Entrevista

“O presidente não é o superego do país”, diz jurista Lenio Luiz Streck

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Em entrevista exclusiva ao BNews, Lenio Streck explicou erros do indulto e possíveis crimes cometidos pelo presidente Bolsonaro após decretar perdão a Daniel Silveira  |   Bnews - Divulgação Arquivo Pessoal

Publicado em 01/05/2022, às 06h30 - Atualizado às 06h37   Daniela Pereira


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O indulto que o presidente Jair Bolsonaro (PL) concedeu ao aliado e deputado federal Daniel Silveira, é inconstitucional, de acordo com parecer da Ordem dos Advogados do Brasil (OAB). Em conversa exclusiva com o BNews, o jurista responsável pelo parecer, Lenio Luiz Streck, enumerou os motivos pelos quais o decreto presidencial é inconstitucional e ainda ressaltou os crimes cometidos por Jair Bolsonaro (PL) ao indultar um condenado pelo Supremo Tribunal Federal (STF).

Daniel Silveira virou réu após uma série de ameaças contra ministros da Corte em vídeos publicados nas redes sociais. No último dia 20, o STF formou maioria e o condenou a uma pena de 8 anos e 9 meses de prisão. Menos de 24 horas após a decisão da Corte, o presidente Jair Bolsonaro publicou decreto concedendo indulto ao parlamento livrando-o da punição.

Professor, advogado e membro da Comissão de Assuntos Constitucionais do Conselho Federal da OAB, Streck ainda explicou sobre limites de poderes e listou quais situações um presidente da República pode conceder indulto individual. Confira:

BNews - Primeiro queria que o senhor explicasse o que é um indulto?

Lenio Streck - Indulto é um benefício que pode ser concedido pelo presidente da República. Antigamente era uma prerrogativa dos reis. No Brasil é costume conceder indultos coletivos para presos, diminuindo as penas. O último indulto individual (a tal da "graça") foi concedida pelo presidente José Linhares, em 1945. Não é comum o indulto individual.

BNews - O senhor foi relator do parecer emitido pela Ordem dos Advogados do Brasil sobre o indulto concedido pelo presidente Bolsonaro ao deputado Daniel Silveira. Esse indulto é legal?

Lenio Streck - O indulto concedido pelo presidente é inconstitucional. Embora o presidente tenha poder de o conceder, não pode dar o benefício sem nenhum critério. Presidente não é rei absolutista. Quem disser que o presidente pode dar indulto para quem quer, não está lendo a constituição de forma adequada. Imaginem se o presidente resolva dar indulto para Fernandinho Beira-Mar. Ora, todo ato administrativo deve ter como fundamento o interesse público e a moralidade administrativa. Qual é o interesse público para conceder indulto para o parlamentar? Minha máxima, que é máxima mundial: indulto serve para resolver problemas e não para criar problemas e crises institucionais.

BNews - No parecer, o senhor afirma que o presidente se tornou ‘fiador de um criminoso condenado por atentar contra as instituições republicanas”. O que o senhor quis dizer com isso?

Lenio Streck - Exato. O presidente, na justificativa, diz que o deputado usou sua liberdade de expressão. Ora, isso não é liberdade expressão. Ninguém é totalmente livre. Todo discurso é um ato de fala. Produz impactos. O presidente, ao conceder indulto, concorda com o comportamento criminoso do parlamentar.

BNews - O Presidente da República tem poderes para perdoar crimes que lesam o sistema institucional que estabelece os próprios poderes da República?

Lenio Streck - A Constituição não possui um botão de auto implosão. Quem guarda a CF é o STF. Se você ataca o STF, você ataca a própria democracia. Logo, quem indulta o atacante da democracia, põe em risco ela mesma. O presidente não é o superego do país. o Presidente não tem a última palavra sobre o que é a CF. O presidente tem de obedecer a aquilo que o STF decide. Mesmo que ele ache que o STF errou. Na democracia, gostemos ou não, o STF tem o direito de errar por último.

BNews - Há limites constitucionais para um presidente da República?

Lenio Streck - Há limites. Veja como são as coisas. Hoje, por exemplo, o jurista Ives Gandra defende que o STF não pode declarar o decreto do presidente como inconstitucional. Pois é. Em 2016 o mesmo Ives Gandra escreveu que o se o STF acertou impedindo Lula de ser ministro de Dilma. Então Ives disse que o presidente não pode editar atos sem critérios. Simpatias pessoais não podem ser levados em conta, dizia Ives. O Art 37 da CF impede. Pois é, digo eu. E agora com Daniel Silveira vale tudo? Qual é o Ives que vale? O STF tem precedente pelo qual diz que o presidente Temer tinha poder para decretar indulto. Eu mesmo disse isso. Mas o STF disse, e eu concordo, que se o indulto "sai das chinelas", ultrapassa limites, pode ser declarado inconstitucional. Isso está no voto do ministro Alexandre de Morais. Principalmente na parte em que ele responde a um questionamento do ministro Fachin.

BNews - O senhor acredita que houve alguém crime cometido pelo presidente ao conceder esse indulto individual a um condenado por ataques ao STF e à democracia?

Lenio Streck - Ao conceder indulto, o presidente afrontou o judiciário. E obstaculiza o livre exercício do poder judiciário. Ele atravessou uma decisão do STF que nem terminou ainda. Assim agindo, comete crime de responsabilidade.

BNews - Na conclusão do seu parecer, o senhor afirma que o decreto emitido pelo presidente viola o corpo constitucional, substancialmente, em razão de um claro desvio de finalidade. O que de fato foi violado?

Lenio Streck - O decreto violou o princípio do interesse público e o artigo 37 da CF - princípio da moralidade. Também violou a cláusula de proibição de proteção deficiente, que é quando um ato de um poder protege insuficientemente um bem jurídico. Ao conceder indulto, o presidente disse que é possível e legitimo atacar o STF e ameaçar ministros.

BNews - Em quais situações um presidente da República pode conceder indulto individual?

Lenio Streck - O presidente pode conceder indultos humanitários. E pode conceder indultos por razões políticas, desde que esse indulto não crie um problema político de relações entre os poderes. Pode conceder indulto para quem cometeu crimes. Mas não quem exatamente cometeu crimes contra o STF e a democracia. O elenco de casos em que o indulto cabe é enorme. Não se sabe em quais casos; mas o que se sabe é que casos como esse do deputado não pode. A menos que o presidente consiga dizer que a concessão desse indulto atenda ao interesse público. Qual seria? Eis a pergunta de um milhão de dólares.

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