda assim, essa suspensão não pode ser por tempo indeterminado, sob pena de transformar-se todos os crimes em imprescritíveis. E essas situações estão ligadas ao início de uma ação penal contra o suspeito de ter sido o autor do crime. Portanto, em se tratando de crime de autoria desconhecida, o que impossibilita o começo de uma ação penal, essas situações de suspensão não se aplicam, avalia Alisson Caridi.

Classificação Indicativa: Livre

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