Saúde

Dia Mundial da Luta Contra a Aids: Infectologista reforça importância do diagnóstico precoce da doença

Marcelo Camargo/Agência Brasil
Coordenador da Instituição Beneficente Conceição Macedo, padre Alfredo Dorea também comenta dificuldades do público que vive e convive com a doença  |   Bnews - Divulgação Marcelo Camargo/Agência Brasil

Publicado em 01/12/2021, às 06h32   Beatriz Araújo


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Diante da necessidade de prevenção da doença, diversos países celebram, neste 1º de dezembro, o Dia Mundial da Luta Contra a Aids. Causada pela infecção do Vírus da Imunodeficiência Humana (HIV), a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida atingiu, de 1980 a junho de 2020, 1.011.617 pessoas em todo o Brasil, de acordo com o Boletim Epidemiológico publicado pela Secretaria de Vigilância em Saúde, do Ministério da Saúde, em dezembro do ano passado. Em entrevista ao BNews, a médica infectologista Ceuci Nunes, diretora-geral do Instituto Couto Maia, em Salvador, e o coordenador da Instituição Beneficente Conceição Macedo (IBCM), que presta apoio ao público que vive e convive com o HIV, ou a Aids, na capital baiana, padre Alfredo Dorea, comentaram sobre a importância da celebração da data.

“Eu acho que o Dia Internacional do Combate à Aids é super importante para a gente voltar a tratar do tema, porque com a pandemia da Covid-19, as outras doenças sumiram dos comentários das pessoas, e a Aids é uma doença que precisa ser falada. Na verdade, a Aids é uma pandemia também, só que é uma pandemia de uma doença que não é aguda, como a Covid-19”, afirmou a infectologista. “No ano passado nós tivemos 3.560 casos novos, esse ano já estamos com 3.360, e olhe que com a dificuldade de se fazer diagnóstico, porque a gente sabe que as pessoas pararam de procurar os centros de saúde”, conta.

De acordo com a infectologista, o diagnóstico precoce da Aids é um dos fatores mais importantes para o combate à doença. “O que a gente tem visto no Couto Maia são muitas infecções diagnosticadas recentes, mas com as pessoas já com a Aids em estágio avançado. Então, isso a gente precisa falar, porque o diagnóstico precoce dessa doença é extremamente importante para iniciar o tratamento, para as pessoas não desenvolverem Aids e também as pessoas que se tratam adequadamente não transmitem o vírus, isso é super importante”, relata.

Diagnóstico e tratamento

Para Ceuci Nunes, é necessário incentivar todas as pessoas que têm uma vida sexual ativa a realizarem exames para conseguir o diagnóstico precoce da doença. “As pessoas que têm vida social ativa devem fazer o teste de HIV uma vez no ano, porque se você diagnostica rapidamente, precocemente, o tratamento impede o desenvolvimento da doença e impede a transmissão”, garantiu. “Um avanço significativo ocorreu no tratamento. Quando a gente começou a tratar a Aids, na década de 80, as pessoas tomavam 23 pílulas, 19 pílulas por dia. Hoje, a gente tem um tratamento eficaz, com duas pílulas por dia”, emendou.

A infectologista aponta ainda o avanço dos efeitos adversos dos medicamentos utilizados no tratamento do HIV e da Aids. “É um tratamento muito bom, que dá muito pouco efeito colateral, poucas reações, e que não dão alterações como os outros tratamentos davam a longo prazo, de você ter deformidades, de você ter um emagrecimento em determinadas áreas, e gordura localizada em outras áreas. Não dá alteração de colesterol, de triglicerídeos, como os outros tratamentos davam, e tem uma barreira para resistência do vírus grande, então é um tratamento muito bom que a gente tem na primeira linha, no Sistema Único de Saúde (SUS), no programa de Aids”, conta.

PReP e PEP

Durante a entrevista ao BNews, Ceuci Nunes apontou ainda a diferença entre os medicamentos de Profilaxia Pré-Exposição (PrEP), e Profilaxia Pós-Exposição (PEP), ambos utilizados na prevenção ao vírus HIV, causador da Aids. “Todos dois são tratamentos pré-profiláticos, para as pessoas que não têm HIV. Só que o PEP, ele é pós-exposição. Então, se você tem um acidente com um material biológico de um paciente, no caso dos profissionais de saúde, se você teve uma relação sexual de risco, ou que o preservativo furou, aí você pode tomar o PEP. Você toma esse remédio, vai ser avaliado, fazer o exame, porque tem que afastar que você esteja com HIV também, e fazer esse tratamento por quatro semanas”, explica a infectologista.

“O PrEP, é diferente. São para as pessoas que têm um comportamento de risco, que têm uma vida sexual que tem relação com várias pessoas, por exemplo. E aí você toma uma pílula, pode ser até mais prolongado, não tem tempo, como a PEP, e você toma até passar esse seu momento de risco, e também tem que ser avaliado pelo médico, mas os dois tratamentos são importantes”, acrescentou.

Diferença entre HIV e Aids

A médica abordou ainda os fatores que diferenciam o vírus HIV da Aids, que costumam ser confundidos, e até mesmo igualados, na sociedade. “O HIV é o vírus que vai levar a uma alteração grande do sistema imunológico, que vai levar à Aids. Então, a pessoa pode ser portadora do HIV e não tem a Aids. Quem tem a Aids é quem tem o vírus, já por um período prolongado, que já está com o sistema imunológico debilitado, que tem doenças oportunistas. Todos dois tratam. O mesmo portador do vírus vai tratar para evitar transmitir, e para evitar evoluir para a Aids. E a pessoa mesmo que já esteja com a Aids, ela tem tratamento e pode melhorar”, afirmou Ceuci.

Cura

Embora tenham sido identificados recorrentes avanços no tratamento da doença, de acordo com a infectologista, até o momento, não existe cura para a Síndrome da Imunodeficiência Adquirida. “A gente não tem uma perspectiva a curto, nem médio prazo, de ter uma cura, até porque os casos de cura que já aconteceram, as pessoas voltaram a detectar o HIV depois. Os dois casos de cura mesmo, foram pessoas que fizeram transplante de medula óssea e utilizaram o material de uma pessoa que tem uma resistência inata ao vírus, o que é uma coisa extremamente rara”, relatou.

Luta contra a Aids

Ceuci Nunes definiu ainda quais são os fatores de extrema importância para a conscientização do combate à doença. “Eu acho que tem dois aspectos que são importantes. Um, é você fazer o tratamento, evitar que a pessoa adoeça, e evitar que a pessoa transmita, mas tem ainda uma outra abordagem, que é a questão do preconceito. Ainda é uma doença muito estigmatizada. Às vezes, as pessoas deixam de frequentar o sistema de saúde por ser alvo de preconceito, elas não contam que têm a doença para ninguém por causa do preconceito, então eu acho que essa parte do preconceito também precisa desaparecer. A gente precisa tratar com mais humanidade essas pessoas”, concluiu, ao BNews.

Apoio a portadores

No Brasil, o Dia Mundial da Luta Contra a Aids começou a ser celebrado no final da década de 80, envolvendo os governos federal, estaduais, distrital e municipais, além de contar com o apoio de diversas, organizações sociais, como é o caso da IBCM, localizada no bairro de Nazaré. “A gente faz assistência, prevenção e cuidados. O Brasil é referência internacional em tratamento, e é mesmo, mas tem muita gente que morre de Aids porque não tem o dinheiro do transporte para ir buscar o medicamento e para fazer a consulta. Nós navegamos nessa área, com o público hipossuficiente econômico, que não tem o mínimo para sobreviver. Então, depois do diagnóstico, até para acessar os meios, para fazer os exames, para buscar os medicamentos, ele precisa do nosso apoio. Fazemos o apoio psicológico, apoio financeiro e social, é onde nós nos movemos”, explica padre Alfredo Dorea, coordenador da instituição.

Segundo padre Alfredo, a IBCM atende o público de todas as idades, e acaba sendo muito procurada por quem busca apoio para lidar com a doença. “Tem muita procura. Nós temos hoje uma procura que nós não damos conta de responder a todos. Já temos uma creche com 86 crianças, de 0 a 5 anos, com o advento da pandemia a gente abriu para os bebês, então já estamos com dez crianças recém nascidas, filhas de trabalhadoras, que tentam voltar às atividades laborais e não têm onde deixar os filhos”, informou.

“Nós cuidamos do público que vive e convive com HIV, para não estigmatizar. Nós temos um pessoal que vive e um percentual que convive, ou seja, às vezes tem um parente, a mãe, ou é órfão da Aids”, explica o coordenador. “Além da creche, nós temos as casas de apoio. São 29 casas, mantidas pela instituição, onde residem famílias, mães sozinhas, com duas ou três crianças, e a gente mantém de aluguel, cesta básica, gás, energia, água, até que a mãe faça o tratamento, os filhos frequentem a creche, e aos poucos a gente consiga reinserir essa mãe à atividade laboral, no quesito social”, emendou padre Alfredo.

Ao todo, a IBCM já possui mais de 300 famílias cadastradas. “Além das famílias, nós temos atendimento à população em situação de rua, atendimento a profissionais do sexo, às crianças e seus familiares, e hoje tem crescido muito. A gente está com uma média de 30 a 40 cestas básicas entregues diariamente na instituição”, conta o responsável. “A gente faz também, além disso, a prevenção, com a distribuição de insumos, preservativos, e acabamos de comprar gel lubrificantes, porque estamos com dificuldade de receber o gel do governo federal. Fazemos a testagem assistida com o fluído oral, temos uma equipe que vai até o encontro de quem precisa fazer o teste, nos horários que for conveniente, e estamos também distribuindo autotestes [para diagnóstico de HIV], que a pessoa pode levar para casa, até cinco unidades, para fazer sozinha”, continuou.

“A Saúde fala muito de aconselhamento, mas a gente tem certeza de que muitas pessoas não começam o tratamento porque não têm transporte. Esse é o grande desafio, e esse desafio não é alcançado pelas políticas públicas de prevenção. Fala-se de divulgação, de distribuição de insumos gratuitos, de distribuição de medicamentos gratuitos, mas esse ato que parece pequeno, emperra muitos tratamentos, porque a pessoa não vai. A pessoa tem que ir buscar medicamento, a cada três meses tem que voltar para fazer consulta, depois tem alguns exames que tem que voltar para fazer e todo isso é custo”, disse o coordenador, na entrevista ao BNews.

Para padre Alfredo, Salvador carece ainda, por parte do poder público, de um apoio destinado às instituições que promovem o combate ao HIV e à Aids. “Seria muito interessante que a gente tivesse algo sistemático para a realização das nossas ações. Nós temos consciência de que mesmo o Poder Público tendo os postos de saúde, os locais de testagem e disponibilização, as ONG’s têm um papel fundamental, porque a gente fica no contrafluxo do atendimento da rede pública. Nós vamos toda quinta-feira à noite ao local de trabalho das profissionais do sexo, que é um tipo de trabalho que o Poder Público não faz, mas ele poderia financiar para que as ONG’s pudessem continuar fazendo”, finalizou.

Locais de atendimento na capital baiana

Em Salvador, os atendimentos realizados pela Secretaria Municipal de Saúde (SMS), no combate e prevenção ao HIV e à Aids são realizados no Serviço de Assistência Especializada (SAE) Marymar Novaes, Rua Arthur Bernardes, no bairro do Dendezeiros; no SAE São Francisco, Rua do Carro, em Nazaré, e no Serviço Municipal de Assistência Especializada (Semae), na Rua Domingos Requião, no bairro da Liberdade. Vale salientar que as unidades básicas também realizam o diagnóstico.

Entre os serviços oferecidos pelas unidades estão atendimentos com equipe multidisciplinar, coleta de exames e monitoramento, dispensação de medicamentos antirretrovirais com orientação farmacêutica, tratamento de outras Infecções de Transmissão Sexual (ITS), distribuição de insumos de prevenção, entre eles preservativos masculinos e femininos, testagem rápida com pré e pós aconselhamento, bem como atividades educativas.

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