Polícia

'Tive uma chance só de apagar o fogo, o extintor não funcionou', diz vocalista de banda na Kiss

Juliano Verandi/ Imprensa TJRS
Marcelo viu alguém chegando com extintor, olhou para o lado e gritou: "fogo, fogo, sai". Em seguida, ele pegou o extintor para tentar combater o incêndio.  |   Bnews - Divulgação Juliano Verandi/ Imprensa TJRS

Publicado em 09/12/2021, às 18h31   Folhapress


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O vocalista da banda Gurizada Fandangueira, Marcelo de Jesus dos Santos, havia terminado de cantar a música "Amor de Chocolate", na qual usava um artefato pirotécnico em uma das mãos, quando sentiu alguém cutucando suas costas e se virou. O irmão Márcio, percussionista, tentava avisá-lo sobre o fogo no palco da boate Kiss.

Marcelo viu alguém chegando com extintor, olhou para o lado e gritou: "fogo, fogo, sai". Em seguida, ele pegou o extintor para tentar combater o incêndio.

"Na minha cabeça, eu ia apagar. Eu tive uma chance só de apagar o fogo e a chance que eu tive não consegui. O extintor não funcionou", contou nesta quinta-feira (9) em depoimento durante o julgamento das 242 mortes causadas pelo incêndio em 2013. Mais de 600 pessoas ficaram feridas.

Marcelo foi o último dos quatro réus acusados por homicídio e tentativa de homicídio simples por dolo eventual a depor. Antes, falaram os então sócios da Kiss, Mauro Hoffmann e Elissandro Spohr, e Luciano Bonilha Leão, assistente da banda e responsável por comprar o artefato pirotécnico.

O júri da boate Kiss já é o mais longo da história do Judiciário gaúcho. O processo foi desaforado de Santa Maria a Porto Alegre a pedido de defesas que questionaram se a cidade onde ocorreu a tragédia teria júri imparcial, já que boa parte da população foi afetada.

Marcelo disse que a Kiss estava cheia na madrugada da tragédia. Segundo ele, foram usados artefatos pirotécnicos, colocados no chão, no início da apresentação, sem que qualquer pessoa da boate viesse chamar a atenção ou avisar que não poderiam fazer isso no local.

Quando o extintor não funcionou, o músico disse ter entrado em desespero e que ouviu alguém falar que trariam outros extintores, o que não aconteceu. "Eu não sabia o que eu fazia. Eu gritei de novo, só na voz, dizia 'sai, sai'. Na intenção de vir mais extintores, não tinha nada que eu pudesse pegar para combater o fogo. Não me deram essa chance de combater o fogo. Eu fiquei debaixo dele e não podia fazer nada. Estava com as mãos fechadas, sem poder fazer nada. As pessoas correndo, querendo sair, e não podia fazer nada", relatou.

Em depoimento no júri, o sonorizador da banda, Venâncio Anschau, confirmou que desligou os microfones no momento da confusão que ocorria em cima do palco. Luciano disse durante seu interrogatório que outras pessoas da banda poderiam anunciar o fogo, não apenas Marcelo.

O músico afirmou não se lembrar de muita coisa, se desmaiou, se entrou em choque, só que pensava que iria morrer ali. O irmão o viu voltando para o fogo e o puxou para que se encaminhassem para a saída. Ele sentia os olhos ardendo, dificuldade para respirar, mas saiu.

"Era uma cena de guerra [o lado de fora]. Nunca tinha visto um negócio daquele, pessoas chorando, eu não conseguia assimilar onde eu estava, não sei se alguém falava comigo. Fui para o outro lado [da rua], no Carrefour, quando eu olhei, estava no meio das pessoas mortas", relatou ao juiz Orlando Faccini Neto.

Ele afirmou ainda que Danilo, o gaiteiro do grupo, que morreu na tragédia, era quem acertava as apresentações e definia o repertório da banda e que confiava em Luciano, como a pessoa que comprava os artefatos pirotécnicos. Marcelo disse que nunca queimou suas mãos com o produto e que chegou a pedir uma perícia nele.

A banda não tinha sempre pirotecnia nas apresentações e alguns locais não autorizavam sua utilização, disse o músico. Ele também afirmou que ficou com sequelas respiratórias depois do incêndio e teve dificuldade para acessar tratamento nos cerca de quatro meses em que esteve preso.

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Quando uma médica pediu que fizesse exames para investigar seu quadro, ele não quis ir ao HUSM (Hospital Universitário de Santa Maria) para fazê-los porque tinha vergonha de estar no mesmo local que atendia sobreviventes da Kiss, afirmou. "Eu trabalhava, eu me escondia quando me dava falta de ar, para ninguém me ver daquele jeito", contou

Marcelo, pai de duas filhas de 21 e 13 anos, se identificou como azulejista, mas disse que está sem trabalhar desde que foi infectado com Covid, há cinco meses, porque precisa de fisioterapia. "Dia 27 nunca saiu de mim. Eu acordo e durmo pensando no dia 27. Eu nunca estive bem".

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