Educação

Lei prevê acompanhamento integral para jovens com transtornos de aprendizagem; especialistas e pais comentam

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A nova legislação foi sancionada pelo presidente da República na última terça-feira (30)  |   Bnews - Divulgação Pixabay

Publicado em 03/12/2021, às 06h01   Lucas Pacheco


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O presidente Jair Bolsonaro sancionou, na última terça-feira (30), a Lei Federal nº 14.254/21 que dispõe sobre o acompanhamento integral para estudantes com dislexia, ou Transtorno de Déficit de Atenção com Hiperatividade (TDAH),  ou outro transtorno de aprendizagem. A nova legislação foi publicada no Diário Oficial da União de quarta-feira (1º).

A lei, que tem apenas seis artigos, obriga o poder público, em todas as suas esferas, seja federal, estadual ou municipal, a desenvolver e manter programa de acompanhamento integral para educandos com transtornos de aprendizagem e a sua identificação precoce, além de prevê que esse jovem deve ser encaminhado para diagnóstico, apoio educacional na rede de ensino e apoio terapêutico especializado na rede de saúde.

O texto ainda destaca que as escolas da educação básica das redes pública e privada, com o apoio da família e dos serviços de saúde existentes, devem garantir o cuidado e a proteção ao educando com dislexia, TDAH ou outro transtorno de aprendizagem, visando o pleno desenvolvimento físico, mental, moral, espiritual e social, com auxílio das redes de proteção social existentes no território, de natureza governamental ou não governamental.

Aos professores, a lei prevê que a eles deve ser garantido amplo acesso à informação, inclusive quanto aos encaminhamentos possíveis para atendimento multissetorial, e formação continuada para capacitá-los à identificação precoce dos sinais relacionados aos transtornos.

Segundo a advogada Ráisa Paranhos, especialista em Direito Público pela Escola de Magistrados da Bahia (Emab), “A nossa Constituição Federal prevê que a educação é um direito de todos e dever do estado e da família e ela deve ser promovida e incentivada com a colaboração de todos. E um dos princípios que a Constituição traz é que haja igualdade de condições para o acesso e permanência na escola. Então, por isso, as medidas públicas têm que trazer ações efetivas para minimizar essas desigualdades no ensino”.

Sobre a nova legislação aprovada, ela enfatiza que “essa nova lei sancionada vem como um divisor de águas no sentido de efetivar os direitos dessas crianças que possuem transtornos de aprendizagem, trazendo justamente o que a Constituição fala: a igualdade de condições para o ensino. Como essas crianças não têm as mesmas condições que os demais, essas medidas vêm pra fortalecer, não só no âmbito público, como também no privado, já que todas as escolas devem se adequar para por essa nova lei em prática”.

Como os transtornos de aprendizagem, apesar de já diagnosticados em um número relativamente grande de pacientes, ainda são pouco conhecidos, diversos pais e responsáveis enfrentam inúmeros problemas na educação dos seus filhos, não somente pelas próprias consequências dessas patologias, mas sobretudo pela falta de preparo e acolhimento de escolas.

A enfermeira Chris Rose Oliveira é mãe de uma criança de 8 anos que teve o diagnóstico de TDAH aos 5 anos. Em conversa com o BNews, ela disse que passou a observar comportamentos agressivos no filho e que na escola foi dito que muitas vezes ele terminava suas atividades antes dos colegas e não deixava as demais crianças se concentrar e terminar os deveres. Ela desabafou sobre a dificuldade de encontrar uma escola para o filho.

“Eles não querem investir nisso. Em uma das melhores escolas de Aracaju, considerada uma das melhores escolas, a psicóloga chegou a passar pra mim que os pais se reuniram e disseram que ele agredia os coleguinhas, que era muito agressivo, que não deixava o coleguinha se desenvolver e a escola chegou pra mim pra dizer que os pais pretendiam tirar seus filhos por causa do meu. E eu acabei tirando-o da escola. Coloquei em uma menor, com menos alunos, onde poderia ter uma atenção melhor, e foi o mesmo problema. Na que ele está agora, ainda tem uma dificuldade, ainda tem uma reclamação. Mas é uma coisa que é uma patologia da criança, é patológico, tem dias que ele está bem e tem dias que ele não está”.

Já a advogada Bianca Fagundes, mãe de um jovem de 18 anos com dislexia, diagnosticado aos 6, afirmou que passou a perceber dificuldades de atenção e aprendizagem no filho e que era necessário uma investigação médica. Ela destacou que em momento algum os professores perceberam essas dificuldades e também enfrentou dificuldades na escola onde o filho estudava.

“Foi horrível. Eu estava no momento de descobrir a situação e tomar providências e eu não tive nenhum apoio da escola. A escola entendeu que o relatório médico com todas as orientações para dar assistência a ele era impossível de ser executado e eu tive que trocar de escola. Fui para outra que, apesar de pouco preparada, coisa de 12 anos atrás, foi muito acolhedora, porque eles se disponibilizaram a pesquisar, a entender, inclusive executar todas as sugestões do relatório para viabilizar a alfabetização dele na época”.

Ela exaltou a importância da lei e enfatizou que tudo seria diferente se a educação fosse entendida como acolhimento e amor.

“Eu penso que a lei é uma iniciativa extremamente necessária. O que eu passei com meu filho foi muito doloroso pra mim e pra ele. A gente se encontrar diante de uma situação e ainda não ter um acolhimento da escola. Foi até sugerido pra mim de entrar com uma medida judicial liminar para que as escolas executassem as ações, tem uma lei federal que coloca nesse sentido. Embora advogada, eu não quis fazer dessa forma,  porque eu entendi que não era por obrigação judicial que  aquela relação deveria ser firmada. Educação é longe disso. Educação é acolhimento, é amor. Então, essa nova lei é extremamente importante. Agora, existe uma questão de como isso vai ser colocado em prática. Hoje, 12 anos depois, eu vejo que os profissionais estão prestando mais atenção, se preparando melhor e entendendo que os alunos em uma sala de aula é uma diversidade e não tem como se dá um tratamento uniforme. É um ponto de partida importante para preparação do ensino público e particular no Brasil. Não há como se falar em uma educação inclusiva e com bons resultados, se não observar e não se preparar para essas diferenças. Essa nova lei, se tiver uma boa receptividade, as mães não vão passar pelo o que eu passei”.

Para a Maria Angélica Moreira Rocha, psicopedagoga e conselheira vitalícia da Associação Brasileira de Psicopedagogia seção Bahia (ABPp), “A lei é um fator de muita importância. Se tudo funcionasse bem, com respeito a essa diversidade, não haveria necessidade de lei, porque todos seriam entendidos na sua forma peculiar de ser. Mas há essa lei e precisa ser respeitada, analisada, para que seja respeitado esse atendimento à diversidade. É necessário que ela seja cumprida e é preciso que vejamos condições para que ela seja cumprida. É necessário investimento na preparação e na formação dos profissionais das instituições educacionais, de um modo geral. Não só a preparação dos professores. Para esse entendimento, é necessário de uma preparação de toda equipe escolar, porque é um trabalho multiprofissional. Todas as pessoas que interagem com os alunos precisam ser preparados para que eles entendam. Não é só na sala de aula que isso funciona. O investimento é para toda escola”.

E completa: “Não só a lei é suficiente. Mas já é um ponto de partida para que sejam realizados momentos de reflexão, de planejamento de estratégias, para que possa funcionar. Há também que se considerar que cada unidade escolar tem também suas especificidades. Então, a equipe gestora de cada escola, vendo suas condições materiais e físicas, os recursos humanos, é quem pode traçar o seu planejamento para cumprimento dessa lei”.

Sobre a realidade das escolas e como elas devem agir, ela afirma que não se pode generalizar. “Nosso caso, do atendimento psicopedagógico, nós consideramos cada pessoa como um ser especial, singular. Então, essas crianças e adolescentes, em alguns casos, passam a ser considerados como incapazes, com dificuldades. Colocam até que não tem condição para responder as solicitações. Então, quando acontece isso, com esse tratamento, podem gerar sentimentos que interferem na autoimagem da pessoa, na autoestima, eles passam a se sentir incapazes e perdem o interesse, muitas vezes, em estudar. Então, o que precisa ser mudado é essa concepção, pois todos nós somos diferentes. Cada um possui uma forma diferenciada de aprender, de se comportar, e deve ser entendido de uma forma adequada para que possa avançar no seu desenvolvimento. Então, a melhor forma é considerar cada pessoa de acordo às essas condições, suas possibilidades, suas necessidades e suas dificuldades”.

Classificação Indicativa: Livre

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