Justiça

MP vê risco de ilegalidade em venda do Palácio Rio Branco e questiona valores envolvidos

Licitação prevê R$ 26 milhões pagos ao longo de 35 anos de concessão do Palácio Rio Branco - Reprodução
Licitação prevê R$ 26 milhões pagos ao longo de 35 anos de concessão do Palácio Rio Branco  |   Bnews - Divulgação Licitação prevê R$ 26 milhões pagos ao longo de 35 anos de concessão do Palácio Rio Branco - Reprodução

Publicado em 21/01/2022, às 12h38   Luiz Felipe Fernandez


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Em coletiva de imprensa na manhã desta sexta-feira (21), as promotoras do Ministério Público Estadual (MP-BA), Cristina Seixas Graça e Rita Tourinho, esclareceram detalhes da ação ajuizada pelo órgão contra o Governo da Bahia pela licitação da concessão do Palácio Rio Branco, no Centro de Salvador.

Elas questionam a vantagem para o poder público na concessão e o retorno efetivo para a população, e reconheceram também risco de ilegalidade caso detalhes da negociação não sejam esclarecidos.

A licitação para concessão do prédio histórico situado no Pelourinho, em Salvador, que foi a primeira sede do Governo no Brasil, foi aberta na quarta-feira (19) pela Secretaria de Turismo do Estado (Setur), contrariando a recomendação do MP-BA.

O Instituto do Patrimônio Artístico e Cultural da Bahia (Ipac) também é alvo da ação. A promotora Cristina Seixas ressaltou que existe um pedido de tombamento do Palácio Rio Branco, que preservaria partes do edifício e limitaria o que poderia ser modificado, sem resposta há quatro anos. Em contrapartida, o pedido de concessão foi aceite com muito mais celeridade.

"Nós pedimos na ação movida também um tombamento que já dura no Ipac há quatro anos, também tem solicitação no Iphan, e não caminharam no mesmo ritmo do parecer de concessão de bem. Evidentemente tem elementos necessários ao tombamento, mas já tem quatro anos o pedido, então também solicitamos para que isso fosse feito e salvaguardar cada vez mais esse bem. Mas, é fato que o pedido de concessão andou muito mais rápido que o de tombamento", explicou a promotora, que sugeriu que o tema fosse submetido a uma "consulta pública", para buscar entender o que a população deseja que seja feito com aquele bem público.

Os valores envolvidos na negociação chamam atenção do MP. A proposta de concessão de 35 anos, na licitação que tem somente uma empresa interessada, prevê o pagamento total de R$ 26 milhões - sendo R$ 998 mil referente a um terreno anexo ao Palácio, e R$ 25 milhões pelo uso da área, que dá cerca de R$ 715 mil por ano. No contrato consta o pagamento de R$ 12 mil ao governo, como uma espécie de aluguel mensal.

Além do valor que pode ser questionado, de acordo com as promotoras, não está claro no edital o que será feito com o prédio após este período de concessão. Não foi explicado se o Palácio do Rio Branco volta à posse do poder público, mas sugere que o governo possa ter que comprar da empresa vencedora o espaço concedido.

O terreno anexo, segundo a proposta licitatória, seria de propriedade da empresa privada.

"Não está claro o que vai acontecer com a construção que será feita pelo particular, inclusive pela leitura do edital nos parece que ao final do contrato de concessão, o Estado terá que pagar a área e os beneficiamentos feitos. Isso parece incoerente, pois 35 anos para amortizar o capital...Que capital é esse investido? Quanto a empresa concessionária pagará pelo uso da área?", questiona a promotora Rita Tourinho.

Cristina Seixas relembra que o caso começou em 2019, quando a Vila Galé apresentou um projeto para utilização do espaço e instalação de um hotel de luxo, em 2019. O MP-BA fez reiterados pedidos de de cópias do projeto, que sempre eram respondidos que estavam sob análise do Iphan, e fez reuniões com a procuradoria do estado.

Somente em novembro de 2021, o Vila Galé informou que estava doando os "projetos autorais" que estava no Iphan, ao estado da Bahia. Segundo a promotora, o governo não fez a análise preliminar do uso que poderia ser feito do edifício.

"O governo não fez uma análise anterior para perceber que usos poderiam ter daquele edifício. Já recebeu uma indicação de uma empresa do que poderia fazer ali. Isso também é algo que estamos discutindo", analisou.

REVITALIZAÇÃO

A ausência de detalhes sobre um possível projeto para revitalização da área também chama atenção, já que o possível futuro empreendimento ficaria localizado em uma área hoje onde vivem muitas pessoas em situação de rua.

"Tem um processo no MP de todos os empreendedores da área sobre questão de insegurança naquela área, falta de ressocialização em relação à população de rua que ali transita. Quando a gente pensa em uma reurbanização, não é só o prédio em si, temos que pensar na área como um todo", pontuou.

INTERESSE PÚBLICO

Outro ponto nebuloso no processo licitatório parece ser o retorno à sociedade como um espaço público e grande valor histórico. De acordo com o projeto, somente o Memorial dos Governadores seria aberto ao público, enquanto locais como o salão dos espelhos e o belvedere, poderiam ficar restritos aos clientes do restaurante ou do próprio hotel.

"Não nos parece clara a vantajosidade econômica, social, de interesse público do novo empreendimento. Essas questões não estão claras, o prazo de 35 anos e o que irá fazer com o prédio? Não fica claro que vai retornar gratuitamente ao estado, é uma coisa grave a restrição da população de um bem público. Por mais que esteja degradado, não utilizado [...] desafio apresentarem um projeto dessa natureza e um bem de valor e magnitude como é o Palácio Rio Branco, que comportou a primeira sede do governo do Brasil [...] não estamos dizendo que o projeto é inviável, mas era importante que o estado antes da concessão desse esse esclarecimento. Vai fazer o uso da área contígua e não sabe ao final se o estado terá que pagar para receber de volta, isso só depois de 35 anos, prorrogável por mais cinco", justificou Rita Tourinho.

O que também chama a atenção é o interesse somente de uma empresa no certame, em um "processo sem competitividade", o que impede que o valor da negociação seja alterado. O MP-BA pediu que o contrato seja invalidado, mas não há um prazo para que a Justiça se manifeste. Ainda que a licitação ocorra, o contrato pode ser desfeito caso a decisão seja desfavorável ao governo.

"Uma coisa era a ideia sendo gestada, processo licitatório só tivemos conhecimento quando vimos a publicação no Diário Oficial e não houve encaminhamento. O edital já estava pronto, mas não houve esse diálogo", disse a promotora.

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