Salvador

Construtora que fez parceria com associação não entrega condomínio e PMs denunciam

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Empreendimento seria entregue neste ano, porém, construtora nem mesmo adquiriu alvará para construção  |   Bnews - Divulgação Reprodução/Leitor BNews
Sanny Santana

por Sanny Santana

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Publicado em 30/03/2023, às 07h30


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O que era para ser um sonho, acabou se tornando um pesadelo para um grupo de pessoas que investiram, em 2018, em um empreendimento de uma construtora de Feira de Santana. Previsto para entrega em 2023, o espaço, que devia abrigar edifícios - e seus moradores - ainda é ocupado por um matagal, e o problema, que envolve integrantes da Aspra (Associação de Policiais e Bombeiros e de Seus Familiares do Estado da Bahia), não tem previsão para ser solucionado.  

Em conversa com o BNews, uma das vítimas, com o sonho da casa própria, relatou que recebeu indicação do empreendimento, localizado na Rua Silveira Martins, que prometia ser o “novo luxo no Cabula” e um “residencial diferenciado”.

O condomínio, de nome Residencial Reserva Pelicano, contaria com piscina, garagem, salão de festas, playground, churrasqueira, quadra poliesportiva, praças verdes, área privativa e duas torres de morada, sendo um destinado ao público geral e outro, apenas a integrantes da Aspra. As torres teriam 16 andares, cada um com oito apartamentos. 

“Trabalho em um hospital e um colega meu, enfermeiro, me indicou o empreendimento. Um dos aspectos pelo qual me interessei é porque tinha unidades destinadas aos associados da Aspra”, afirmou Ana Cleide Pio, enfermeira de 38 anos, que afirmou ter se sentido ‘mais segura’ em investir no imóvel ao saber que integrantes da Aspra estavam ‘no mesmo barco’. 

Ana Cleide conta que não demorou muito para abrir as portas ao seu novo sonho. Fechou com o empreendimento pelo valor de R$ 85 mil, sendo parcelas de R$ 750, e valores de intermediárias por R$ 3.500. Segundo ela, a justificativa para o baixo valor seria pelo fato de o apartamento ser entregue sem revestimentos e pisos.  

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A proposta era que a construção do condomínio se iniciasse em 2020 e fosse entregue em 2023, mas nada foi feito desde então, e a vítima chegou a pagar, no total, R$ 40 mil. Após dois anos de pagamento e nenhum sinal de início das obras, o grupo de futuros moradores descobriram, por meio da própria construtora, que eles ainda não possuíam alvará para iniciar a construção, documento que não adquirido até este ano. Além disso, o empreendimento não possuía registro de incorporação. Apesar de não ser obrigatório para a construção de casas ou edifícios, é proibido vender unidades do empreendimento antes da conclusão da obra sem que haja o registro. 

Cleide Ribeiro dos Santos, uma técnica de laboratório de 50 anos, foi outra vítima que entrou em contato o BNews. Ela conta que ficou sabendo do empreendimento em 2018. Ela confirma que havia uma promessa de início das obras para 2020, no entanto, alegaram, por um tempo, que a pandemia da Covid-19 atrapalhou o processo.  

“No entanto, eles venderam o empreendimento sem alvará. Em 2021, eles tiveram reunião em Salvador, disseram que o pagamento seria suspenso e só voltariam a pagar quando as obras se iniciassem”, conta. 

Vítimas da Aspra 

O policial militar Adelmo Ferreira Braga foi mais uma das centenas de vítimas da construtora. Ele conta ao BNews que, assim como os outros associados, conheceu o empreendimento através da associação, por meio do presidente do grupo, o deputado estadual Marcos Prisco. “Ele trouxe as informações aos associados e disse que seria algo interessante, algo bom para nós”, contou. 

Daí, então, os associados se reuniram na Fundação Visconde de Cairu, onde foi mostrada uma maquete e uma apresentação do que seria o empreendimento. A unidade, assim, foi ofertada sob uma condição: a de que o grupo só poderia adquirir o imóvel sendo integrante da associação por mais cinco anos. Caso se desvinculasse da Aspra, sofreria uma correção monetária. 

A afirmação, inclusive, foi confirmada pelo coordenador jurídico da Aspra, Jeoás Santos. “Tivemos a informação que a Empresa inseriu esta condição no contrato para ter acesso ao benefício do desconto no valor do imóvel". 

Assim como no caso de Ana Cleide, Adelmo só soube que a empresa não possuía registro de incorporação após pagar pelo empreendimento por dois anos. Ele chegou a investir R$ 60 mil. “Eles deram entrada no alvará, mas nunca saiu. Eles tomaram multa da Sucom (Superintendência de Controle e Ordenamento do Uso do Solo do Município) porque estavam suprimindo vegetação sem alvará”, alegou o PM. A informação porém, ainda não foi confirmada.

Apesar da denúncia, o BNews entrou em contato com a Sedur (Secretaria Municipal de Desenvolvimento e Urbanismo), mas a pasta sequer encontrou qualquer registro em nome da construtora. Segundo Adelmo, chegou ao seu conhecimento que pelo menos 150 associados adquiriram o imóvel.  

Outro associado, um policial militar, denunciou o empreendimento ao BNews, e teceu duras críticas à Aspra. “Próximo do início das obras houve alguns questionamentos, esses que jamais foram respondidos concretamente, fazendo com que levantasse suspeita do empreendimento”, inicia o PM. 

“Um grupo de seis pessoas, sendo policiais e pessoas comuns, se juntou e levantou informações acerca do terreno que inicialmente estava em nome do Pelicano Comércio de Combustíveis, e com uma ação judicial promovida pela Prefeitura de Salvador, visto a inadimplência do IPTU (...) Mesmo indicando a Aspra que havia falhas, ela se negou a iniciar uma ação em defesa dos seus associados. Existiam outros problemas, como a falta de incorporação do terreno pela construtora e venda casada, pois deveríamos permanecer associado a Aspra por cinco anos”, declarou. 

Em um print de uma conversa por WhatsApp, o denunciante mostra que há um grupo de pessoas que investiram no empreendimento, entre moradores gerais e integrantes da Aspra. No diálogo, eles lamentam a situação.  

“Só comprei em confiança na Aspra e, sobretudo, com a credibilidade de Prisco. Mas não posso ficar sem meu dinheiro. São mais de R$ 55 mil lá”, diz um dos membros do grupo. “Decepção é a palavra que define tudo isso”, diz outra pessoa. 

Advogado das vítimas 

Ao BNews, o advogado que representa as vítimas da construtora, Caio Ocké, observou problemas no contrato do empreendimento. Entre eles, o fato de que uma pessoa menor de idade era uma das responsáveis pelo documento, junto a uma mulher. Além disso, Ocké declarou que erros de português foram encontrados no contrato.  

Marcos Prisco e a construtora 

Diante do desespero pela falta de informações sobre a construtora, um dos integrantes da Aspra, não identificado, pediu para que a associação o ajudasse a entrar com uma ação judicial contra a empresa, no entanto, de acordo com o militar, o suporte foi negado. 

Em áudio enviado pelo denunciante, é possível ouvir o presidente da Aspra supostamente negando o pedido. “A Aspra não vai entrar com ação contra a FNR no momento. A Aspra não entende que está havendo quebra de contrato ou erro da FNR, quando isso a Aspra entender, tenha certeza de que a Aspra não vai precisar consultar você para fazer isso. A Aspra vai tomar as providências como sempre tomou, mas se você quiser entrar [com ação judicial contra a construtora], você vai contratar um advogado por fora, é um direito seu", teria cravado Prisco em 2020. 

Em vídeo divulgado entre os integrantes da Aspra, Prisco, ao lado de um dos sócios do empreendimento, Raphael Franco Torres, também garante que o condomínio será entregue aos seus associados. 

"Todos os dias a gente está correndo atrás para resolver a situação, nós damos a garantia que o empreendimento vai ser entregue na data que está no contrato, houve atraso no início da obra, mas não vai atrapalhar em nada na data da entrega e tudo aquilo pelo que vocês pagaram vocês vão ter direito a receber”, declara na filmagem, que segundo o denunciante, foi feita em 2021. 

Além disso, o deputado afirma que “os trâmites com a Sedur estão praticamente resolvidos e, nessa semana, na outra, ou na próxima, com certeza já estamos com alvará e a gente inicia a obra". Ao lado dele, o sócio confirma as promessas e alega que “tudo vai ser resolvido nos próximos dias”.  

Defesa da FNR Construtora 

Ao BNews, o advogado da FNR Construtora, Leonardo Guimarães, alega que as acusações feitas pelas vítimas e pela Aspra “não representam a verdade”.  

“A empresa enfrenta dificuldades com a liberação do alvará na Prefeitura de Salvador. Toda a documentação e as adequações foram feitas, mas o processo segue em curso, aguardando liberação para o início das obras. Com relação aos distratos, todos que procuram e aceitaram os termos foram atendidos, inclusive boa parte já recebeu integralmente”, ele declara. 

Ao BNews, a Sedur confirmou que, de fato, há uma solicitação de alvará, que foi feita em 2020, e está tramitando no órgão. 

Apesar de algumas vítimas alegarem não conseguir contato com a construtora, a defesa diz que as acusações são mentirosas e diz: “eu mesmo já atendi, e atendo, várias pessoas. (...) todos os interessados terão os pedidos de distratos atendidos, sem prejuízo do início das obras, assim que deferido o alvará de construção”. 

Defesa da Aspra 

O BNews também procurou a defesa da Aspra, que declarou ter sido pega de surpresa da mesma forma que seus associados. 

“Nos causou surpresa eles não terem autorização pra construírem o empreendimento, nós, inclusive, estivemos com eles para adiantar esse processo. Para acelerar, nós tentamos ajudar, estivemos várias vezes na secretaria responsável pra emissão do alvará, conversamos com o sub-secretário, a equipe técnica da Prefeitura, na tentativa de tentar de alguma forma diminuir os danos que estavam sendo causados”, alega Jeoás Santos, coordenador jurídico da Aspra. 

"Nós chegamos a um ponto que não tinha mais como tomar alguma providência, nós fizemos um comunicado à empresa, oficialmente, da necessidade de mudar aquela relação contratual com os associados e, naquele momento, nós conseguimos a suspensão do pagamento das parcelas”, explica.  

Jeoás ainda conta que a construtora queria cobrar multa pela quebra de contrato, no entanto, conseguiu reverter a exigência, fazendo com que houvesse um acordo de devolver os valores para os adquirentes do imóvel sem qualquer multa. O valor, de fato, começou a ser devolvido para os que solicitavam a devolução, e ocorria de forma parcelada, ou seja, quem pagava o empreendimento em parcelas de 20 vezes, por exemplo, tinha o valor devolvido em 20 parcelas. 

A devolução, no entanto, começou a atrasar. Mais um problema que ficou nas costas da Aspra, que iniciou uma ação coletiva contra a construtora. 

“Diante de todas as dificuldades, atrasos que eles começaram a fazer no distrato, nós ingressamos com ação coletiva em nome de todos os associados, requerendo que todos eles fossem ressarcidos de forma integral e imediata, não parcelada, e solicitamos que fosse pago o dano moral a todos os nossos associados que participaram. Temos até hoje grande dificuldade de identificar quem são esses associados, porque fizemos um chamamento dos que adquiriram o empreendimento para uma reunião aqui na Aspra, mas nem todos apareceram. Fizemos um ofício requerendo informação da empresa de quantos e quais teriam sido os associados que teriam adquirido, porque a gente não tinha esse controle, tudo era feito com a empresa”, diz o advogado. 

Questionado o porquê de terem negado suporte judicial aos associados anteriormente, Jeoás explica que, em primeiro momento, preferiam resolver os problemas administrativamente.  

“Se a gente entra com ação direta e não houve tentativa de resolver o problema, a gente não oportuniza a empresa de resolver administrativamente, então nós tentamos de todas as maneiras resolver com a empresa”, argumenta, completando que também estão ajudando os associados que desejam entrar com ação judicial individual. 

Sobre o vídeo realizado por Prisco junto ao sócio do empreendimento, o coordenador jurídico declarou que o presidente da Aspra apenas estava “contribuindo para que o empreendimento fosse realizado. Ele estava garantindo, ali, que estava fazendo sua parte”. Ele ainda explica que a filmagem foi feita logo após uma reunião ocorrida com o objetivo de tratar sobre o alvará e o registro de incorporação. 

"Somos vítimas da mesma forma que nossos associados, demos um crédito pra uma empresa que parecia ser idônea, com projeto viável (...) achamos que a empresa tinha boa fé e ofertamos a nossa ‘carteira de cliente’ para o empreendimento entendendo essa boa fé da empresa”, finalizou. 

Classificação Indicativa: Livre

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